(Quadro: Malangatana, "O juízo final", 1961, óleo sobre tela, 92 x 122 cm ).
“Aquele que toma a filosofia como fim não sabe o que é a filosofia”.
|José Marinho, Aforismos sobre o que mais importa.
O sol nasce a oriente
(de um quadro de Malangatana)
Povo, de ti canto o movimento
teu nome, canção feita de fronteiras
lua nova, javite ou lança
tua hora, quissange em trança
Do longo longe do tempo
arde minha flecha, meu lamento
minha bandeira de outro vento
aurora urdida nos lábios de Zumbi
De ti guardo o gesto
as conversas leves das árvores
a fala sábia das aves
o dialecto novo do silêncio
e as pedras, as palavras do medo
os olhos falantes da mata
quando a onça posta a sua arte
nos fita, guardada em sua mágoa.
De ti amo a denúncia felina
das tuas mãos quebradas ao presente
a dança prometida do sol
nascer um dia a Oriente
|David Mestre
(de um quadro de Malangatana)
Povo, de ti canto o movimento
teu nome, canção feita de fronteiras
lua nova, javite ou lança
tua hora, quissange em trança
Do longo longe do tempo
arde minha flecha, meu lamento
minha bandeira de outro vento
aurora urdida nos lábios de Zumbi
De ti guardo o gesto
as conversas leves das árvores
a fala sábia das aves
o dialecto novo do silêncio
e as pedras, as palavras do medo
os olhos falantes da mata
quando a onça posta a sua arte
nos fita, guardada em sua mágoa.
De ti amo a denúncia felina
das tuas mãos quebradas ao presente
a dança prometida do sol
nascer um dia a Oriente
|David Mestre
“Aquele que toma a filosofia como fim não sabe o que é a filosofia”.
|José Marinho, Aforismos sobre o que mais importa.
“Isto vem também ao propósito da deficiência que em Portugal revelam para os problemas sociais, para a concreta e efectiva fraternidade humana, quase todos aqueles cuja arte vive da abstracta, ineficaz e longínqua afirmação dessa fraternidade.
São os amantes da Perfeição e, por isso mesmo se julgam dispensados da acção imperfeita, dolorosa e sempre incompleta.
Deixá-los no marfim da sua torre; mas, por Deus, não venham zombar dos que, tendo marfim para a torre, preferem acudir na rua ao primeiro que lhes peça auxílio, em vez da passiva espera até que as altas concepções do seu espírito cheguem pelo pendor da degradação até ao seu aproveitamento prático.”
|Leonardo Coimbra, “A degradação dos ideais”.
São os amantes da Perfeição e, por isso mesmo se julgam dispensados da acção imperfeita, dolorosa e sempre incompleta.
Deixá-los no marfim da sua torre; mas, por Deus, não venham zombar dos que, tendo marfim para a torre, preferem acudir na rua ao primeiro que lhes peça auxílio, em vez da passiva espera até que as altas concepções do seu espírito cheguem pelo pendor da degradação até ao seu aproveitamento prático.”
|Leonardo Coimbra, “A degradação dos ideais”.
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Um problema importante, mesmo vital nos dias que correm, é o problema da orientação espiritual. A partir de que Oriente nos orientamos? E de que Ocidente nos desorientamos?
Um problema vasto, principalmente se atendermos à vastidão do que nos aparece hoje como o espaço, geográfico e cultural, da Lusofonia. Um espaço que compreende no seu entorno caótico, englobante, multi-oceânico, pluricontinental, divergente em termos míticos e cosmológicos, praticamente todos os Ocidentes e todos os Orientes, fácticos, culturais, impossíveis, secretos, ignotos, que foram visados, ou denegados, pelas culturas humanas espraiadas pelo globo.
Falar de Oriente e de Ocidente dentro do vasto espaço sapiensial que se abre às falas da luz, tantas e tão várias, é uma tarefa ciclópia.
É, pois, necessário colocar, como reflexão prévia, o problema da orientação.
Em primeiro lugar, que Oriente?
O reverso do espelho imaginário que o mundo higienizado da intelectualidade letrada da Europa projectou como o seu outro diabólico, irreconciliável com o seu espírito de missão e com a moderna suficiência epistémica da Razão ensimesmada e calculadora? O outro cuja demografia aparece, por exemplo, aos olhos de homens como Oliveira Martins, como uma demologia política? Não deveria estar essa visão enterrada nos arrabaldes da História, entre os escombros do século XIX Europeu?
E quem pode considerar, hoje, que a Filosofia é auto-suficiente? Como se pode assumir a Filosofia a partir dum encastelamento numa torre de marfim metafísica? Precisamente hoje que o comércio de presas de elefante está banido e o abate dos paquidermes é crime?
Não é bem visível que a metafísica tem efeitos na realidade “concreta”, em muitos aspectos erigida, e edificada, a partir dos filosofemas simbolicamente mais determinantes?
O problema do esgotamento pneumatológico da metafísica ocidental não está inscrito apenas nas aporias que assomam nas obras filosóficas, mas no próprio viver humano, individual e colectivamente considerado. O nosso mundo apresenta-se como uma dramaturgia das ideias filosóficas (e científicas, e literárias, etc.), é, em larga medida, a encenação de dramas “rituais” que a consciência humana foi recriando na Filosofia, na Literatura, nas Artes, nas Ciências...
Aquilo a que chamamos História alimenta-se das energias míticas, activadas e canalizadas pelos símbolos, desde as camadas mais magmáticas do inconsciente colectivo, até às manifestações mais superficiais da consciência individual.
Falar em História Universal é um paradoxo epistemicamente insustentável. Mesmo o Ocidente, aquilo a que chamamos Ocidente, é uma ideia polimorfa, protaica, com um referente que, ao ser visado interrogativamente, auto-poieticamente se reinstaura como referente ubíquo e nevrálgico, centro duma nevrose que acentua a alienação academizante de muita intelectualidade laboriosa, encerrada na teia dum conceptualismo efervescente que faz lembrar aquelas cápsulas de vitamina c que convulsionam a água dentro dum copo, gerando a ilusão de que todo o universo é borbulhante. Até pode sê-lo, atendendo à poética dos aceleradores de partículas, mas não caberá esta cósmica efusão dentro dum copo. Pelo menos se não reconstruirmos semanticamente a ideia de copo, quase como aconteceu na Física com o termo, originariamente poético e boémio, “quark”.
Há, pois, múltiplas Histórias, divergentes e superabundantes, dentro do que gostámos de enclausurar sob a etiqueta de História Universal. Tanto nas temporalidades ditas ocidentais, como nas orientais.
E isto é que poderá ser historicamente decisivo num movimento espiritual que aprofunde a Lusofonia: o poder achar-se neste espaço de encontro e de desencontro de histórias pluriversais, focos de não repetição sapiencial ou experiencial, ilhas de sentidos outros, capazes de revolucionar as coordenadas civilizacionais, por uma radical mudança de perspectiva por parte dos novos aventureiros do Espírito, chamemos-lhes assim.
Em vez de repisarmos as uvas para ao vinho substituirmos uma água-pé, mais rápida na maturação, mas sempre frugal e efémera, talvez outras uvas haja, neste complexo civilizacional onde nos situamos, carentes, talvez, de orientação, que sejam capazes de resistir à actual filoxera da judiciosa imposição de rumos a uma Humanidade farta de rumar em direcção a um futuro almejado como a repetição e a reencenação de velhos dramas, peças de teatro ambulante, de feira.
Uma feira de vaidades, uma perda de tempo e um sorvedouro de vidas, se olharmos ao que pode o Homem fruir se conseguir, de facto, viver neste mundo.
(Continua...)
Um problema vasto, principalmente se atendermos à vastidão do que nos aparece hoje como o espaço, geográfico e cultural, da Lusofonia. Um espaço que compreende no seu entorno caótico, englobante, multi-oceânico, pluricontinental, divergente em termos míticos e cosmológicos, praticamente todos os Ocidentes e todos os Orientes, fácticos, culturais, impossíveis, secretos, ignotos, que foram visados, ou denegados, pelas culturas humanas espraiadas pelo globo.
Falar de Oriente e de Ocidente dentro do vasto espaço sapiensial que se abre às falas da luz, tantas e tão várias, é uma tarefa ciclópia.
É, pois, necessário colocar, como reflexão prévia, o problema da orientação.
Em primeiro lugar, que Oriente?
O reverso do espelho imaginário que o mundo higienizado da intelectualidade letrada da Europa projectou como o seu outro diabólico, irreconciliável com o seu espírito de missão e com a moderna suficiência epistémica da Razão ensimesmada e calculadora? O outro cuja demografia aparece, por exemplo, aos olhos de homens como Oliveira Martins, como uma demologia política? Não deveria estar essa visão enterrada nos arrabaldes da História, entre os escombros do século XIX Europeu?
E quem pode considerar, hoje, que a Filosofia é auto-suficiente? Como se pode assumir a Filosofia a partir dum encastelamento numa torre de marfim metafísica? Precisamente hoje que o comércio de presas de elefante está banido e o abate dos paquidermes é crime?
Não é bem visível que a metafísica tem efeitos na realidade “concreta”, em muitos aspectos erigida, e edificada, a partir dos filosofemas simbolicamente mais determinantes?
O problema do esgotamento pneumatológico da metafísica ocidental não está inscrito apenas nas aporias que assomam nas obras filosóficas, mas no próprio viver humano, individual e colectivamente considerado. O nosso mundo apresenta-se como uma dramaturgia das ideias filosóficas (e científicas, e literárias, etc.), é, em larga medida, a encenação de dramas “rituais” que a consciência humana foi recriando na Filosofia, na Literatura, nas Artes, nas Ciências...
Aquilo a que chamamos História alimenta-se das energias míticas, activadas e canalizadas pelos símbolos, desde as camadas mais magmáticas do inconsciente colectivo, até às manifestações mais superficiais da consciência individual.
Falar em História Universal é um paradoxo epistemicamente insustentável. Mesmo o Ocidente, aquilo a que chamamos Ocidente, é uma ideia polimorfa, protaica, com um referente que, ao ser visado interrogativamente, auto-poieticamente se reinstaura como referente ubíquo e nevrálgico, centro duma nevrose que acentua a alienação academizante de muita intelectualidade laboriosa, encerrada na teia dum conceptualismo efervescente que faz lembrar aquelas cápsulas de vitamina c que convulsionam a água dentro dum copo, gerando a ilusão de que todo o universo é borbulhante. Até pode sê-lo, atendendo à poética dos aceleradores de partículas, mas não caberá esta cósmica efusão dentro dum copo. Pelo menos se não reconstruirmos semanticamente a ideia de copo, quase como aconteceu na Física com o termo, originariamente poético e boémio, “quark”.
Há, pois, múltiplas Histórias, divergentes e superabundantes, dentro do que gostámos de enclausurar sob a etiqueta de História Universal. Tanto nas temporalidades ditas ocidentais, como nas orientais.
E isto é que poderá ser historicamente decisivo num movimento espiritual que aprofunde a Lusofonia: o poder achar-se neste espaço de encontro e de desencontro de histórias pluriversais, focos de não repetição sapiencial ou experiencial, ilhas de sentidos outros, capazes de revolucionar as coordenadas civilizacionais, por uma radical mudança de perspectiva por parte dos novos aventureiros do Espírito, chamemos-lhes assim.
Em vez de repisarmos as uvas para ao vinho substituirmos uma água-pé, mais rápida na maturação, mas sempre frugal e efémera, talvez outras uvas haja, neste complexo civilizacional onde nos situamos, carentes, talvez, de orientação, que sejam capazes de resistir à actual filoxera da judiciosa imposição de rumos a uma Humanidade farta de rumar em direcção a um futuro almejado como a repetição e a reencenação de velhos dramas, peças de teatro ambulante, de feira.
Uma feira de vaidades, uma perda de tempo e um sorvedouro de vidas, se olharmos ao que pode o Homem fruir se conseguir, de facto, viver neste mundo.
(Continua...)
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