Tenho sete mil razões para duvidar de ti ó Portugal de meia dúzia de grandes.
A tua gente quase não sente a brisa que era dantes. O cavaquinho e a braguesa não soam pelas ruas, a peixeira tirou um curso mas não lhe valeu de nada. O operário leva para casa o zumbido das máquinas e é com a batida ensurdecedora que compõe o pé direito do sonho.
Portugal, eu venho aqui falar das cidades abandonadas, dos castelos comidos pelo tempo, a tua poesia já não é cantiga de amigo nem embala o menino que um dia dormiu nas palhas. Cuida do teu povo, da tua gente que te fez valente há quinhentos anos atrás, dá-lhes o teu melhor, o fado e as tasquinhas, a liberdade de ser, a conjugação plena do verbo existir, a valentia das tuas caravelas.
Tenho sete mil razões para estar de mal contigo, sete mil palmos de chão que cairam nas mãos dos bancários e dos empreiteiros, e tu não dizes nada?! Ficas aí na varanda do silêncio a fumar o teu cigarro, a dar palha ao abismo.
Que vai ser das tuas crianças que nasceram ontem numa barraca de hospital?, numa estrada esburacada, entre uma aldeia e uma cidade, com um carimbo no peito a dizer: deixa lá não penses nisso!
Olha como o peixe vem triste para a mesa!, vê a felicidade com rituais macabros, olha o polícia todo contente em passar multas à gente. O teu vestido já toca o chão, encolheste, é preciso nascer ouriço para te compreender. Foste dono do mundo, compraste pimenta e sal, pariste Camões e Vasco da Gama, descobriste mares sem ponta de medo, olha para ti e vê como mudaste, a tua figura assemelha-se à tristeza de um sino quando dá inicio à procissão.
Que é feito do teu malhão que nos convidava para a festa? Que é feito da tua coragem de ir e vencer? Ó Portugal das vitórias e dos hinos das multidões!, a tua sopa aziomou e o melhor de ti ofereces ao idiota?! O teu futuro, o nosso riso, está nas mãos do leiloeiro, queres que te conte mais? O teu ofício é semear diferenças, a tua energia é um número extenso no papel, a tua carne é como o futuro: é para quem dá mais.
Encerras escolas e inauguras centros comerciais, lês o que as estrelas têm para dizer mas não escutas ninguém. Que será de nós quando crescermos? Quando tudo for pelos ares e não restar uma biblioteca para defender a tua história? Tenho sete mil razões para te pôr contra o vento, sete toneladas de corações para fazer a empreitada de uma nova vida, sete caminhos que vão dar a um, sete ideologias que terminam em Bem.
O teu sistema imunitário falhou, já não provocas riso, os teus rios levam mágoas, as tuas aldeias: só nos postais; as ribeirinhas quem deram que fossem outra vez, o teu perfume de maresia nem com frasco de remédio é de novo.
Agora sonhas é com craques da bola, ó isso sim, com estilistas que te baixam as calças, com cantores que levam a literatura ao suicídio. Nem com chuva de nove meses isto irá mudar se acaso não visitares todos os lares, se não converteres cimento em alegria, se não casares todas as tuas filhas com os filhos do sol.
Para mim és peça de barro numa estante que se Terra abana mais um pouco cais ao chão, e se calhas de mostrar o rabo... O teu sabor amargo reconheço em Espanha ou em Istambul, o fato solene não convence ninguém, ó meu Portugal dos noventa e tais por cento pequeninhos!
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1 comentário:
E os santos da casa?
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