Num poema nocturno
os pássaros caminham a pé
rumo ao mar das palavras
Entre o abismo e o deserto
um grão de luar espelha bêbadas sombras
- de nada lhes servem as asas –
Mas os pássaros não desistem
e peregrinam até ao verso final
alumiados por um coração-faroleiro.
Eu não sei como se faz um poeta
....
Vinde a mim com coragem, atirai-me toda a vossa cólera,
fome, desgraças, doenças raras e outras negações
Atirem-me para o lado mais negro da vida
e soltem os caninos a sorrir
Atirem-me à cara a Língua Portuguesa,
a gramática inteira, enciclopédias, S. Ciprianos,
e que o poema me saia num vómito
e a minha alma se magnifique com o estrondo!
Ó palavras minhas, como vos hei-de entender
se eu próprio me perdi na origem?
Ó palavras humanas, tão cheias de carne,
como pegar na caneta sem me aterrorizar?
Sempre ouvi dizer que o poeta tem de sofrer
que em cada verso o chão treme e sisma em enlouquecer
por isso abram portas às colmeias quando eu por lá passar!
Fazer um poema como se faz um filho à mulher amada
diante do altar não é pecado; já muitos me vieram contar
...mas a mim falta-me o à-vontade.
A inspiração é um redemoinho sempre ligado à cabeça,
torna-nos loucos,
a ganhar ramagem entre os dentes e os dedos.
Pergunto: como fazer um poema sem perder a erecção?
Como dizer ao mundo que sou poeta se nunca chupei a teta à poesia?
Ó palavras altas, ardentes, tesas, vinde com trinta olhos,
trinta sóis apontados,
tenho o compromisso de terminar este poema
a minha morte é já acolá
E ainda tenho uma estrela para devorar
Preciso de escurecer,
tenho pássaros e peixes algures entre os rins e o coração,
que, se lhes faltar o pasto, ó meu deus,
se lhes faltar o pasto,
ficarei entregue e exposto ao mundo das coisas,
apostando tudo numa última reza.
meu blog: teoria dos calhaus
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