A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

"É Natal, ninguém leva a mal!" - I



Intitulado com um dito de um mascarado de Trás-os-Montes inicio aqui a publicação da parte final de um estudo já editado, em homenagem ao espírito arcaico, esquecido e encoberto desta época natalícia, o da Folia caósmica e metamórfica, hoje transformado no da folia consumista, festiva e desvairada emergência ainda da Festa da liberdade primordial e da saudade de tudo-nada ser.
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É a mais que divina transgressão do divino, a trans-religiosa transgressão do religioso, a transcendência do transcendente, que encontramos, já não no contexto da cultura erudita, mas no da cultura popular, na arcaica tradição ritual e festiva que desponta, em pleno seio do medievo cristão e nas camadas mais baixas do clero, nas Festas dos Loucos, do Burro e dos Inocentes. Parecem constituir-se estas como novas formas das arcaicas e cíclicas festas de renovação e fecundação cósmica, por recriação do Caos primordial ou da originária Idade de Ouro, nos períodos de fim e início do Ano, nesse intervalo de doze dias, por vezes prolongados, que se crê não terem lugar no calendário temporal. Neles se suspende a ordem cósmica, reemergindo a liberdade primordial, anterior à constituição do universo das determinações, com a aparente solidez das diferenciações e formas ônticas, instituídas, funcionalizadas e hierarquizadas em supostos lugares naturais, e com a lei que estabelece as suas medidas e relações no plano cósmico e social. Tais festividades consistem assim na vivência do “sagrado de transgressão” que, neste período, se substitui à do “sagrado de respeito”, violando os interditos e as regras que normalmente asseguram a conservação da ordem do mundo e das mentes, mas que agora importa ultrapassar e destituir para que a realidade se recrie na a-cósmica liberdade do Infinito primordial. É que a diferenciação, determinação e fixação dos entes em seus limites implica uma privação, quer da primordial liberdade da ausência de forma, quer da plasticidade e imprevisibilidade das metamorfoses criadoras, transitando-se do tudo ser simultaneamente possível para o confinamento das possibilidades à sua actualização apenas parcial, exclusiva e sucessiva, com o inevitável sacrifício e aprisionamento do excesso de energia vital na ordem de um mundo de formas que, também inevitavelmente, acabam por temporalmente se desgastar e sucumbir no processo da sua cristalização e erosão recíproca, na imanente tensão em que se inter-dissolvem reintegrando-se no infinito primordial, como o sugere o conhecido fragmento de Anaximandro. Nas festas a que nos referimos emerge então a sacralidade da subversão e inversão de todas as formas supostamente normais de ser, pensar e agir, traduzida na religiosa vivência do riso, da paródia, da blasfémia, do sacrilégio, da desmesura e do intercâmbio, metamorfose, fusão e indistinção das formas, por via do mascaramento, do travestimento, do jogo, da fantasia, da licença e do excesso sexual e alimentar, da inversão e suspensão das funções sociais, num paroxismo orgiástico que faz da loucura a regra num autêntico e carnavalesco mundo às avessas.
Celebrações como a dos Loucos, do Burro ou dos Inocentes, moldando a exaltação evangélica da divina loucura de um Deus e de um Reino às avessas da normalidade mundana à continuidade da tradição pagã das celebrações do solstício de Inverno, das Crónia gregas, das Saturnalia romanas e das Calendas de Janeiro, entre outras, fazem do período que se estende da segunda metade de Dezembro até à Epifania, a 6 de Janeiro, “um contínuo carnaval”, tradicionalmente designado como a “libertas Decembrica” e vivido num singular misto de elementos pagãos e cristãos. “Mascarada” que, como diz Jean-Paul, “sem nenhuma intenção impura, interverte o temporal e o espiritual e transtorna a ordem social e os costumes, na grande igualdade e liberdade da alegria”. Vejamos as mais significativas características e simbolismo desses festejos cuja descrição se imortalizou literariamente nalgumas páginas célebres de Victor Hugo e, mais recentemente, no cinema, com o Corcunda de Notre-Dame, da Walt Disney.

- "Da Loucura da Cruz à Festa dos Loucos. Loucura, sabedoria e santidade no cristianismo", in Paulo Borges, Do Finistérreo Pensar, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001, pp.148-151 (as notas de rodapé foram suprimidas).

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