"Se considero com atenção a vida que os homens vivem, nada encontro nela que a diference da vida que vivem os animais. Uns e outros são lançados inconscientemente através das coisas e do mundo; uns e outros se entretêm com intervalos; uns e outros percorrem diariamente o mesmo percurso orgânico; uns e outros não pensam para além do que pensam, nem vivem para além do que vivem. O gato espoja-se ao sol e dorme ali. O homem espoja-se à vida, com todas as suas complexidades, e dorme ali. Nem um nem outro se liberta da lei fatal de ser como é. Nenhum tenta levantar o peso de ser. [...]
Estas considerações, que em mim são frequentes, levam-me a uma admiração súbita por aquela espécie de indivíduos que instintivamente repugno. Refiro-me aos místicos e aos ascetas - aos remotos de todos os Tibetes, aos Simões Estilitas de todas as colunas. Estes, ainda que no absurdo, tentam, de facto, negar a lei da vida, o espojar-se ao sol e o aguardar da morte sem pensar nela. [...]
Nós outros todos, que vivemos animais com mais ou menos complexidade, atravessamos o palco como figurantes que não falam, contentes da solenidade vaidosa do trajecto. Cães e homens, gatos e heróis, pulgas e génios, brincamos a existir, sem pensar nisso (que os melhores pensam só em pensar) sob o grande sossego das estrelas. Os outros - os místicos da má hora e do sacrifício - sentem ao menos, com o corpo e o quotidiano, a presença mágica do mistério. São libertos, porque negam o sol visível; são plenos, porque se esvaziaram do vácuo do mundo"
- Bernardo Soares, Livro do Desassossego, Lisboa, Assírio & Alvim, 1998, pp.178-179.
Usufrua de mais desassossegos em http://serpenteemplumada.blogspot.com
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
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17 comentários:
Pronto, e desta que vou ser declarada oficialmente indigna de partilhar este espaco com os "nietscheanos" de servico, mas isso pouco me importa e por isso arrisco a mesma:
Sera que o ascetismo extremo, o afastar-se completamente do mundo, tal como fazem os misticos Tibetanos, e a unicaforma de escapar as leis da Natureza, a animalidade que partilhamos com todos os outros bichos da Terra?
Nao sera a Compaixao, o Amor Incondicional, a Generosidade sem expectativas e a entrega ao Outro uma forma de tambem lhes escaparmos, contrariando assim a "ordem da bicada" e os instintos de auto-perservacao que dao impulso a toda a accao competitiva e predadora?
O "problema" do Pessoa é que disse tudo e o contrário de tudo. E, sobretudo, pouco ou nada foi o que disse... Quanto às diferenças e igualdades, é sempre possível valorizar mais uma outra perspectiva: eu, da mesma forma que valorizo as diferenças entre os humanos (tal como o Pessoa, aliás), também valorizo as diferenças entre os humanos e os animais...
Ana, não queiras aprender alguma coisa sobre a espiritualidade tibetana com o Pessoa, porque não é bom caminho... Por outro lado, afastar-se exteriormente do mundo pode ser uma forma de estar interiormente dele mais próximo e nele mais operativo, pois a acção espiritual não conhece obstáculos nem distâncias. Quando ao resto, ao falares de amor e compaixão referiste as duas primeiras meditações ilimitadas do budismo tibetano e ao falares de generosidade referiste a primeira das seis paramitas, ou virtudes transcendentes, da mesma tradição.
Quanto ao ascetismo, tibetano ou outro, nunca me atraíu. Gosto demasiado do mundo e, apesar de tudo, da humanidade...
O que está aqui em causa não é o que o Pessoa disse, ou se disse o contrário noutro lugar, mas a força de um argumento que não vejo refutado por uma simples opinião contrária, que assim permanece apenas isso: opinião, sem outro fundamento senão o capricho subjectivo. Quanto ao Pessoa não ter sido o que disse, quem é que o pode avaliar, sobretudo quando estamos perante alguém que pretendeu ser nada e tudo ao mesmo tempo?...
E quem nos diz que o ascetismo não é o treino para amar o mundo, tal como ele é, não como as nossas percepções subjectivas o desfiguram? Há muitos preconceitos e ignorância sobre o ascetismo e a espiritualidade, originados precisamente por um místico inconsciente de o ser: Friedrich Nietzsche.
Um "capricho subjectivo", defender que há diferenças qualitativas entre humanos e animais?! Grande parte da história da Filosofia Ocidental, desde, pelo menos, Platão e Aristóteles, o defendeu, como bem sabes... Mas reconheço-te o direito de teres uma perspectiva diversa. Sem dramatismos...
É capricho subjectivo tudo o que se afirma sem fundamentação e argumentação sólida: eu ainda não vi quais são os fundamentos da tua perspectiva, que assim não passa de opinião infundada. Quanto à filosofia ocidental, é claro que nela predomina o antropocentrismo que reduziu o mundo ao estado de moribundo. Mesmo assim, aconselho uma leitura aprofundada de Platão e da noção de psyché, alma, que não é humana ou animal, mas que assume formas humanas ou animais, o que mostra que no animal e no homem há algo de comum, precisamente o que não é animal nem humano.
Ok, depois escrevo um tratado. Mas começarei por Aristóteles...
Pois é, estas coisas não se resolvem com bocas em blogs, requerem mesmo tratados. Já agora, explica no teu porque é que em Aristóteles o que há de mais humano no homem não seja humano e sim divino, o que parece retirar ao homem a suposta especificidade do intelecto.
Contra mestres não há argumentos?
Não creio tanto mal em caprichos subjectivos; vejo beleza na espiritualidade tibetana; gosto demasiado da humanidade, por isso a critico tanto!
Isto está animado, mesmo que não veja caprichos subjectivos em lado nenhum, mas sim opiniões fundamentadas na própria opinião, que é a origem do conhecimento que nasce.
Volto à questão dos mestres... e do respeito pelo trabalho dos que ainda não o são.
Bom princípio: os humanos participam do intelecto divino; os animais não...
Olha que nem por aí te safas, pois esqueces a espinhosa questão do "intelecto activo" do "De Anima", interpretado por Averróis e por muitos outros como um intelecto universal, cósmico...
Levarei isso em conta, sem escamotear as diferenças. O segredo, como sempre, está na hierarquização de planos...
Exactamente. Digo já quais são os critérios que pratico, não especistas.
Os seres são tanto mais "superiores", ou seja, perfeitos, 1) quanto menos se considerarem superiores, 2) quanto mais conhecerem a realidade sem limites psico-fisiológicos e 3) quanto mais amarem universal e incondicionalmente todos os seres vivos e sensíveis, pondo-se ao seu serviço para os beneficiarem e elevarem até à maior perfeição possível.
Se isto coloca à partida os homens em melhores condições para acederem à única "superioridade" absoluta, a da perfeição, pois têm maior potencial para isso, não lhes garante a sua actualização e, mais, responsabiliza-os mais por ela. Para que possam actualizar esse maior potencial é necessário o esforço ético-espiritual de aperfeiçoamento e auto-superação, o tal ascetismo de que não gostas. Sem ele, ser humano torna-se inferior a ser animal e conduz a sê-lo efectivamente, como também pensava Platão. Pois não pensemos que temos por garantidas, para sempre, as precárias formas exteriores, de carne e osso, que hoje nos revestem. Como tudo o mais, também elas são produzidas pela qualidade e virtude, ou não, das nossas acções e omissões, físicas, verbais e mentais, por ordem crescente de importância...
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