Demasiado se tem sacrificado, seja por “interesses”, “impulsos” ou pelo referido “peso das fatalidades”, ao ingresso num “grupo” contra outro, ao alistamento nessa política sectária ou “de cabila” que predomina planetariamente. É a hora de enveredar por um “caminho inteiramente diferente”, menos teórico do que activo e prático. Mas isso exige – proposta que Agostinho manterá e acentuará até ao final da vida – que surja um novo tipo humano, por uma profunda transformação do homem actual. A exemplo dos monges-guerreiros medievais, é necessário que surjam “frades políticos”, ou seja, “homens que, imolando tudo o que lhes é estritamente pessoal nas aras do geral, não queriam [queiram ?] terras separadas do céu, nem céus separados da terra, mas sempre e sempre e sempre os dois unidos no mesmo esplendor de fraternidade, de paz e de bem-aventurança”. O que só “se fará fazendo”, não “falando ou escrevendo ou pensando”. Para o que aponta vias concretas: “não-intervenção absoluta na política de grupos”, “escolha, para governantes, de homens e não de legendas”; “atenção aos problemas locais e imediatos e não só aos planetários e futuros”.
A “base de tudo”, porém, terá de ser a interiorização do combate, já não movido a qualquer adversário exterior, mas ao que em si menos vale, a luta que visa não a conquista do poder, mas a “conquista e domínio de si mesmo”, pela via única que “têm apontado a experiência e os séculos: o caminho da ascese mais rigorosa e absoluta, da oração contínua e do amor dos homens em Deus e por Deus”. É a acção interior, mais difícil e exigente, que torna verdadeira e benéfica a intervenção exterior.
- Excerto da minha comunicação, "Política e Espiritualidade em Agostinho da Silva", a apresentar no Colóquio do dia 3 de Abril, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Para quem a palavra "Deus" seja de menos ou demasiado, como para mim, pode substituir por "ausência de sujeito e objecto". "Oração contínua" também se pode substituir por absorção contínua nessa mesma ausência.
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