Eu era de facto tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas, mas julgava que eram consubstanciais ao universo, que eram a respiração das coisas, o nome deste mundo dito por ele próprio.
Pensava também que se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em si.
No fundo, toda a minha vida tentei escrever esse poema imanente. E aqueles momentos de silêncio no fundo do jardim ensinaram-me, muito tempo mais tarde, que não há poesia em silêncio, sem que se tenha criado o vazio e a despersonalização.
Um dia em Epidauro – aproveitando o sossego deixado pelo horário de almoço dos turistas - coloquei-me no centro do teatro e disse em voz alta o princípio de um poema. E ouvi, no instante seguinte, lá no alto, a minha própria palavra, desligada de mim.
Tempos depois escrevi estes três versos:
A voz sobe os últimos degraus
Oiço a palavra alada impessoal
Que reconheço por não ser já minha."
Sophia de Mello Breyner Andresen, Ilhas
(Foto da Campanha Nacional da Voz - Brasil)
8 comentários:
"Escreve numa sala grande e quase
Vazia
Não precisa de livro nem de arquivos
A sua arte é filha da memória
Diz o que viu
E o sol do que olhou para sempre o aclara"
Sophia de Mello Breyner Andresen, Ilhas
É significativo que, para isto fazer sentido - e como faz! - , se tenha de ter tirado a palavra "Portugal" da expressão de Agostinho da Silva usada como título deste post... Assim se desnacionaliza uma experiência fundamental que é património de toda a humanidade e que só indivíduos, não nações, podem ter e fruir.
Sim, acho que o entendo... Portugal aqui, ou aquilo a que nos habituámos a nomear como Portugal, terá de ser como um/a Mãe/Pai... mesmo que neles esteja a raiz do filho, que é a humanidade, com a sua história, cultura (...), terá de se recolocar no seu lugar, que é estar -Ser- para lá disso tudo... e assim dar lugar e tempo ao que lhe é intrínseco, ao infinito inonimável que é.
Será? :)
23 de Outubro de 2008 11:49
Anita Silva disse...
Fez-me lembrar agora isto - principalmente o verso assinalado:
"Inconscientemente me divido
Entre mim e a missão que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me o desdém
Por este humano povo entre quem lido...
Não sei se existe o Rei que me mandou.
MINHA MISSÃO SERÁ EU A ESQUECER,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou..."
F. Pessoa
23 de Outubro de 2008 11:58
Anita Silva disse...
Em realidade "só" há pessoas.
Portugal é... o mito.
E no entanto, as pessoas têm passado e é Portugal que continua... Se é mais importante um que outro? O que é um sem o outro?
É como se fora: as pessoas são as folhas da Árvore, o Sol é Portugal...
(Através, inevitavelmente, da Língua Portuguesa)
A minha resposta está no blogue Serpente Emplumada.
E concerteza a minha visão não pode ser tão distinta da sua - sendo a realidade apenas uma... resta encontrarmos um significado comum para o que é: existir, ou melhor então, existir como entidade substancial.
23 de Outubro de 2008 13:52
Anita Silva disse...
Só há pouco tempo descobri esse significado do termo "existir"... existir como entidade substancial é então uma plena contradição, ao implicar que a posição do ser seja simultaneamente "fora" e "dentro"... Nesse sentido pleno concordo que nada exista (ou que só o nada...), no outro, se houver possibilidade de se ser mais rigoroso, trocando-se a palavra "ser" ("a partir de" ou "fora de") por "estar"... já me parece atribuível à realidade actual.
Tal como - regressando à mesma ideia:
o bebé que está no ventre materno, existe? Vive "a partir de"... Como defini-lo em distinção ao viver da Mãe?
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