A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
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terça-feira, 7 de outubro de 2008
A palavra como mercadoria?
Com fúria e raiva
Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada
De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse
Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra"
Sophia de Mello Breyner Andresen
Junho de 1974
_________
A palavra como mercadoria?
Faz sentido esta interrogação num momento em que as campanhas eleitorais (a americana e as que por aí vêm cá entre nós) têm que se confrontar com a crise nos mercados de capitais, tendo como pano de fundo uma crise da crise. (1) Apetece parafrasear o jargão publicitário e dizer que a crise já não é o que era.
A ideia de crise está em crise. Dela esconjurou-se o medo da derrocada do sistema capitalista e elidiu-se o seu poder corrosivo através do feiticismo de quadros conceptuais assentes no relativismo epistémico e no vacuísmo especulativo. Daí nasce o sentido daquilo a que chamam a pós-modernidade.
O fim das grandes narrativas terá deixado à deriva os imensos continentes intelectuais resultantes do afã racionalizador da idade moderna.
Se dermos crédito a esta visão das coisas, e o crédito é uma coisa fácil de dar em tempos críticos, mas pode ter consequências funestas, então será fácil de ver que o mundo globalizado se rege hoje por uma meta-narrativa, que se alimenta a si própria e tem o poder de afectar as relações económicas à escala mundial. Trata-se da trama que se tece em torno da especulação financeira que acrescenta ao conceito de mercadoria notas que de todo escaparam à teorização marxista.
Para além do valor de uso e do valor de troca, articulados a partir do eixo da utilidade vista como a satisfação de necessidades materialmente determinadas, temos o valor de abuso, uma dimensão que se acrescenta à mercadoria e que resulta dum jogo que escapa ao que tradicionalmente se encarava como o domínio da economia, o domínio da satisfação das necessidades materiais das sociedades e dos homens.
Hoje o universo cultural, e espiritual, está cada vez mais mercantilizado. O mesmo se passa com a generalidade das relações humanas. A vida social é, em larga medida, uma troca. Pelo que os afectos podem muitas vezes ser encarados como moeda, como mercadoria trocável, feiticista e, no fundo, inapropriável e impossuível. No horizonte da visibilidade social, a satisfação das necessidades inerentes à vida psíquica dos indivíduos depende em larga medida de mecanismos de compensação assentes numa economia da líbido que se rege cada vez mais pela inapropriação do gozo e pela recusa de satisfação dos impulsos básicos, sublimados, ou quando a sublimação é impossibilitada pela imediatez dos bens de consumo, introjectados para dimensões egolátricas da vida psíquica, tremendamente narcísicas.
Trata-se dum narcisismo sem um fundamento apropriável, o que é, alíás, uma característica de todas as formas de narcisismo, a sua insatisfação constituiva, fonte, apesar de tudo, da sua resolução. Mas este narcisismo próprio da vida social contemporânea mascara-se e projecta-se nos mecanismos sociais de reconhecimento do outro. Por isso, nas sociedades de matriz ocidental o medo do ostracismo (2), que é uma forma de morte simbólica, é o que alimenta as economias da líbido. Estar fora do sistema de produção, reprodução e de consumo que alimenta o imaginário social, é cair num limbo em que a apropriação narcísica do outro, sob a forma duma aceitação subliminar, ou expressa em comportamentos exteriorizados em relação a nós, se torna impossível.
Daí as zonas erógenas, do discurso e do corpo, se converterem em zonas erróneas (3), carregadas dum simbolismo que já não releva duma moral positiva, ou duma efectiva possibilidade de vivenciar o gozo, mas em “furos”, em “buracos” para um vazio que a si mesmo se alimenta na impossibilidade de apropriação. Há, mesmo nas mais cruas formas de pornografia, uma recusa radical do erotismo, o que leva a que possamos indagar se, a nível simbólico, Sade e Santa Teresa não poderão ser, na sua antítese radical, dois pólos complementares capazes de nos fazer compreender a actual alienação narcísica. É preciso não esquecer que Eros vive na aproximação dos opostos e na dinamicidade daí resultante.
Vive-se, então, permanentemente, na ruptura e na objectualização da insatisfação e do vazio. Os homens acabam por viver uma vida póstuma, “cadáveres adiados que procriam”, perdida que está a ligação com a mais profunda dinâmica do corpo como topos pulsátil propiciador duma ligação a uma superação de si em comunhão com a physis, a natureza encarada como o vivo vivificador, via para uma autêntica saída superadora de si, êxtase. Esta fusão de Eros e Thanatos permite todos os abusos no que se refere às instâncias instauradoras de sentido, já que os indivíduos vivem uma economia do desejo assente na recusa e na negação das possibilidades de apropriação que a sua mente lhes oferece, mas que ficam na penumbra da caverna egótica.
Neste sentido, tudo se pode tornar em mercadoria, mesmo a palavra. Animal do Lógos, o homem vai reinventado a antropolatria, sob a forma dos mais diversos tipos de logicismo, num jogo de ecos logóicos em que a fala (da qual não podemos separar a escrita) se esgota num valor de uso e num valor de troca, sem a sua ligação ao que de firmante existe nos afectos e na errância, permitindo que o abuso, a excedência não excessiva da dissimulação, se torne vivenciável e adquira uma densidade comportamental que lhe dá um ar de normalidade e, até, lhe confere o estatuto equívoco de norma moral.
Daí o mutismo constitutivo dos discursos submetidos à usura social. Dos quais se destaca, pelo vazio intelectual, o discurso dito eleitoral.
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Notas:
1. Veja-se a este propósito o seguinte artigo de Slavoj Zizek, Crise: modos de usar.
2. Podemos convocar para aqui Michel Foucault e a sua História da Loucura, através da qual nos tenta mostrar que a medicalização dos discursos desviantes e não normalizáveis, inerente à constituição dos mitemas modernos em torno da loucura e do devaneio, faz parte das estratégias que a modernidade usou para instaurar os seus espaços de apropriação individual e colectiva. O que pode ter cortado os cordões umbilicais que poderiam ligar o homem “moderno” ao mito sem mediações extrínsecas. Mas não resisto de convocar para aqui um livro delicioso de Slavoj Zizek, Benvindo ao deserto do real, publicado pela Relógio d’Água.
3. Trata-se de um conceito quem tem origem na psicanálise lacaniana. Sobre a sua génese e o seu alcance, veja-se o seguinte artigo de Marcos André Vieira, “Furos”.
(Imagem: reprodução da escultura de Bernini, "Êxtase de Santa Teresa", recolhida no google).
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1 comentário:
Paulo, exorto-te mais uma vez a reunires estes ensaios num livro.
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