A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
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Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Ocidentalidade: Milagre Ático? 2ª Parte

Contraditoriamente, é também a partir do século XIX que os estudos clássicos foram passando gradualmente, até aos nossos dias, de lugar de honra dos currículos universitários e escolares até à sua presente situação em que são votados, sem qualquer sombra de dúvida, a um conhecimento superficial e à marginalização. O estado actual dos estudos clássicos, segundo Salvatore Settis, pode ser compreendido através de um interessante paradoxo:

À medida que se sabe (ou se está disposto a aprender) cada vez menos sobre a antiguidade grega e romana, mais se consolida na nossa paisagem cultural a imagem das civilizações “clássicas” (especialmente a grega) como a raiz última e única de toda a civilização ocidental, como o depósito dos valores mais garantidos e mais altos (por exemplo, a democracia). Tal imagem, de forte poder operativo pois tomada como um dado adquirido, vai resistindo, e até se tem consolidado, precisamente na mesma medida em que vai aumentando, no Ocidente, o desinteresse pelo mundo “clássico” por parte da cultura geral e dos percursos educativos mais difundidos. Quanto menos se estuda grego e latim, quanto menos se lê (mesmo em traduções) essas literaturas, mais se fala dos Gregos e dos Romanos, mas de um modo cada vez mais esclerosado, convencional, morto. Quanto mais, inclusive, os intelectuais, os filósofos e os ensaístas perdem (por sua própria escolha) a capacidade e a vontade de controlar criticamente e em primeira mão a densidade e o sentido original dos textos da cultura “clássica”, mais dedicadamente procuram nela uma vaga e incontrolada inspiração, que toma quase sempre a forma do mais arbitrário florilégio, de citações feitas ao acaso, e todavida com valor legitimador.

Mais grave e insidioso é um outro aspecto deste processo (deveras imparável?): quanto mais genéricos e menos cultos são esses exercícios, mais os mesmos se arriscam a colocar a cultura “clássica” sobre um pedestal inalcançável, retirando-a da história para projectá-la num plano pretensamente universal, mas dela fazendo, na realidade, armas e bandeira de uma civilização ocidental que possa reivindicar mais ou menos cobertamente a sua própria superioridade em relação a outras culturas. Porque uma possível resposta às ansiedades da globalização cultural, ao pânico da perda da própria identidade (por homologação e absorção numa qualquer “globalidade”) é a reivindicação de identidades locais “fortes”, capazes de competir com essa temida e mal definida globalidade. A “civilização ocidental” é certamente uma delas (tão mais forte porque transnacional), e o risco de se apelar a ela, sem serem especificadas coordenadas e implicações, torna-se maior em tempos (como o nosso) em que se confrontam tradições culturais muitas vezes apresentadas como naturalmente e fatalmente opostas: por exemplo, Oriente e Ocidente; por exemplo, cristianismo e islamismo (Settis: 2004, pp.4-5).


De facto, verifica-se que a uma diminuição cada vez mais acentuada do conhecimento da cultura clássica corresponde um aumento da utilização superficial e acrítica da mesma como agente legitimador dos valores contemporâneos da cultura ocidental. Na nossa opinião, este processo é completado pelo seu movimento inverso, ou seja, quanto mais se toma como um dado adquirido, e sem um verdadeiro conhecimento de causa, que o Ocidente dos nossos dias tem o seu berço na tradição greco-romana, menos necessário se torna conhecer essa mesma tradição, por se partir do princípio de que os mais importantes valores do presente, considerados como garantidos e indiscutíves, são, na sua essência, praticamente os mesmos da Antiguidade clássica: identifica-se a tradição com e na moderninade, dispensando-se assim o conhecimento da própria tradição.

Baseada excessiva e exclusivamente num critério de identidade com os valores ocidentais contemporâneos, esta relação com a cultura clássica, que prescinde de um conhecimento crítico e científico, impede-nos sobretudo de reconhecer a origem não-grega de muito do que se nos apresenta, à primeira vista, como tipicamente familiar na cultura grega; ou seja, impede-nos de reconhecer e de explorar não só a nossa alteridade em relação aos Antigos, como também a nossa identidade com outras culturas. Tal como iremos desenvolver mais abaixo, é precisamente nesse equilíbrio entre identidade e alteridade que a cultura clássica deixa de ser uma fortaleza etnocêntrica, passando a ser uma porta de abertura para a compreensão e a exploração de outras tradições culturais. A esta relação exclusiva de identidade, que se revela hoje em dia improdutiva, corresponde a imagem – da tradição hegeliana – idealizada e «a-histórica» da cultura clássica, fora do tempo e do espaço, eternamente perfeita, imaculada e coerente, onde se encontra o reservatório dos mais altos valores universais.

O suposto carácter atemporal da civilização e da arte “clássica”, e mais especialmente a grega, ganha tanta mais força quanto mais se remove a consciência do processo histórico que determinou as formas do “clássico”, e que nas suas mil facetas poderia relativizar e delimitar o seu significado. É precisamente em nome do pretenso carácter imutável e paradigmático do “clássico” que a antiguidade greco-romana acabou por ser identificada como a raiz comum da civilização que aprendemos a chamar de Ocidente, exactamente no sentido em que Hegel pôde dizer que «Ao nome Grécia o homem culto europeu se sente imediatamente na sua pátria». O “clássico” surge aqui com um significado fundador não só de resultados ou de acções ou de memórias, mas de valores ainda actuais, a serem legitimados (de um modo tão mais eficaz quanto menos explícito) declarando-os idênticos ou próximos aos “clássicos”. (ibidem, pp.103-104).

No nosso actual contexto histórico, como já referimos, de grande relativização e descentralização culturais, a tradicional imagem atemporal e universal, e cada vez mais superficial, da cultura clássica – isolada do resto do mundo e colocada num pedestal inalcançável como o fundamento indiscutível de uma visão eurocêntrica da civilização humana – necessita, a nosso ver, de uma reavaliação. Omitindo acriticamente a imensa complexidade das relações e dos contactos inter e transculturais que se encontram na génese e no desenvolvimento da cultura greco-romana, o Ocidente contemporâneo criou uma auto-imagem de universalidade hegemónica com a qual insiste – com resultados que por vezes atingem a barbaridade – em reinvidicar uma superioridade exclusiva e infundada sobre outras culturas. Se em 1859John Stuart Mill ainda podia afirmar, com tranquilidade, que a Batalha de Maratona era parte integrante da história inglesa (e que no caso de uma hipotética vitória da Pérsia os bretões e os saxões estariam ainda a viver na selva), tal tranquilidade já não é de todo aceitável para o caso de uma obra cinematográfica publicada em 2007 sobre a Batalha das Termópilas (300, Zack Snyder), exemplo por excelência de tudo o que afirmámos até aqui: tal como outras obras congéneres, esta obra, camuflada de um pretenso rigor histórico e cultural de teor pseudopedagógico, aproveita a ignorância generalizada acerca do mundo clássico, transformando aquele episódio da história da Grécia antiga num modelo virtuoso dos valores ocidentais actuais, tais como, por exemplo, uma mulher espartana a dirigir uma assembleia de homens... E assim assistimos à irresponsável vitória ideológica de um Ocidente moderno e dinâmico sobre um Oriente obscuro e indeterminado. Embora seja um exemplo extremo, este uso grosseiro e distorcido da Antiguidade, identificada e confundida com a actualidade, revela o estado em que se encontra a «moribunda classicidade» denunciada por Salvatore Settis. Iremos pois, já de seguida, mostrar a mais recente perspectiva da ciência da Antiguidade, sobretudo a importância fundamental do cosmopolitismo helenístico, a nosso ver mal compreendido e, por isso mesmo, tradicionalmente estudado como um período decadente e relegado para um plano secundário.

3 comentários:

Casimiro Ceivães disse...

Bravo.

E não posso deixar de recordar - nesse contexto - o infeliz "Não sou Ateniense nem Grego, mas cidadão do Mundo", atribuído a Sócrates, colocado na estação de Metro da Cidade Universitária em Lisboa...

Aqui, o paradoxo final dessa dissolução: a Grécia recordada enquanto negação de si mesma.

Diria que o Rapto de Europa é - esse sim - uma realidade perene. E de certa forma, valeria aqui a pena relançar a discussão sobre o 'Atlantismo' do Flávio GOnçalves, não vá ele ser tomado como Ocidentalidade...

Claro que - noutro âmbito - os tais '300' (que não vi, nem tenciono) não devem ser muito diversos dos vários ensaios 'históricos' do cinema americano, cujo valor já conhecemos do caricato '1492', por exemplo, ou da inconcebível Cleópatra de Elisabeth Taylor...

Não, não é só a Grécia. Há toda uma Eurofagia nessa pretensa 'Ocidentalidade' atlântica.

Paulo Borges disse...

Talvez o grande "milagre grego" tenha sido Alexandria, paradigma de encontro inter-cultural e inter-religioso, sem fusão nem confusão, que hoje importa reactualizar, diz-nos Jean-Yves Leloup. O que se terá perdido no incêndio daquela biblioteca!...

Casimiro Ceivães disse...

Nos incêndios de todas as bibliotecas... Mas Alexandria fica como a mais arrepiante memória.

Agora lembrei-me do último texto do Clavis e do 'small is beautiful', que me parece fundamental. Penso que o nosso problema é em grande medida o da escala, ou do gigantismo mesmo no seu sentido simbólico: o Mediterrãneo antigo, vejo-o como um lugar de encontro, o tal 'sem fusão nem confusão', ou com uma fusão limitada aos grandes centros, talvez. Apesar de tantos séculos de viagens e navegações e conquistas e amores marinheiros, o mar era demasiado grande e uma povoação grega teria costumes e ritos e deuses e cores diferentes dos de uma povoação ibérica. Hoje, como manter isso, ou como manter a diversidade num mundo sem muros?

O único ponto que me não pesa mesmo nada é a 'fusão' das características físicas: quero lá saber das cores da pele, e se os noruegueses de daqui a duzentos anos serão mais ou menos morenos, mais ou menos parecidos com os maori. Mas terei pena de um mundo em que certos lugares não sejam a casa do meu amigo em vez de serem a minha casa; para onde viajar, onde descobrir, onde perdermo-nos num mundo em que todas as coisas sejam finalmente idênticas? Não acredito no argumento de que a alma dos homens será sempre irredutivelmente única: as almas também sabem das câmaras de gás, como o Paulo disse uma vez.

Estive uma vez em Atenas, e passei umas horas num alfarrabista: aqui e ali um livro escrito em francês, ou inglês ou italiano, restos deixados por turistas ou por sábios do séc. XIX. O resto era o enigma de um alfabeto que infelizmente ignoro. Mas fui reconhecendo uma Odisseia, uma obra de Aristóteles. E sentia o milagre de haver esta proximidade do longe, esta palavra que mesmo indecifrada nos fala.