Um dos factos mais curiosos da nossa história liga-se a um homem, que por artes e engenhos, e face à memória histórica, terá sido o primeiro ser humano a construir um objecto com a intenção de se elevar no ar e que efectivamente o conseguiu.
Quem leu o “Memorial do Convento” do Nobel Saramago, por certo encontrou aí esse personagem meio louco, meio padre, que um dia meditando nesse triste destino dos homens, quando comparado às maravilhas que as aves podem alcançar, achou essa ideia de voar tão simples quanto a sua vontade de criar.
Estou a falar do Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, sendo o “de Gusmão” um acrescento posterior ao do nascimento, em homenagem a um professor desse apelido.
Pouco conhecido da nossa história e da própria história aeronáutica, Bartolomeu de Lourenço, desde cedo espantou os seus congêneres pela prodigiosa memória que possuía, capaz de absorver os clássicos, a filosofia, a história, e de os dizer sem outra ajuda que não apenas e só a sua memória.
Nasceu no Brasil, em Santos, era filho do Cirurgião-Mor do Presídio de Santos. Fez os estudos, também no Brasil, tendo entrado para a Companhia de Jesus, de onde acabou por sair. Ordenado Sacerdote em 1708, viajou pela Europa, tendo estado em paris, cidade das Luzes, e na Holanda, entre 1708 e 1713.
Doutorou-se em Direito Canônico na Universidade de Coimbra, que frequentou entre 1716 e 1720.
Serviu o Rei, laborou na escrita e foi admitido na Real Academia da História.
Seu cérebro sempre fervilhou de ideias e inventos, um original, um excêntrico, capaz do inimaginável à época, como o caso de ter idealizado e construído uma conduta, capaz de elevar a água desde o reservatório, situado cerca de 100m abaixo do nível pretendido.
Fechado numa sociedade fechada, teve o feliz acaso de viver na época em que um Rei acreditava em visionários(D. João IV). Em princípios de 1709(vozes o dizem que a ideia lhe atormentava muito antes)resolveu-se a ir buscar apoios para construir a sua visão: um engenho capaz de se elevar no ar!
Munido do privilégio Real, que acreditava na Ciência, e rodeado da aura de sapiente, dedicou vida, amor e fortuna a esta paixão.
Por três vezes tentou e ao que rezam as crónicas, na experiência de 3 de Outubro de 1709, terá conseguido elevar o seu engenho voador, por duas vezes, vários metros acima do solo.
Esta experiência não teve a repercussão histórica que merecia, devido, por um lado, ao fraco desenvolvimento cientifico/técnico do país, por outro devido à natureza volúvel, estranha do próprio Padre Bartolomeu.
Evoco, aqui, este naco de história, o da “Passarola Voadora”, assim ficou conhecido o engenho, para evocar essa razão louca e imaginativa do ser humano, capaz de ultrapassar fronteiras e impedimentos, a utopia do impossível, num tempo de razão acomodada, do homem feliz engordando à sombra de um establishment comprometido com alienação da vida e dos valores, o reino virtual da Tecnopolia.
Bartolomeu Lourenço de Gusmão foi um daqueles seres humanos que ajudaram a humanidade a evoluir, desprendido da “matéria mundi”, voando na sua passarola da Utopia, que bem precisamos de ressuscitar se não quisermos perecer atolados de passarolas que nos prendem à terra.
Joaquim Paulo Silva
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2 comentários:
Até voei numa passarola.
Precisamos urgentemente descobrir o novo e pensar alternativas.
Principalmente agora que tudo está pronto, mas ninguém tem certeza da validade...
E vai por aí muita coisa vencida.
Urgentemente! A passarola é símbolo desse voo espiritual, mais alto mais longe que a humanidade precisa.
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