Nunca parti deste cais
e tenho o mundo na mão!
Para mim nunca é demais
responder sim
cinquenta vezes a cada não.
Por cada barco que me negou
cinquenta partem por mim
e o mar é plano e o céu azul sempre que vou!
Mundo pequeno para quem ficou...
MANUEL LOPES
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SÍMBOLO
O formato daquele berço foi um símbolo
O menino em miragens impossíveis
dormia sonhando com navios de papel
enquanto eu contemplava
a cismar,
o conjunto daquela harmonia
sumindo-se na linha do mar.
Navio-berço de menino crioulo
navio-guia que ficou sem ir
"navio idêntico ao navio da nossa derrota parada".
LUÍS ROMANO
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ROTA LONGA
Irei na rota branca
da rosa de espuma
na hora madrugada
promissora da brisa.
Rota longa rota longa
Irei com a pétala ressequida
da tórrida paisagem
para além das distâncias secas.
Rota longa rota longa
Rota longa de espuma
vou irei espalhar minhas pétalas ressequidas
na hora madrugada
das correntes desatadas.
Rota longa rota longa
Vou irei sem detença
para além das distâncias secas
em busca do abraço ancorado
na outra margem da curva líquida.
Rota longa rota longa
Vou irei na hora alta desta vigília
e a manhã clara acontecerá.
Rota longa rota longa
Vou irei contra todas as cadeias protestantes do meu rumo
em cada protesto que embarco
na ondulação que se desatraca.
TEOBALDO VIRGÍNIO
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Há que não esquecer que a lusofonia é um património imenso, resultante de muitas Histórias que historicamente se cruzam e entrecruzam, de muitas conquistas culturais, de muitos sonhos trazidos à vida. Por exemplo, o movimento claridoso em Cabo Verde. Talvez este seja um exemplo máximo de como a literatura pode alimentar a alma dum povo e dar-lhe o alento necessário para rumar ao futuro. Nascido da revista Claridade, trata-se dum movimento heróico e afirmativo. Assente na ideia de que todos os homens são dignos de aceitação na plenitude de herdeiros da Terra, em primeiro lugar da sua terra natal e, por essa via sublimante, da terra inteira.
É o exemplo de como se pode ir longe quando a nossa determinação é a de nos elevarmos à condição de livres criadores, com vista à conquista do espaço da racionalidade pluridimensional e emancipadora e da convivialidade fraterna e enriquecedora. Espaço esse onde nem todos os homens se sentirão bem, mas onde todos serão exaltados. Porque só viverá aí, plenamente, quem recusa o servilismo, como diz Agostinho da Silva: “Não seja servil, não tenha servos”.
Ser servil é querer servir-se dos outros e pô-los ao serviço dum protagonismo egolátrico.
Nunca o debate de ideias deve assentar no ataque pessoal, na constante recusa da fala alternativa e autónoma, na imposição de limites à criatividade e ao livre jogo da liberdade de cada um se dispor de si e aos outros se dirigir como possíveis interlocutores.
O mais é querer realizar o projecto impossível de plantar um jardim que tivesse o alecrim como elemento de união e de garante da diversidade. O alecrim envenena o solo na sua proximidade. Garante assim a exclusividade no acesso aos nutrientes e à luz solar, mas impossibilita a existência do jardim. O seu perfume é sublime, a sua tenacidade digna de nota, mas não pode servir de símbolo para a tenacidade e a coragem que podem levar longe o viver humano.
Para irmos longe enquanto vivos e humanos ao serviço de ideiais maiores, temos que cultivar algumas virtudes:
A justiça, ou seja, a equanimidade, a capacidade de nos comportarmos como iguais entre iguais. Isto só é possível com humildade e com a capacidade de aceitarmos a diferença como o que nos impede de sermos o que queremos ser e não o que temos que ser. A vida é uma constante aprendizagem.
A fortaleza, o sermos capazes de auto-controlo e nos mantermos seguros no leme que a vida nos outorgar. Só assim não confundiremos os nossos tormentos com as tormentas próprias do seguirmos um rumo.
A sabedoria. Só chega à sabedoria quem se faz ao mar. Por isso são tenebrosas as palavras do Velho do Restelo:
“Ó maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas velas pôs em seco lenho,
Dino da eterna pena do profundo,
Se é justa a justa lei, que sigo e tenho!”
Mesmo que nas naus vão, entre os muitos anónimos, os que só buscam a fama e o reconhecimento de si. O verdadeiro protagonismo é o da entrega incondicional ao que é mais.
E todas as vozes serão poucas. Porque o silêncio, em certas alturas, não fala.
Por isso a lusofonia é um clarão aceso no mundo entregue à rapacidade e ao oportunismo político, económico e cultural. Há que erguer bem alto as vozes da diversidade e da afirmação da dignidade da pessoa humana e da Cultura como afirmação dessa mesma dignidade.
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