A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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sábado, 28 de fevereiro de 2009

Tréplica ao Eurico, sobre o papel da lei numa sociedade complexa

Caro Eurico:

Caramba, você trouxe o mundo todo à discussão.

1. De acordo em muita coisa: (a) nada de comparável entre a sociedade medieval (e os seus reis) e o absolutismo 'iluminado' ou, indo mais atrás na História, o maquiavelismo renascentista e 'europeu'; (b) nada de comparável entre a nossa presença na Índia, África e Brasil e as colónias inglesas ou holandesas; (c) de acordo com a crucial importância daquilo a que chama 'harmonização' ou 'tomada de consciência' colectiva, e que é aquilo a que os primeiros republicanos chamavam 'civismo' e os medievais chamavam 'honra', que é um conceito mais fundo... e de acordo com a 'democracia participativa'. 'Small is beautiful'.

2. No meu ponto sobre 'auto-regulação' e evolução preciso de chamar a atenção para um aspecto. Vou voltar a usar um modelo simples, como o das maçãs e das galinhas, usando o seu próprio exemplo do nosso debate, sendo nós 'pessoas educadas e de princípios que não precisam de mediador ou de polícia'.

2.1. Na verdade, estamos a ser mediados a dois níveis: em primeiro lugar, os nossos 'princípios' éticos são, já, um vasto vastíssimo de regras que interiorizámos; tal como no famoso exemplo do andar de bicicleta, 'sabemos como fazer' (know-how) mas muito dificilmente poderíamos explicitar num manual de instruções 'o que' fazer (know-what): é por isso que se aprende a andar de bicicleta... andando (e não, lendo livros). Isto é uma mediação, queiramos ou não, e isto são regras que nenhum Legislador ou Político inventou. Não foram dadas 'prontas a usar', como as Tábuas da Lei do mítico Moisés, e não o foram porque são, digamos assim, muito mais complexas do que aquilo que um cérebro (ou um comité de cérebros, e lembro-me da frase patusca do Churchill sobre o camelo que é um cavalo desenhado por um comité) é capaz de produzir conscientemente.

2.2. Temos outra instãncia de mediação: o Renato, o Paulo Borges, ou quem seja administrador do blog, e que nos podem 'desligar' se nos portarmos mal (é irrelevante que o queiram ou não fazer, interessa que têm esse poder de facto). Para além de nos desligarem, os administradores do blog são também dirigentes do MIL, etc, e portanto guiam-se por objectivos mais 'amplos'. São, para todos os efeitos, a 'instância política' aqui presente. Também eles estabeleceram 'regras de uso do blog' (por exemplo quanto às cores a usar no texto).

2.3. Cada uma das duas 'instâncias de mediação' está presente, mas as regras de uma e de outra são essencialmente diferentes na sua própria natureza: as nossas 'regras interiores' são IMPLICITAS, as regras políticas são EXPLICITAS e podem ser decisões AD-HOC (por exemplo, o Renato diz-nos 'parem com essa conversa que não interessa nem ao Menino Jesus').

2.4. Ora bem: o Direito, hoje em dia, é visto como uma coisa próxima da tal 'instância política', uma forma de 'dirigir' a sociedade'; mas o Direito foi visto, tradicionalmente (e assim na Idade Média) como uma forma de explicitar as regras implícitas de governo da sociedade, e não mais do que isso. Efeito prático? Nem o Rei podia inventar uma lei (aqui nasceu a ideia de 'constituição', ou 'leis fundamentais', que nem o Rei podia alterar)

2.5. Agora talvez possa ficar claro o objectivo desta argumentação: no desenvolvimento ou na explicitação gradual de um sistema de regras de 'justo comportamento', é fundamental que os 'explicitadores' (juízes) sejam imparciais. Que, tanto quanto possível, tenham a atitude do cientista, e não a atitude do chefe de exércitos. Que não queiram orientar os nossos comportamentos, mas descobrir as regras que nos orientam. Que sejam árbitros, e não jogadores. E é por isso que, se na nossa discussão concluíssemos que os 'princípios morais' não bastavam (não porque os não tenhamos; mas sim porque podemos aplicá-los de maneira diferente) e se concluíssemos que era bom ter um árbitro a balizar a discussão, será completamente diferente dizermos:

- "Que um dos coordenadores do MIL seja o árbitro; ele sabe o que é melhor para o MIL"; ou dizermos:

- "Que sejam escolhidos três dos nossos confrades, com larga experiência em discussões em blogs; que não se deixem guiar por outros critérios que não o de manter a discussão dentro das regras de cortesia, sem querer saber qual de nós vai 'ganhar'; que se mantenham no seu papel de árbitros mesmo que esta discussão, por mais insólito que isso agora nos pareça, faça surgir e triunfar pontos de vista que agora nos parecem bizarros, e que talvez se não quadrem na Declaração de Princípios e Objetivos do MIL".

No primeiro caso, estamos a pensar como uma organização, ou seja, como um grupo de pessoas com uma finalidade comum; no segundo, como uma ordem, ou seja, como um grupo de pessoas reunidas em torno de valores comuns, mas sem um objectivo 'político'. O MIL é uma organização, tem objectivos; a sociedade não é uma (leninistas e fascistas pensam que sim), mas antes um espaço em que, balizadamente, cada um tem os seus particulares objectivos. Ou seja, um espaço de liberdade.

2.6. Meu caro Eurico, suponhamos que vamos em frente com a sua ideia das 'Festas catárticas', não só como ideia intelectual - isto é, que temos condições 'políticas' para as criar na prática; e que eu digo assim: "precisamos de pessoas a quem caiba definir, progressivamente, as regras dessas festas (serão anuais? poderão os trabalhadores faltar ao trabalho nesse dia sem serem despedidos? poderão as crianças de 15 anos beber álcool nessa noite? deveremos impedir casais homosexuais de nelas participar?)". E que, a seguir, digo assim: "proponho que o Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa nomeie as pessoas a quem caberá definir essas regras". Eu penso que você clamaria 'Batota!'. E o mesmo se a definição das regras coubesse, digamos, aos donos da Super Bock.

2.7. Agora suponha, Eurico, que durante duzentos anos tínhamos as suas 'festas' milimetricamente organizadas por um comité integrado pelo Cardeal, pelo dono da Super Bock e pelo Chefe da Polícia. Obviamente, a honestidade manda que digamos 'isto nem são festas, nem são catárticas. As regras que estes senhores definiram durante dois séculos devem ir todas para o lixo, e vamos fazer uma festa a sério'. Claro. A questão mantém-se, e quem define as novas regras? Teoricamente, a melhor solução seria fazer a festa primeiro, ter pessoas independentes a ver o que se passava e gradualmente deixar essas pessoas descobrir as melhores regras. Daqui a 50 anos, com sorte, teríamos já um acumular de experiência considerável (já descobrimos, por exemplo, que talvez os bombeiros não devam entrar em catarse).

2.8. Mais uma vez, percebamos que a sociedade global não é uma organização simples, mas um sistema de altíssima complexidade. As regras que nos regem ou nos deviam reger não estão ao alcance da sapiência de dois ou três sábios. Podem ser descobertas, mas isso demora tempo. Mandámos fora o Cardeal, a Super Bock e a Polícia; se quisermos, podemos propor que toda a sociedade seja uma grande festa catártica durante uns tempos (receio que a experiência seja desagradável). Ou entao nomeamos um novo Cardeal. Este é o dilema em que nos encontramos, e agora saio dos pequenos modelos que usei e volto à discussão dos problemas reais. O sistema legal que temos, a Lei como criação de políticos legisladores, produziu coisas absurdas. Não temos cem anos de solidao à nossa frente para redescobrir as regras que devíamos ter mantido e desenvolvido; a 'crise' politica, financeira, ecológica, espiritual, está aí à vista de todos; não acredito no poder absoluto dos Cardeais, mesmo que não sejam da Igreja Católica; não é possível pôr sete biliões de pessoas em assembleia permanente; a catarse vai começar, e os bombeiros não sabem se hão-de pegar no tradicional machado (palavra aziaga neste blog) ou na máscara de Baco, o Deus do Vinho; a 'honra' e o 'sentimento cívico' não levam necessariamente a que tenhamos o mesmo comportamento e à ultrapassagem dos conflitos; os Avatares do nosso amigo Júlio tardam a manifestar-se, a Senhora de Fátima também. No fundo, a questão é que para construir um barco convém ter um estaleiro em terra firme, e nós estamos no alto mar.

Moral de toda esta história? Não usemos a lei como instrumento político da transformação que queremos que a sociedade tenha. Não desprezemos a 'auto-regulação' dos sistemas sociais como se fosse uma intrujice de Wall Street. Não sigamos ideias de 'transformação da sociedade segundo quatro ou cinco regras que escrevi aqui num papel'. Percebamos que já não há tempo para não fazer nada, e já não há tempo para fazer o que devia ter sido feito há muito. Que essa é a verdadeira crise. E não tenhamos medo, 'venha o que vier'. Mas a serenidade, num navio, quando ausente dos ventos, tem que residir no coração dos tripulantes. E mais do que isto não sei dizer.

12 comentários:

Ana Margarida Esteves disse...

Sim senhor, isto comeca finalmente a animar:-)!

Casimiro Ceivães disse...

Nada como uma ovelha negra para animar as hostes ;)

Ana Margarida Esteves disse...

As ovelhas negras sao preciosissimas quando sabem ser de forma civilizada, respeitosa e sem fanatismos.

Maria disse...

De facto, o legislador é o macaco no armário da louça! :

À primeira vista, a situação parece desesperada, porque o macaco entrou em delírio, e arrastou com ele a multidão que não pára de atirar pedras aos cacos que restam! (as "causas fracturantes" já só vêm fracturar os cacos que sobejam de fracturas anteriores):

"os nossos 'princípios' éticos são, já, um vasto vastíssimo (conjunto?) de regras que interiorizámos; tal como no famoso exemplo do andar de bicicleta, 'sabemos como fazer' (know-how) mas muito dificilmente poderíamos explicitar num manual de instruções 'o que' fazer (know-what): é por isso que se aprende a andar de bicicleta... andando"

a) queiramos ou não, a nossa civilização é cristã, o passeio de bicicleta já dura há 2000 anos, sendo os últimos 400 uma tentativa de fazer tábua-raza do caminho percorrido.

b) geraram-se na sociedade reflexos condicionados de agressão à sua "árvore genealógica" civilizacional: ter fé é coisa de pategos, ser cristão é trair uma qualquer remota tradição pagã (qualquer tradição é altamente louvável desde que não seja cristã e, sobretudo, desde que se oponha à tradição cristã!); ser católico é ser cúmplice de um malfeitor que vive em Roma, que quer amarrar o mundo a um passado negro (salvam-se os Boff's, os Borges e os frei Bentos, todos eles desertinhos por riscar também no desenho de um novo manual de instruções da bicicleta!).

c)uma boa imagem desta situação é dada pelos blogues, inundados de comentários do género dos da ariana lusitana; fico sempre admirada com a intensidade da paixão anti-católica, dada a pouca (aliás, nula) infuência que a Igreja tem sobre aqueles que não lhe aderem voluntáriamente.

d) se o papel do legislador não é fazer leis, mas sim descobri-las, isso implica uma verdade pré-existente - anátema!!! pronunciei uma palavra proibida! (nos tempos que correm, também sinto vocação para ovelha negra...)

e) num mundo em que a única verdade é que não há verdade, cada um tenta construir uma verdade que lhe convém, e ganha sempre a verdade dos que não têm escrúpulos - os escrúpulos são obstáculos a coisas tão agradáveis! mas mesmo que o legislador seja uma pessoa de bem, outra coisa não faz senão desenhar realidades que não existem e que vão esmagar aqueles que quer beneficiar!


"Percebamos que já não há tempo para não fazer nada, e já não há tempo para fazer o que devia ter sido feito há muito":


Não estou assim tão pessimista: a maior parte dos nossos contemporâneos rejeitou o caminho percorrido, mas a Igreja (no sentido de comunidade de todos os fiéis) mantém-se como guardiã do "know-how" e do "know-what", e tem resistido firmemente à sua destruição - face a exterior, contra os Neros, Napoleões e Pombais, no interior, contra os Boff's de todos os tempos. O número de resistentes não interessa - na arca de Noé havia lugar para uma família, não para uma Assembleia de deputados (Deus é Pai!:) ).

Tudo o que até aqui disse é independente do facto de eu ter fé. A minha fé leva-me a acrescentar: o tempo a Deus pertence...



"não acredito no poder absoluto dos Cardeais, mesmo que não sejam da Igreja Católica": se em vez disto dissesse "não acredito no poder absoluto dos cardeais, mesmo que sejam da Igreja Católica", eu diria que estávamos completamente de acordo, você, eu, e a Igreja.



(seria possível indicar aqui bibliografia de Friedrich Hayek?)

Eurico Ribeiro disse...

Bem isto esta a ficar animado. Como alias interessa e em minha opiniao nao ha vencedores nem vencidos. Na minha perspectiva aprendemos todos, ate com os erros.
Ainda nao tive tempo para ler com mais calma a treplica, ate porque e um pouco extensa.

Mas uma coisa quero deixar bem patente - as festas populares que proponho nao sao o "Super Bock Super Rock", que de catartico nada tem. Se estamos a falar de lusofonia e de tradiçao, importa referir que nao precisamos de inventar a roda! Nao precisamos e nao podemos, ja que nos falta o conhecimento (consciente pelo menos)acumulado de milhares de anos para nos pormos a inventar. Dou um exemplo: os teatros na antiga grecia, nao eram espectaculos como hoje estamos habituados, eram mesmo rituais participados por todos, em que o fim em vista era, revivendo o "role play" vezes sem conta este serviria de processso depurativo de um complexo a eliminar ou um trauma a ultrapassar. Este tipo de mecanica com a devida adaptaçao é que tem que ser, a meu ver restaurado desde a classe gestora ao individuo mais humilde da sociedade.
Nada tem que ser inventado, mas recuperado. Cada povo tem as suas tradiçoes proprias unificadoras e criadoras de valores como a fraternidade, a partilha e o amor. Por exemplo os "caretos" la em Tras-os-Montes, tem uma actividade essencial de apontarem de forma ludica os defeitos dos individuos daquela sociedade.
Estudem os pormenores das festas tradicionais do Espirito Santo nos Açores... sugiro que vao mesmo la nessa altura, para ficarem com uma noçao da força que tudo aquilo provoca. E nem sao necessarios nem Cardeais, nem Super Bock. é muitissimo superior.

Fico-me por agora agradecendo ao Casimiro, ao Renato e incentivando a outros comentadores a entrarem no debate activamente!

Casimiro Ceivães disse...

Maria,

Não percebi parte do que disse, ou melhor, não percebi que ligação tem com o assunto deste post. Este blogue está a ficar confuso.

'Descobrir' não quer dizer obviamente que haja uma 'verdade pré-existente'. Assim, por exemplo, as regras da gramática não implicam que haja num qualquer mundo ontologicamente 'eterno' uma língua perfeitamente estruturada. A língua evolui, e as regras gramaticais também. Depois, é preciso que haja quem 'descubra' que emergiu uma nova regra. O português começou por ser apenas um latim 'errado' (sem que se usassem 'correctamente' as declinações, por exemplo)

Também sou contra essa conversa das 'causas fracturantes'. Não há causas fracturantes, mas apenas situações de total injustiça a que é do mais elementar decoro pôr cobro.

Não percebi se defende o Portugal cristão em que dava jeito, para ter um emprego, não ser 'mouro, judeu, mulato ou de outra infecta nação'? Não deixa de ser uma proposta de solução para a crise, porque não faz um post sobre isso?

Quanto ao Hayek, suponho que o melhor livro para uma introdução ainda é a 'Constituição da Liberdade' de que há tradução brasileira.

Maria disse...

A verdade pré-existente a que me refiro reduz-se a um núcleo pequeno de coisas - vida, liberdade, propriedade privada, pouco mais (não percebo nada de direito, mas julgo que isto terá a ver com direito natural, a lei não escrita já referida na "Antígona" de Sófocles.. Tudo o resto será, sim, uma construção lenta, complexa, delicada, cheia de frágeis equilíbrios - uma renda tecida ao longo das gerações, e que me parece que vai pela ribanceira abaixo se se lhe retira o suporte do direito natural (talvez seja um bom exemplo o testamento que os romanos foram obrigados a fazer a favor de Calígula, que os ia matando à medida que ia precisando de "equilibrar o orçamento").

"Não há causas fracturantes, mas apenas situações de total injustiça a que é do mais elementar decoro pôr cobro" - tem razão - se já se podem matar as crianças, porque não matar também os velhos? (um debate ontem, na tvi24, informou-me que mais de 70% dos holandeses concorda com a lei da eutanásia que por lá vigora, e que mais de 60% tem medo que essa mesma lei lhes seja aplicada sem o seu consentimento - o que significa que muitos deles concorda com a lei que lhes permite matar os pais, mas tem medo que os filhos recorram a ela!).

Não me consta que o "ser mouro,judeu, mulato, ou outra infecta nação" impedisse o acesso ao emprego - impedia, ou fazia de conta que impedia, o acesso à nobreza (mais ou menos como agora o acesso aos melhores "tachos" da função pública são para militantes dos partidos). Consta-me, sim, que nesse Portugal havia um Juiz para minorias desprotegidas - o Juiz dos órfãos e viúvas era tambem juiz dos mouros e judeus...

Eurico Ribeiro disse...

O português começou por ser apenas um latim 'errado' (sem que se usassem 'correctamente' as declinações, por exemplo)????
Não posso estar mais em desacordo!
Agora é que você me surpreendeu!!
Vá dizer isso aos galegos ou aos trasmontanos! Conhece o Mirandês??
Não me vai dizer que ele vem do latim também!
Não se esqueça que o latim é, ou melhor foi uma língua virtual, que foi criada para unificar um império!
Os outros e que o diga Viriato, já diziam umas coisas! Agora que o português (língua com raizes indo-europeias)foi buscar regras extuturais ao latim, aí posso estar de acordo assim como incorporou vocábulos de muitos dos povos onde estivemos. E peço desculpa porque não sou linguista...

Casimiro Ceivães disse...

Caro Eurico Ribeiro: lamentavelmente, eu sou galego, minhoto, duriense e transmontano :)

Também não sendo linguista, deixe-me dizer-lhe o seguinte:

(1) O latim é uma língua indo-europeia, e nunca foi virtual nem foi criada para unificar um império; era a língua falada pelos latinos, povos do Lacio (região de Roma) muito antes de eles sonheram sequer com serem um povo importante e que se espalhou pelo Império Romano como hoje em dia se começa a espalhar o inglês, permitindo a povos de centenas de etnias diferentes comunicar entre si.

(2) Não sabemos nada sobre a língua falada por Viriato; provavelmente reconheceríamos nela algumas palavras que presumimos serem de origam celta (como 'duna', por exemplo, ou talvez 'bruxa', mas não mais do que isso).

(3) Mais do que a língua do Viriato, poderiam ter sido a fonte da nossa língua os dilectos germânicos falados por Suevos (Galiza e Minho) e Visigodos (que ocuparam as regiões do Sul de Portugal, excluindo essencialmente o Algarve, até à conquista do reino Suevo apenas uns 150 anos antes do colapso frente à invasão muçulmana;

(3) O Mirandês é uma língua muito próxima - por razões de isolamento ou de não-colonização pelo português erudito falado pelas classes dominantes/letradas desde o final da Idade Média, ao que seria a forma popular de linguagem usada em Leão (essa, por sua vez, submergida, lá, pelo 'castelhano' após a espanhola supremacia de Castela). Portanto, evidentemente, vem principalmente do latim também.

(4) Do latim, o português não importou 'substantivos' mas sim a propria estrutura básica da língua (por isso o francês, por exemplo, é tão proximo gramaticalmente do português, ao contrário do inglês ou do alemão, por exemplo). DE facto há poucas coisas que não sejam latinas a não ser substantivos, de entre os quais muitos nomes próprios (nomes de terras, rios e lugares, nomes de pessoas)

(5) De entre os anos 900 e 1200, antes de haver qualquer texto escrito em 'português', restaram-nos muitas centenas de documentos escritos em latim: principalmente escritos jurídicos, contratos de compra e venda por exemplo, que tiveram a sorte de ficar guardados em mosteiros que os conservaram. Sobreviverem esses e alguns (poucos) actos dos reis. Depois, sobreviveram também duas ou três crónicas feitas também mosteiros por monges eruditos.
Esses documentos são curiosíssimos, porque, sendo escritos em latim, começam a ser 'mal' escritos - o que faz com que um de nós que não saiba latim os comece a poder compreender muito melhor do que compreenderia um texto clássico dos tempos de Roma; é como se começássemos a encontrar palavras, verbos, construções de frases 'portuguesas'. Isto quer dizer que nessa época nem mesmo já os juristas que redigiram esses contratos falavam um latim igual ao de Cícero ou de César, o que é normal porque Roma já não existia há quatrocentos ou quinhentos anos.

(6) O galego é, quando falado, muito parecido com o português tal como se falava no Minho antes de haver televisão e, portanto, antes de haver uma invasão do sotaque lisboeta em todo o país; como língua escrita nunca existiu, até ao séc. XIX e à acção política dos nacionalistas galegos.

(7) Quando o galego foi passado a escrito, e porque não existiam ainda os complexos ortográficos que estão agora na base do famoso 'Acordo', os intelectuais galegos que inventaram essa escrita acharam normal escrever 'pobo', por exemplo, porque é 'pobo' (e não 'povo') que se diz na Galiza, no Minho e no Douro :)
Para além disso, tem o caso de palavras que cairam em desuso em Portugal e não na Galiza; curiosamente, o mesmo acontece no Brasil, onde se mantiveram algumas palavras que aqui são 'arcaicas' (por exemplo, 'botar') :)

Eurico Ribeiro disse...

Pelos motivos da evolução da língua não tem provas reais de que o Latim do Lácio fosse exactamente o Latim que conhecemos e que foi uma língua global (das elites é claro) depois do grego, já que a língua comercial era o Ugaritico (um pouco à escala do inglês).
Mais a civilização da península Itálica antes da unificação de Roma era a Etrusca, com uma cultura muito superior à dos seus invasores do Sul. Por isso é que mesmo conquistados pelas armas, eles os conquistaram pelas elites. O que quero dizer é que uma cultura mais avançada ou mesmo isolada, mesmo que adopte (ou seja obrigada a isso) a adoptar costumes e a língua dos estrangeiros, das duas uma, ou a corrompe através da sua ou a abandona porque lhe é virtual (ao nível do som, da articulação e da etimologia, associada que está ao complexo mental).
O latim foi uma grande influência mas não pode dizer que o Português derivou do Latim. Derivou de inúmeras "coisas" que foi apanhando. E continua a derivar (do inglês, já que o português é de raíz intuitiva e por isso necessita de alguns vocábulos concretos - ou básicos - do inglês, já que esta é uma língua de comando...), mas não poderão dizer daqui a 200 anos que se ainda existir ela deriva do Inglês. É muitíssimo redutor.
Não esquecer que tivemos colónias da grécia na península ibérica e que os romanos aprendiam grego...
Para mim, o Latim dos povos do Lácio (não o posterior), o grego antigo e as línguas nativas do nosso "torrão" derivam ambas da raíz indo-europeia. Falando com precisão não pode dizer que o português vem do latim!!!

Eurico Ribeiro disse...

"Embora a literatura romana sobrevivente seja composta quase inteiramente de obras em latim clássico, a língua falada no Império Romano do Ocidente era o latim vulgar, que diferia do primeiro em sua gramática, vocabulário e pronúncia."
Já para não falar da original do Lácio...
Ver Wikipedia.

Casimiro Ceivães disse...

Caro Eurico: como é evidente, os 'vocábulos' isolados derivam de montes de línguas. Pense nas centenas de nomes de animais e plantas tropicais, nomes de terras e de rios ("Mississipi", por exemplo) que provém das designações dadas por povos nativos. Na Europa, o curiosíssimo exemplo do inglês: 60% das palavras derivam do antigo francês, a língua da nobreza normanda que conquistou a Inglaterra em 1066; mas a estrutura da língua nada tem que ver com a nossa ou a francesa (por isso, por exemplo, a conjugação dos verbos ingleses é muito mais 'fácil')

Mas enfim, nada disto é essencial :)

Abraço