A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
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Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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sábado, 18 de outubro de 2008

“Entre o Oriente e o Ocidente – o inviável regresso e a via a cumprir” (II)

Obviamente, em última instância, tudo depende da perspectiva de cada um. Assumamos pois, sem qualquer dissimulação, a nossa: consideramos que as religiões, tal como, aliás, as filosofias, serão tanto mais autênticas quanto mais enraizadas estiverem numa determinada cultura; significa isto que, no limite, as únicas religiões autênticas, tal como as únicas filosofias verdadeiras, são aquelas que assumem, também sem qualquer dissimulação, essa radicação cultural. Por isso, recusamos instintivamente o conceito de “religião católica”, ou “universal”, que consideramos ter bem menor fundamento do que, por exemplo, o conceito de “religião lusitana”, tal como ela foi prefigurada por, entre outros, Teixeira de Pascoaes[1].


Significa isto que, na nossa perspectiva, aquele que se forma no seio de uma determinada cultura não pode senão depois aderir à religião – ou às religiões – e à filosofia – ou às filosofias – que nela brotaram? Não necessariamente. Para bem das próprias culturas, nenhuma delas é tão hermética que impossibilite que alguém que se formou no seu seio adira depois a religiões, ou a filosofias, mais próximas de outras culturas. É até bastante benéfico que isso aconteça. Dado que toda a identidade se tece no diálogo – e no confronto, quando é caso disso – com o outro, o diálogo – e o confronto, quando é caso disso – com outras culturas reforça a nossa própria identidade cultural. Tanto mais porque a identidade cultural – como qualquer outra – não é algo de acabado, mas, ao invés, algo que só subsiste na medida em que reiteradamente se auto-questiona. A identidade pessoal de cada um de nós é o melhor exemplo disso.


De igual modo, a identidade do ser português. Segundo Fernando Pessoa, nomeadamente, o ser português cumpre-se, aliás, no pleno encontro com o outro, com todos os outros, de tal forma que, em última instância, o ser português seria apenas na medida em que nele os outros, todos os outros, fossem, tornando-se assim ele – Portugal, em si próprio – num “espelho” em que todos se mirariam e reconheceriam sem dele se lembrarem, qual nação que assim veria cumprido o seu destino: ser não só ela como igualmente todas as outras. Como escreveu a respeito da “arte portuguesa”, do seu destino: “Arte portuguesa será aquela em que a Europa – entendendo por Europa principalmente a Grécia antiga e o universo inteiro – se mire e se reconheça sem se lembrar do espelho. Só duas nações – a Grécia passada e o Portugal futuro – receberam dos deuses a concessão de serem não só elas mas também todas as outras.”[2].


Eis, com efeito, segundo Fernando Pessoa, o destino de cada um de nós, o nosso futuro – ainda nas suas palavras: “Esse futuro é sermos tudo. Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé? Que português verdadeiro pode, por exemplo, viver a estreiteza estéril do catolicismo, quando fora dele há que viver todos os protestantismos, todos os credos orientais, todos os paganismos mortos e vivos, fundindo-os portuguesmente no Paganismo Superior. Não queiramos que fora de nós fique um único deus! Absorvamos os deuses todos! Conquistámos já o Mar: resta que conquistemos o Céu, ficando a terra para os Outros, os eternamente Outros, os Outros de nascença, os europeus que não são europeus porque não são portugueses. Ser tudo, de todas as maneiras, porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma coisa!”[3]. Tal, igualmente, o futuro que outros ilustres portugueses nos prefiguraram, como, a título de exemplo, Agostinho da Silva – daí, desde logo, o ter-nos dito que “só então Portugal, por já não ser, será”[4].


Nessa medida, o facto de sermos – e de nos assumirmos – como portugueses não só não é um óbice ao encontro com o outro – designadamente, com o “outro oriental” –, como, segundo os autores citados, é mesmo uma “via aberta” para tal. Eis, aliás, a via que Antero de Quental procurou concretizar, ao prefigurar um “budismo ocidental” – nas suas palavras: “Parece-me que é esta a tendência do espírito moderno que, dada a sua direcção e os seus pontos de partida, não pode sair do naturalismo, cada vez em maior estado de bancarrota, senão por esta porta do psicodinamismo ou pampsiquismo. Creio que é este o ponto nodal e o centro de atracção da grande nebulose do pensamento moderno, em via de condensação. Por toda a parte, mas sobretudo na Alemanha, encontram-se claros sintomas desta tendência. O Ocidente produzirá, pois, por seu turno, o seu Budismo, a sua doutrina mística definitiva, mas com mais sólidos alicerces e, por todos os lados, em melhores condições do que o Oriente.”[5].


Mas que Budismo será, em concreto, esse? A essa questão, o autor das Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX não nos responde. Fala-nos apenas, ainda numa sua outra carta, de uma síntese do Helenismo com o Budismo, de um “Helenismo coroado por um Budismo”, síntese que enuncia da seguinte forma: “…o Helenismo, isto é, a vida natural, nos seus diversíssimos tipos, na riqueza da sua evolução, aproximando-se ou afastando-se mais ou menos da compreensão transcendente, cuja expressão é o Budismo, que propriamente se lhe não opõe, mas o completa superiormente.”[6]. Eis pois, para o autor das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, “a direcção definitiva do pensamento europeu, o Norte para onde se inclina a divina bússola do espírito humano”: complementar o alegado sentido helénico da diversidade com o alegado sentido unitário do budismo, ou, como escreveu José Marinho a este respeito, conciliar o “sentido da unidade do ser”, alegadamente próprio do budismo, com a “experiência e saber da variedade indefinida dos seres que a tradição europeia alcançou”[7].


[1] Em particular, em alguns dos textos coligidos na colectânea A Saudade e o Saudosismo ( dispersos e opúsculos), compil., introd., fixação do texto e notas de Pinharanda Gomes, Lisboa, Assírio & Alvim, 1988.
[2] Cf. Obras de Fernando Pessoa, org. e biobibliografia de António Quadros e Dalila Pereira da Costa, Porto, Lello & Irmão, 1986, vol. III, p. 702.
[3] Ibid., pp. 703-704.
[4] Cf. “Mensagem”, in Dispersos, introd. de Fernando Cristóvão, apres. e org. de Paulo A.E. Borges, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1989 (2ª ed.), p. 697. Daí ainda o dizer-nos que “Portugal só será quando for o mundo inteiro e o mundo inteiro o for” [cf. ibid., p. 255].
[5] Cartas, “Obras Completas de Antero de Quental”, org., introd. e notas de Ana Maria Almeida Martins, Lisboa, Univ. dos Açores/ Comunicação, 1989, vol. II, p. 839.
[6] Ibid., p. 925.
[7] Cf. NISOT, p. 575.

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