Tantas, mas tantas das intervenções neste blog têm como raiz e decifração este humaníssimo grito:
- Que as coisas sejam dadas de uma vez por todas!
O tempo é um dos nomes do absurdo. Experimenta revoltar um homem contra o tempo: em breve o terás a vociferar contra tudo e todos, os fundamentos da alma e o efémero voar da borboleta. Em breve terás feito dele o intranquilo mas submissíssimo escravo.
Talvez por isso os caminhos de elevação (seja a via do druida ou a do bardo ou a do guerreiro, para usar a linguagem dos míticos celtas; mas que cada um ponha aqui as formas da sua própria genealogia) são caminhos de aceitação e resistência, de equanimidade e de esperança. Porque a elevação faz transparente o tempo, como o navio faz irresistente as águas. Paradoxo, que é um dos nomes da alma.
Podia ainda falar-te do amor, e da absurda ânsia por um amor ilimitado e claríssimo que nem sequer se apercebesse desta impureza chamada vida. Pelo amor que a si mesmo se bastasse, à imagem daquele que a chama tem pela borboleta nocturna. Sim, que as coisas sejam dadas de uma vez por todas, que o amor tudo consuma de uma vez por todas. Mas tu já sabes que só chamo homem àquele que se faz ponte entre o momento e a eternidade. E de que serviria uma ponte que se precipitasse para alguma das margens?
Age no mundo como se fosse agora o princípio, vê-o como se fosse agora o tempo do fim. Guarda e aguarda como se a noite te envolvesse. Tu sabes que mora na noite o segredo da dissipação das trevas.
10 comentários:
Mas é impanciência que nos pode alavancar a mudar o torpe e latente estado presente das coisas... se não tivermos pressa de mudar, mudaremos algo, alguma vez?
Na eterna vertigem do adiamento, faremos algo?
Aproveitemos pois este agudo momento de crise para instalar algo de novo e não nos deixemos enredar pelo pantanoso "status quo" do mundo político português.
Acho que devias ter chamado ao teu texto "sonata de Março". Fora isso...
Abraço MIL
Bem colocado, Clavis. Pressa de mudar nao significa querer tudo "de uma vez por todas", pois tudo e dinamico, tudo muda. Querer tudo de uma vez por todas significa querer a estagnacao, que creio e a ultima coisa que alguem aqui quer.
"Look, I will tell you a secret: The time has come for the groom to crown his bride; guess where the crown lies? Toward midnight, because the light is clear in the darkness..."
Jakob Bohme
Conhece essa passagem, Casimiro?
Clavis, mas é esse o paradoxo: impaciência e adiamento, dupla face do Portugal que temos tido - e, cada vez mais, do mundo todo que vamos tendo. Que Dom Dinis moderno saberia aguardar o crescimento dos pinhais de império?
Mas, na hora certa, o guerreiro sabe que a flecha é veloz.
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Renato, "andante molto presto" :)
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Ana Margarida, não conhecia, muito obrigado. Sim, é isso mesmo.
Também penso que ninguém 'quer' a estagnação, mas aquele que - para usar a sua imagem de ontem - recusa todas as mulheres por exigir nada menos do que a perfeitíssima Beatriz também não 'quer' ficar solteiro :)
Os deuses dão-nos aquilo que realmente pedimos.
Se humaníssimo (e por isso enganador) é gritar "Que as coisas sejam dadas de uma vez por todas!", vero é ver que elas nos são, sempre e a cada instante, dadas de uma vez por todas.
É isso que também é possível ler no que escreve: "Age no mundo como se fosse agora o princípio, vê-o como se fosse agora o tempo do fim".
Caro Paulo, agudíssimo comentário, claro. Poderíamos decerto chamar aqui a meditação sobre o Quinto Império (na versão quand même católica do Padre Vieira), de certa forma dado já e de uma vez por todas - como dada já, para um católico, a redenção integral da Criação por meio do Cristo, que temporalmente (ilusoriamente?) ainda não ocoreru no entanto. Saber se o diabo anda iludido, e que sentido exacto tem essa afirmação, deve ter dado insónias a muitos bons e simples teólogos :)
Mas de certa subtilíssima forma (que oportunidade para o Diabo, dirá o teólogo cristão), o Império é dado na condição de ser guardado e aguardado - e é por isso que damos mais valor à Clavis Prophetarum do que a um papel com palavras cruzadas que Vieira nos tivesse deixado. Não é isso que justifica o irrequieto activismo do Padre ou, noutro plano, o dos heróicos monges tibetanos de agora?
Mistério supremo daquela noção (creio-a apesar de tudo inapelavelmente ocidental) do deus paradoxal que age e está imóvel (no limite quase amalucado a que o levaram os cristãos, que é puro espírito e inteiríssima carne), e que em última análise é tão bem reconhecido por Camões: pois o deus "que não sabemos o que seja" (cito de cor a passagem da 'máquina do mundo' do Canto IX) não pode ser substancialmente diverso do Jupiter (ou do Baco e da Vénus, já agora).
Aqui, também, que oportunidade para a Gnose...
Pois e Casimiro, so que corre um serio risco ou de realmente ficar solteiro, ou entao de apanhar uma desilusao tremenda quando descubrir que a sua "perfeitissima" Beatriz tambem solta gazes e usa a sanita como toda a gente;-).
Claro. Será terrível.
E no dia em que se vir ao espelho - Ecce Homo.
Mas como em quase tudo há um 'caminho do meio' que é o de ver na aparência chã o véu que vela (no duplo sentido da palavra!!) a Beatriz inatingível. E de saber o gesto exacto que, sem rasgar o véu, o ajusta ao vulto nocturno.
Toda uma estética, uma ética e uma metafísica se podem derivar daqui.
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