A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra).
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa).
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286.
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quinta-feira, 9 de outubro de 2008
Presságio
Venho de Elêusis a inefável
onde o arco de Hélios
Me revelou em sonho o rosto de Perséfone
No relastérion
Essa presença esquiva espero agora
Sem cessar sou jovem
A beleza persigo na terra com ardor
Das coisas feitas apenas sei
O que a um deus
Presságio algum proibe
Das coisas ditas o que a ouro debruam
As paisagens
Enquanto Perséfone escrutina
O trevo e a morte
|Vergílio Alberto Vieira
Espera
Existo acento de palavra, carapinha
recordação áspera de monandengue,
mapa de conversas na visitação da lua,
grávida luena sentada no verso da fome.
aqui esqueço África, permaneço
rente ao tiroteio dialecto das mulheres
negras, pasmadas na superfície do medo
que bate oblíquo no quimbo quebrado.
num gabinete da Europa, dois geógrafos
vão assinalar a estranha posição
dum poeta cruzado na esperança morosa
das palavras africanas aguardarem acento.
|David Mestre
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Duas formas de escapar à alienação do viver suspenso das aberrações do delírio logocêntrico: o salto na noite interior, abismo dissolutivo e resolutivo, onde se encontram as possibilidades de dilaceração do dito e do visto, na palpação do imo inapreensível no que se mostra e esconde na impossível fenomenologia da consciência judicativa e decisora, embrenhada na disforia do viver quotidiano; e a entrega à errância da fala orgiástica, a erupção do Vesúvio do Mythos, a patência do viver proferido e tornado visível aos olhos do desejo excessivo e da inquietação transcensora.
Desta forma um viver ilíaco, encerrado entre litorais e montanhas inacessíveis, descerra o seu casulo de medo e torpor e desfaz-se na possibilidade da viagem sem fim, no nomadismo espiritual, assumido como pensamento do todo em tudo, abertura inclusiva e unitiva, com um ritmo sistólico e diastólico, contacto com coração da realidade, respiração, Pneuma, inapreensível e irresistível, quando acedido na autenticidade do escutar, do dizer e do agir.
Esquece-se quase sempre que só é possível um nomadismo autêntico em resposta, ou como reacção ao sedentariasmo. Quando os cosmos se torna estável e abarcável com as mesmas ferramentas espirituais que permitem construir a casa e planear um habitar na permanência, expulsando o caos e a escuridão profunda do centro matricial do viver, instalando a apropriação do mundo na acomodação e na mesmidade niveladora, há homens que sentem o apelo do apeiron e se entregam à arqueologia do impossível. São os que partem. E só há partida porque há laços com uma concretude partilhada num espaço circunscrito.
São os que se deixam arrebatar pela sede do belo que enlouquece os deuses e diviniza os humanos. Os loucos de Amor, os loucos de Deus, os Poetas, proscritos da Revelação e do espaço sagrado onde a transgressão se torna possível e punível.
São esses que se tornam veículo das energias míticas e tornam o mundo verdadeiramente, dolorosamente, paradoxal, topos de exílio, de desvio, de nostálgica procura dum além-horizonte que possa ser um porto de regresso a um antes da queda no estável e no definitivo viver na planura. É a busca de um regresso a um paraíso que nenhuma divindade devassasse, que nenhum interdito resguardasse, de que nenhuma verdade escondesse a sua atopia radical.
Nessa impossibilitação do Logos ensimesmado, nesse mergulho no insondável, no esgar anterior à apropriação ontológica do que é, no caos, no abismo da suspensão do julgar e do decidir, resiste o que não reside num aqui e num agora mensuráveis e apropriáveis pela manipulação técnica do mundo.
E é nesta clareira, inapropriável, que se torna visível a contradição inapelável, a traição intraduzível, a infância inultrapassável do haver nascimento e morte e um tempo mesurável entre dois marcos absurdos, fechados em concha sobre a fosforescência do ser e da verdade, na sua humana patência.
Ao abeirar-se dessa fronteira absurda, desse rebordo matemático que circunscreve o que chamamos realidade, a mente transcensora transborda-se, transtornada, entorna-se, confunde-se com o abismo e advém. Torna-se futurante e traz no seu bojo marulhante os sons auspicies que tornarão as palavras fontes de diacosmese. As palavras seminais, forjadas sem a mácula do determinado e do calculável.
“Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.”
Camões, Lusíadas.
Só a eudemonia da plenitude do vivo, nunca cerceamente vivenciável, a patência da inabsorvência do excesso, sob a forma de uma das perdições de Eros, pode fazer estalar a redoma em que o Ocidente se encerrou e se fechou ao outro de si, à sua absolutiva dissolução na maledicência dos outros dizeres de que se faz a humana excessividade.
Essa a via mais nobre da lusofonia.
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4 comentários:
Oh Paulo Feitais, mais uma vez: discordo absolutamente da última frase. Essa não é via de lusofonia, pelo contrário: toda a via da lusofonia se há-de fazer em oposição a isso.
Essa é via aberta aos homens: a mim e a si. Aberta a cada português e timorense e galego e brasileiro e também aos esquimós e aos chilenos e aos tibetanos: então os tibetanos teriam de aprender português? E os Russos que ao longo dos séculos foram Loucos de Deus em caracteres cirílicos? Para que lhes faltou a lusofonia?
Deus (ou a forma qualquer de Absoluto que o substitua) e o suicidio estão felizmente ao alcance de qualquer homem, e é esse o sentido oculto da sua dignidade. Não precisamos de aprender línguas nem textos sagrados nem, como dizia o Pessoa, respiração por narinas alternadas. Como não precisamos de licença de porte de armas.
Poderá dizer-se que em certos casos é necessária a Eutanasia, ou o equivalente a ela: que aqui seria, metaforicamente, o "empurrar para Deus/Absoluto" aquele que não sabe (ou não quer?) mover-se sozinho. E nesse sentido, o sentido de uma acção (ou inacção?) colectiva. E nesse sentido, a "Via lusófona" para a inefável Perséfone.
O que eu penso disso (não digo que o Paulo o pense, não consigo decifrar bem) é que nenhum acto me é tão contrário como esse - o da "eutanasia" (poder-se-á dizer "teo-tanásia"?. Dito de outra forma mais moderna: nenhum acto me suscita tanta reprovação ética como esse. Talvez um dia eu me suicide e talvez um dia eu me torne num louco de um deus maior. Mas não me digam "vem por aí" e não empurrem os meus passos perdidos. Esse é limite, o fundamento de qualquer Ética, porque sem esse não há ética alguma.
Diferente, tão diferente, o dizer "Olha: eu vou por ali". Gesto e acto de irmão, plenitude.
Mais duas coisas:
a primeira: que versos lindissimos os "venho de Eleusis..."! Obrigado, não os conhecia e são um assombro.
a segunda: contra essas "perdições do Eros" nos avisou discretamente o Camões que cita (obviamente fora do contexto). Avisou-nos quando nos contou a acção de Eros e dos seus "muchachos" na preparação da "expedição contra o mundo rebelde" em que Vénus os vai encontrar - curiosamente em Chipre, terra do cobre e da cobra :) -:
"Destes tiros assim desordenados,
Que estes moços mal destros vão tirando,
Nascem amores mil desconcertados
Entre o povo ferido miserando"
(Lusíadas, IX.34)
É que a renovação ou o concerto do mundo apenas virá depois: depois da voluntária e filial sujeição de Eros a Vénus, e principalmente depois do encontro entre as ninfas "feridas de amor" e os marinheiros do Gama - que precisamente, note, não são alvo de seta nenhuma! Daí sim, nascerá a "progénie forte e bela" (estância 42).
(este Canto esconde outros enigmas, a que hei-de voltar...)
Dito isto, gosto imenso sempre de o ler.
Cordial abraço
É. Gostei da réplica.
Mas a lusofonia é pluri-linguística. Babélica, talvez.
Abraço!
"postos estão frente a frente / os dois valorosos campos" :)
Abraço, meu caro
PS. Babel foi do Primeiro Império, o da Assíria e de Nemrod; e já vamos a caminho do Quinto.
Nem eu consigo ser tão reaccionário ;)
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