A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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sábado, 11 de outubro de 2008

A lua tá doce lá fora

Noturno de Chopin

Eu fico todo bestificado olhando a lua
enquanto as mãos brasileiras de você
fazem fandango no Chopin

Tem uma voz gritando lá na rua:
Amendoim torrado
tá cabano tá no fim...
Coitado do Chopin! Tá acabando tá no fim...

Amor: a lua tá doce lá fora
o vento tá doce bulindo nas bananeiras
tá doce esse aroma das noites mineiras:
cheiro de gigilim manga-rosa jasmim.

Os olhos de você, amor...

O Chopin derretido tá maxixe
meloso
gostoso
(os olhos de você, amor...)
correndo que nem caldo
na calma da noite belo horizonte.
|Pedro Nava
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Quem é que abraça o meu corpo
Na penumbra do meu leito?
Quem é que beija o meu rosto,
Quem é que morde o meu peito?
Quem é que fala da morte
Docemente ao meu ouvido?
- És tu, senhor dos meus olhos,
E sempre no meu sentido.
|António Botto
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Liberdade, Igualdade e Fraternidade

Liberdade!
A liberdade transcendente, a religiosa liberdade de unirmos e aumentarmos sem fim as relações das almas.
A liberdade política, isto é, a correcção social às indiferenças duma natureza ignorante da vida superior do Espírito, que se insinuou nos interstícios do necessitarismo biológico.
A liberdade é sempre de ordem social; no Infinito porque somos pontos de convergência de cósmicas relações totalizantes, na sociedade humana, porque, por ela, podemos sobrepor a um desigual condicionalismo orgânico, um idêntico condicionalismo social.
Igualdade!
Iguais na humildade das relações que nos tornam e constituem a própria essência de nossas almas.
O homem é como aranha doirada que prendeu os fios a todos os astros do Infinito e ao longo desses fios correm rios de luz que se cruzam e condensam em luminoso corpo central.
Cortai as relações cósmicas e de pronto o corpo desaparecerá à míngua de oiro sideral, que em rios de luz se derramava.
Igualdade política: a mesma origem oferecida ao mérito das liberdades para que partam do melhor e mais alto plano que é possível no seu momento histórico, e assim maior altitude atinja o rumor das asas na amplidão.
Fraternidade: chuva dulcíssima de amor, oferecendo a todas as sedes o amor de todas as almas, a Unidade talhada em coração, espalhando o sangue da vida pelos mais afastados membros do corpo social.
Liberdade, Igualdade e Fraternidade: o próprio espírito dramático de compreensão e novidade, inventando, comunicando, acrescendo a beleza de cada um pela simpatia comunicativa dos outros, alargando, ampliando abraços, encerrando-se no fraterno abraço da grande unidade divina!”
|Leonardo Coimbra, “Comemoração das Constituintes de 1920”, in, Obras Completas-IV, INCM, Lisboa, 2007, pp.191-192.
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O biologismo político tem sido, desde o século XIX, o reflexo duma espécie de hipocondria social que se faz sentir em todo o espectro da apropriação intelectual do sentido da vida em comum, inquinando, por vezes de forma violenta e genocida, as relações humanas e obstaculizando o acesso a uma compreensão, verdadeiramente emancipatória e culturalmente firmante, da vida política, encarada como Bios que se entretece na fala, que se inscreve na proximidade, com os afectos, as recusas, as posses, as heranças, as entregas, os compromissos, que, em suma, se eleva a uma biografia, a uma poética do tempo e do espaço social.
Mas a biopolítica, termo que tomo de empréstimo a Michel Foulcault, reduz o viver humano a uma zoologia da impossibilidade ética da apropriação do sentido de si por parte de cada homem, assumido como elemento do corpo social. Qualquer diferença que escape ao enquadramento da moral vigente, muitas vezes inscrita num limbo cinzento inacessível ao esclarecimento racional, cai no âmbito do patológico, à luz duma apercepção medicalizada da vida que impera nas sociedades de matriz ocidental, pelo menos desde a época áurea do positivismo higienizante e massificante da vida.
Antero de Quental é uma das vozes que, entre nós, se elevaram contra o delírio biologista. Se bem que opondo ao biologismo positivista uma concepção metafísica forjada no horizonte do logocentrismo teodiceico (mas não de todo a ele aderente, uma vez que há fissuras que podem ser exploradas em direcção ao não-dito anteriano), Antero não deixa de ferir, com o seu pensamento, a pele do monstro do totalitarismo uniformizante: “A extrema fixidez e uniformidade na ordem espiritual repugna à sociedade moderna, e é essa uma das suas excelências. Unidade na variedade, tal é a sua divisa: e só essa unidade é fecunda, porque só ela permite a expansão da natureza humana em toda a riqueza das suas faculdades.”(1)
A cultura, encarada a partir dos seus estágios mais afirmativos do viver biográfico, aquele horizonte a que é comum chamar-se Alta Cultura, deveria ser o campo privilegiado da afirmação da vida e da dignidade do ser humano, portador de uma vida digna de ser vivida na integridade das suas determinações. Mas a civilização ocidental, desde os primórdios helénicos, vê na Paideia, na Bildung, na Cultura, a imposição de formas de vida (2) instauradoras duma conformidade e de uma moral exclusiva dos comportamentos, a qualquer nível de manifestação, que forem encaráveis como inconformistas ou "patológicos"(3). Essa moral cinzenta, quase totalmente desenraizada das suas fontes religiosas ou dos seus campos primordiais de instituição, lança raízes nos mananciais tectónicos do inconsciente colectivo e inquina-os, tornando-os imprórios para dessedentar as vidas dos que se assumem e, aceitando-se, se apropriam da sua vida e a exploram e afirmam como digna de ser vivia, de ser fruída e usufruída.
Neste sentido, o Estado, com todas as suas Instituições, pode ser um complexo sistema de repressão, actuando como dissuasor dos comportamentos mais individualistas, ou mais afirmativos da diferença e da auto-afirmação da vida vivenviável em plenitude e em auto-satisfação. O complexo egótico que opera, dentro da mente individual, como um esteio constritor da criatividade pura , a pulsão para o excesso e a eudemonia da vida que vibra ao ritmo da alegria do encontro e da fraternidade sem fixações narcísicas, é o que torna os homens presas póstumas da zoologia política. Carne para canhão, nas guerras fratricidas, massa obreira, no complexo industrial-buro-tecnocrático em que se encerrou o viver contemporâneo.
Levando à letra a máxima de Marco Aurélio, Imperium superat regnum, “O Império é superior ao reino”, podemos dizer que, se o Estado se assume como superior ao viver humano, mesmo nos casos em que este é assumido com consciência da liberdade e é exercido com integralidade ética, podemos considerar que há um imperialismo da norma e do determinismo económico sobre a realeza ínsita no nascer-se humano, no nascer-se capaz de auto-afirmação e de, através dela, capaz de sacrifício e de entrega plena ao outro, encarado, em igualdade, como digno de si, como digno de se assumir na propriedade plena da sua vida, biografável, ou seja, inscriptível na tessitura polimorfa, e sempre afásica, no limite, da temporalidade adunadora de proximidade e possibilitadora das experiências de transcensão.
Esse um dos sentidos mais profundos do amor, encarado como o que nunca aceita a morte, essa impossibilidade do esquecimento que torna as instituições políticas mais próximas da memorialística fúnebre do que da plena afirmação da vida, só possível pela assunção da mudança como o que é ontologicamente primeiro, arquetipal, pneumatologicamente fundante. Com a mudança há que pensar a diferença, com o que ela tem de divergente, do seu poder de alargamento do pensável, do dizível e do vivenviável.
Neste sentido, temos que levantar questões decisivas: qual é a nossa atitude de base perante o outro? Aceitamos a diferença com o algo de natural e de intrinsecamente humano? Talvez seja o momento de abandonarmos a cultura da tolerância, para construirmos, uma cultura diferente, a cultura da aceitação.Tolerar é um acto totalitário que consiste em permitir que os que têm modos de vida diferentes dos nossos ou das formas de vida politicamente instituídas, possam tê-los na nossa esfera de proximidade política. Mas a verdadeira realeza está na liberdade e não nos territórios que os nossos hábitos nos circunscrevem com o espaço, sempre fictício, da nossa afirmação.Nós não temos que tolerar, devemos aceitar-nos a nós e ao outro, dignificando a diferença.
Aceitar consiste em mantermo-nos abertos ao que no outro nos interpela e que nos pode escapar se estivermos demasiado compenetrados no que já somos. E isso leva a que tenhamos que reescrever a nossa história, a nossa biografia, sempre a redizer-se, à medida que, mesmo sem termos consciência disso, vamos sendo lavrados pela mudança. E são todos os nossos comportamentos, mesmo os mais entranhados nas sinuosidades do quotidiano, que têm que ser permeados, e exaltados, pela ética da aceitação. Não podemos, portanto, ficar indiferentes perante o sofrimento, a discriminação, a obliteração social e ontológica dos que não cabem no crivo do politicamente correcto e do legalmente tolerado. Haver práticas laborais que impedem às mulheres o acesso a condições semelhantes às dos homens, ou que penalizam o direito à maternidade, ou à paternidade, é inaceitável.
Como é inaceitável qualquer forma de racismo, mesmas que se escondem nas entrelinhas da lei e dos deveres de cidadania. Que os seres humanos possam amar-se sem se verem vítimas da lotaria cega da genética e dos condicionamentos culturais, seja qual for o seu género ou orientação sexual. Que todos possam ver a sua dignidade respeitada, seja qual for a sua origem ou o seu credo será o mínimo a esperar duma sociedade civilizada.
Vivemos numa época em que o fanatismo se tornou regra. É mais fácil vê-lo do outro lado do espelho, a usar turbante e barbas pontiagudas. Usar um livro sagrado ou um livro de cheques como fundamento moral para a discriminação, simbolicamente vai dar no mesmo. É o mesmo império da economia globalizada que se impõe sobre os diversos reinos em que se subdivide o vasto campo da zoologia política que enforma as matrizes das forma de vida socialmente e politicamente aceites. Qualquer ser humano objecto de discriminação, seja a mulher que é obrigada a usar burka, ou o homem que tem que esconder o seu amor dos olhos do resto da sociedade, está a ser vítima do fanatismo e da intolerância. E o ostracismo mata com igual impiedade se comparado às outras formas de terrorismo político.
Por isso o dia de ontem, 10 de Outubro de 2008, foi mais um dia negro da democracia portuguesa. E o que está em causa não é a instituição do casamento, a necessitar de uma reflexão profunda, uma vez que hoje é um nódulo de constrangimentos libidinais, sociais, morais e legais. Mas o seu uso como dispositivo de discriminação política e social.
Todos os seres humanos devem poder escolher não casar. Mas dado que o casamento, mal ou bem, institucionaliza o amor, se calhar nunca de todo institucionalizável, todos os que se amam devem poder escolher casar-se.
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Notas:
1. Antero de Quental, Tendências Gerais da Filosofia, in Filosofia, Universidade dos Açores/Editorial Comunicação, 1991, p. 169.
2. Sigo aqui, se bem que a uma distância de segurança, Giorgio Agamben. Veja-se, por exemplo, o artigo “Forme-de-vie”, in Moyens sans fins, Éditions Payot & Rivages, Paris, 2002, p. 13 e sgs.
3. O processo de Sócrates é, a este título, suficientemente elucidativo.



(Imagem: reprodução do quadro de René Magritte, La Reproduction Interdite.)

4 comentários:

Casimiro Ceivães disse...

Paulo, desta vez concordo com muito (e passo o resto).

Mas francamente não percebi a leitura que faz do Marco Aurélio.

O Império é distinto do Reino: aliás, era bom que os sebastianistas percebessem isso...

Casimiro Ceivães disse...

1820 e não 1920 (Constituintes)?

Paulo Feitais disse...

Casimiro... Só agora pude aqui vir...
A leitura que faço do Marco Aurélio aqui não é muito profunda.
Mas acho que o Império derradeiro nasce do Reino, de cada um assumir a sua Realeza.
Aqui referia-me ao império assumido como forma de domínio.

Casimiro Ceivães disse...

Paulo, obrigado pela resposta.

Sem restringir à tradição cristã, mas porque os seus símbolos me são familiares, proponho-lhe que medite na diferença/complementaridade entre o globo-mundo (do Imperador) e o Reino "oculto é íntimo" do Sagrado-Coração"...

Eu penso que não devemos, a não ser de vez em quando e muito conscientemente, referir como "império" o... enfim, o Sistema, o Poder, o Nada-Centrípeto, enfim, a Aniquiladora coisa que tenta mandar no mundo. Se nisto pelo menos chegássemos nós os dois a um entendimento eu ficava muito contente.

PS. Mais "esotericamente" (mas detesto esta palavra), o "rei adormecido" de Artur a Sebastião faz parte exactamente desta esfera "íntima" (não quero dizer "subjectiva" porque não é isso). O Imperador não se confunde com ele. O resto, que é o que há ou quer ser, são apenas usurpações.