A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Autocensura

Tendo em conta que a vocação da comunidade lusófona é a de "estabelecer pontes, mediações e diálogos entre os diferentes povos, culturas, civilizações e religiões, promovendo uma cultura da paz, da compreensão, da fraternidade e do universalismo à escala planetária" (ponto 2 da Decl. de Princípios e Objectivos do MIL), e que uma das suas mais importantes linhas de acção está precisamente na "defesa dos valores humanos fundamentais e das causas humanitárias e na "sensibilização da comunidade internacional para todas as formas de violação dos direitos humanos e dos seres vivos" (ponto 4 da Decl. de Princípios e Objectivos do MIL), pergunto por que motivo temos que nos autocensurar na participação deste blogue quanto a determinados assuntos, como a questões ontológicas ou existenciais sobre a crença ou não em Deus, quando muitos dos crimes mais hediondos contra os mais elementares valores éticos e muitas das guerras mais sangrentas que há neste mundo são cometidos precisamente em nome de Deus. Por que razão terei eu que, antes de publicar aqui, por exemplo, um artigo sobre a noção de Espírito Santo em Agostinho da Silva, pensar se será demasiado "excêntrico" para alguns leitores tal tema, se um dos objectivos deste movimento é, entre outros, a "transformação das mentalidades e das vidas"?(ponto 1 do Manifesto da Nova Águia...) Julgo que os maiores génios e os que mais contribuíram para a transformação benéfica da humanidade eram dotados de mentes excêntricas. E não acredito que se possam transformar as mentalidades se não houver liberdade para levantar questões que incomodem, eventualmente, a sensibilidade e as convicções ético-espirituais dos nossos leitores. Acima de tudo, não compreendo por que razão a participação nesta confraria se deva limitar a questões patrióticas de âmbito exclusivamente político-social e económico, quando está bem patente, creio eu, quer na Manifesto da Nova Águia quer na Declaração de Princípios e Objectivos do MIL, uma preocupação ético-espiritual em que assenta toda uma noção bastante alargada de Cultura, que deveria promover um debate filosófico em que são necessariamente abrangidas questões teológicas, ontológicas e existenciais. Afinal de contas, todo este projecto tem que ver, na minha opinião, com o sentido da existência humana no planeta Terra e com o desenvolvimento de um modelo civilizacional que mostre ao mundo soluções alternativas e viáveis para essa mesma existência.
Compreendo perfeitamente que o elevado número de participantes neste blogue e as suas diferentes preocupações, propostas e expectativas em relação ao que deveriam ser as linhas orientadoras do movimento crie divergências e "pruridos", mas não concordo que deva haver uma tal limitação temática das ideias e dos debates.

16 comentários:

Ana Margarida Esteves disse...

Concordo plenamente com a tua posicao e subscrevo-a.

Renato Epifânio disse...

Caro João Beato

Como já aqui defendi, este é um espaço polifónico e assim deverá continuar a ser. Para isso, é bom refrear algumas dinâmicas de monotematização (para um lado ou para o outro) e, sobretudo, alguns excessos de protagonismo (seja de quem for). Tão-só isso...

Este é o Blogue da NOVA ÁGUIA: não é o blogue do Renato, da Anita ou do Paulo...

Os textos até agora censurados, passados uma pouco mais de 10 meses do início deste blogue, não perfazem sequer uma dezena...

Não vejo pois onde está a censura. Ou a auto-censura...


Abraço MIL

Clarissa disse...

Interessante. Faltou acrescentar que colaboradores deste Blogue foram expulsos do mesmo apenas por discordarem, ou seja, precisamente por isso: por irem contra as linhas orientadoras que alguns pretendem e pela coragem de as denunciar.
Cheguei a esta conclusão: este Blogue tornou-se no exemplo de muita coisa que vai contra a minha maneira de estar na vida, o debate de ideias e a liberdade.
Mas «uns são filhos e outros enteados»!

Rui Martins disse...

não devemos confundir "liberdade" com "libertismo".
Não devemos entrar no caminho do insulto fácil ou pessoal num campo onde devemos apenas cruzar ideias.
Infelizmente, o dito autor, ainda que fosse dotado de uma inteligência e cultura consideráveis não tinha nem a paciência, nem o poder de encaixe para lidar com opiniões contrárias e pendia demasiadas vezes para o campo do insulto pessoal.
Foi lamentável, mas necessária, a atitude que a direção (de que não faço parte) teve que tomar, Clarissa.

Casimiro Ceivães disse...

Oh Clavis, tem graça :)

Comentei agora mesmo (antes de o ler) o último comentário da Ana Margarida ali em "baixo" no post do Renato... Ajusta-se como uma luva ao que diz - em sentido precisamente contrário.

Há coisas do arco da velha.

Paulo Borges disse...

Inteiramente apoiado, Joao.

Clarissa disse...

Clavis, não falava especificamente do Klatuu, mas destaco a insistência. Quanto aos insultos, deveria ter-se comedido, ou já se esqueceu quando lhe chamou «troll», depois de um comentário do Klatuu que nem era dirigido a si e não ofendia ninguém? Telhados de vidro...
Ainda que não fazendo parte da direcção,e dada a amabilidade que teve em se me dirigir, devo salientar que não me referi só a uma pessoa, mas sim no plural, e dado que a falta de transparência que tem indo a grassar neste espaço me suscita algumas questões, coloca-las-ei sobre a forma de post, talvez assim o debate que é urgente travar ressurja e fiquem para trás as questões sobre o deus de cada um, a alimentação praticada, ou a preparação de aulas, o que por aqui tem sido «o pão nosso de cada dia».

Daniel disse...

Caro João Beato,

O que o meu amigo tem de ver muito bem é qual o objectivo ou os objectivos que são mais importantes no contexto deste projecto da Nova Águia. Não é que questões ontológicas ou existenciais sobre a crença ou a descrença num Deus ou em vários Deuses, ou no que quer que seja, sejam secundárias ou irrelevantes; essas são questões a que dificilmente conseguiremos dar uma resposta. Agora, existem outras questões, tão ou mais importantes no contexto histórico em que vivemos, a que, essas sim, interessa responder; e quando se diz responder não se está referindo a uma resposta teórica que se elabora melhor ou pior acerca de determinado conceito ou paradigma, mas sim, e apenas, àquilo que devemos fazer na prática para responder aos grandes problemas do nosso tempo, como por exemplo a terrível educação que temos nas nossas escolas, a negação da história dos povos, a vergonha ou o desprezo a que vários portugueses, por desconhecimento ou culto ao estrangeiro, votam a sua cultura, etc. etc. Isso é coisa que nós já podemos fazer, isso é coisa a que podemos dar uma resposta segura, rápida e precisa. O que é que vamos nós fazer para cumprir esse Ideal tão alto em Agostinho que era o de haver Universidades Livres para toda a gente? Trata-se de encontrar, mobilizar, todos aqueles que têm conhecimentos suficientes para poder ensinar quem quer ser ensinado, seja em cursos, livres, ou outras iniciativas (chamem-lhes o que quiserem). Interessa saber quais as formas pelas quais podemos dar cultura às pessoas, para que elas não fiquem desconhecidas de quem são - qual é que é a melhor maneira de apresentar o pensamento tão actual e profundo do professor Agostinho da Silva a uma data de gente que nunca ouviu falar dele? Essas é que me parecem as questões realmente relevantes, porque são aquelas a que podemos dar uma resposta pronta. Talvez ainda estejamos longe de conseguir dar resposta, ou compreender, se Deus existe ou não, o que é Deus, e etc. por aí fora. Mas cada coisa a seu tempo. Muito mais grave (e, na verdade, de mais fácil resolução) é o problema, por exemplo, da crescente desculturalização dos manuais escolares. Porque é que ninguém se insurge contra isso? A educação é baseada em conteúdos desconexos, sem ligação nenhuma entre eles (veja-se o exemplo dos manuais de português), sem rigor ou contexto histórico, apenas existindo numa massa amorfa de coisas que se empinam para despejar em exame. Que estratégias pedagógicas é que nós vamos arranjar para que a educação passe a ser instrução, como dizia o Agostinho? Como é que devem ser construídos os manuais escolares? Como é que os conceitos devem ser articulados? Isso é que me parece relevante. Se não começamos por estabelecer um plano concreto para livrar os pobres da pobreza, para dar cultura a quem não tem acesso a ela, e para livrar o mundo das doenças que ele tem - meus amigos, isto não é mais do que a política agostiniana dos três ésses - ; se não começamos por aí, pela base que dá fundamento ao topo, como é que queremos chegar alguma vez a perceber conceitos tão abstractos como os de Deus, Divindade ou Infinito?!

João Beato disse...

Caro Daniel,

a questão não é somente, e em primeira instância, a possibilidade da existência de uma determinada divindade, mas sim a realização de determinadas acções (como a condenação à morte de uma mulher por adultério ou a propagação do vírus HIV devido à proibição do uso de preservativo, entre muitos outros exemplos) legitimadas pela autoridade de certos textos considerados sagrados que reflectem, porém, uma consciência moral com mais de três mil anos. Julgo que desde então até aos nossos dias o ser humano já fez suficientes conquistas no plano da ética para que a "sacralidade" de determinadas leis possa ser discutida. Até que ponto a crença numa divindade pode legitimar acções eticamente condenáveis à luz da mentalidade contemporânea? Não são só a ciência e a tecnologia que evoluem, a consciência também evolui, e poderíamos colocar a mesma questão para acções legitimadas precisamente pela descrença na divindade... Para além disso, há tradições sapicenciais tão ou mais antigas como a Ocidental que nos apresentam soluções éticas altamente sofisticadas e defendo (uma vez que o Daniel aborda o assunto da educação, que me interessa particularmente) que a cultura lusófona se deve pautar por critérios de universalidade.
Quanto ao resto, estou totalmente de acordo consigo.

Ariana Lusitana disse...

"A religião é o ópio do povo" Karl Marx

Não me custa citar o pai do socialismo porque é importante destacar a alienação que alimenta ainda o pensamento. Também Hegel afirmou que a pobreza é mãe de todas as misérias. Falta analisar a pobreza de espírito que alimenta as elites que neste país contribuem para os sistemas de opressão e de exploração dos mais humildes. A autonomia de que falou Stirner, a que deve contruir o Homem Novo, ou a defesa do estado-nação-língua em Fichte recusam também a alienação.
Deus é inimigo do estado. A cidadania é um combate em que cada patriota enfrenta a ignorância e o monopólio da cultura e da informação naqueles que precisam da miséria para que os vejam como piedosos.

João Beato disse...

Caro Renato,

certamente compreendeste o ponto de vista que tentei comunicar. A "autocensura" foi simplesmente um jogo irónico...

Abraço sincero

Renato Epifânio disse...

O problema, caro João, é que houve gente que te levou demasiado a sério...

Daniel disse...

Caro João,

Ora essa questão que aponta é uma questão bem mais objectiva e clara. O que é preciso, para já, é analisar muito bem essa noção de religião. O que é que cabe afinal na religião? São os textos sagrados, ou que se assumem como sagrados, ou aquilo que certas pessoas dizem ser a interpretação correcta desses mesmos textos? Uma coisa é aquilo que a religião é; outra coisa, e não raras vezes bastante diferente, é aquilo que as pessoas dizem que a religião é. Portanto, e se quisermos ir ao cristianismo, podemos perguntar se aquilo que o Papa diz ou decreta pode ser considerado religião. É evidente que esse não é o caso. Aquilo que o Papa ou qualquer outra pessoa diz que é religião só será religião se, de facto, estiver de acordo com o sentido ou a mensagem dos textos sagrados. Ou até podemos ir mais longe: só é religião aquilo que está de acordo com a mensagem do homem ou dos homens que fizeram com que ela aparecesse - no nosso caso podíamos dizer Jesus Cristo. Portanto, é tão importante saber distinguir religião de texto sagrado como é importante saber distinguir o que é essa religião daquilo que outras pessoas fazem dela. Parece-me que a solução aqui é bem óbvia: analise cada um de nós aquilo que os textos sagrados dizem, aquilo que os textos sagrados querem dizer (e atenção que são duas coisas bastante diferentes) e aquilo que as pessoas dizem ou defendem que eles são. Se, depois de conhecermos muito bem a mensagem que emana dos textos (o seu significado, que aliás permanece sempre oculto, e nunca nas palavras escritas ou faladas), acharmos que os textos reflectem a mensagem de, digamos para o caso do cristianismo, Cristo, então aceitemo-los. Se não, recusemo-los. Se acharmos que aquilo que o Papa ou qualquer outra pessoa defenda reflecte essa mensagem, procedamos da mesma maneira. Trata-se de ter uma atitude crítica em relação àquilo que nos vem de fora; e, havendo uma, e procurando ser ela exercida com a maior clareza de espírito possível, está o assunto arrumado. Depois, quanto à prática, cada um faz aquilo que melhor acha de acordo com aquilo que pensa. É por isso que acho que esta questão teórica - que, na verdade, é mais ética que outra coisa - é muito pouco interessante, e de fácil resolução. Quando se trata de cumprir medidas, planos, na prática, é que a coisa é muito mais difícil; e nós, se queremos realmente fazer da Terra o Céu luminoso que está lá no alto (podemos dizê-lo assim), então temos obrigatoriamente de nos voltar para o estudo das coisas aplicadas: da agronomia, da economia mundial e nacional, da pedagogia e do ensino, da escolaridade obrigatória, da saúde, da tecnologia, da divulgação cultural, etc. etc. Para isso é que este blogue deveria servir.

João Beato disse...

Daniel, se acha que a questão ética é assim de tão fácil resolução por que motivo não se habilita o senhor para resolver de uma vez por todas o conflito religioso do Médio Oriente? Sabe, é que independentemente das separações todas que quiser fazer entre o que é ou o que poderá ser religião, há pessoas que se acham no direito de cometer acções que violam os mais basilares princípios éticos, sem qualquer impunidade, simplesmente porque um determinado texto é considerado como "sagrado" podendo, por isso, ser interpretado literalmente. E assim apedreja-se uma mulher até à morte, tal como Deus determinou a Moisés que se deveria fazer, e matam-se milhares de inocentes (mas "infiés"), sendo que quem o faz está convencido de que será devidamente recompensado no Paraíso. Mas, como diz o Daniel, "quanto à prática, cada um faz aquilo que melhor acha de acordo com aquilo que pensa". De facto, quem comete esse tipo de acções acha que está a fazer o melhor para si próprio e para os outros.
Muito bem... E nós, que "queremos fazer da Terra o Céu luminoso", não temos nada que nos preocupar, na sua opinião, com essas pessoas. A ética é um assunto muito pouco interessante, de fácil resolução e está arrumado... Eles têm as leis deles e nós temos as nossas. Nós vamos transformar a CPLP num Paraíso, eles que façam o que entederem. Se mandarem para o nosso Paraíso um bombista suicida, nós mandamos para o Inferno deles os nossos agrónomos, economistas, médicos, engenheiros, pedagosos, etc. Estou a ver a sua perpectiva...

Daniel disse...

João: a questão ética, disse-o, e reafirmo-o, é de fácil resolução; mas isso não quer dizer que já esteja resolvida: o difícil está, uma vez mais, em seguirem as pessoas com aquilo que é realmente ético, que é a máxima liberdade para si e, em simultâneo, para toda a gente. Por isso é que os conflitos religiosos não estão resolvidos. E outro erro, talvez o maior erro que até hoje já se cometeu, é o de se interpretar literalmente um texto que se julga ou diz ser sagrado (e, depois, são mais sagrados os evangelhos gnósticos ou a bíblia?, por exemplo, também é preciso decidir isso), texto esse que, pelas suas próprias características, é eminentemente simbólico, e portanto não pode ser totalmente compreendido se os símbolos que nele existem não forem correctamente interpretados. E isto é coisa que vale tanto para as guerras do médio oriente como para as guerras que opuseram, e ainda opõem, por exemplo, na biologia, os ditos criacionistas e os evolucionistas. Quando me estou a referir àquela parte do fazer cada um, na prática, aquilo que melhor acha não se trata de nada disso que o senhor diz. No seguimento do que eu estava a dizer, significa simplesmente que, uma vez havendo essa atitude crítica, cada um é livre de acreditar num Deus, em vários deuses ou até no Nada Absoluto - ou seja o que for. Mas havendo uma atitude crítica, não existe lugar para dogmatismos acríticos, completamente infundados e derivados daquilo que, por exemplo, determinado líder religioso de uma comunidade diz ou pensa. Agora... acha realmente que com uma discussão meramente teórica num blogue vai alguma vez resolver o problema do médio oriente?! Obviamente que não! O que nós temos que fazer aqui é ir à raiz do problema, e a raiz do problema reside exactamente na falta de cultura que as pessoas têm e que as leva a acreditar naquilo que os outros lhes dizem ser verdade - sem ter havido antes ou depois uma atitude crítica, um juízo, uma análise lúcida de todas essas questões. E em relação a isso, quanto a mim, parece-me que podemos fazer alguma coisa, até mesmo num blogue. Podemos, por exemplo, dar cultura às pessoas - a maneira mais simples e mais directa talvez seja mesmo a de escolher um tema de que gostemos e ir falar às pessoas, e nem precisa de ser sob a forma de um curso livre, pode ser apenas uma convocatória, uma reunião, ou uma celebração dos 400 anos do nascimento do António Vieira, por exemplo; pode ser um artigo num jornal ou um boletim cultural de uma escola. Mas tudo tem que ser no sentido de pôr as pessoas a pensar, de desenvolver essa atitude crítica - em relação a si próprio e em relação aos outros. Se calhar, assim, vamos deixar de ter mais marionetas por aí, e se calhar ainda havemos de evitar muitos conflitos religiosos fundados na ignorância. E era para isso que este blogue deveria servir, para encontrar as pessoas que estão dispostas a isso e para que elas se organizassem, se mobilizassem, para fazer alguma coisa e não apenas dizer mal disto ou daquilo ou meter um poeminha ou outro. E deixe-me que lhe diga outra coisa: não é por acaso que o próprio Agostinho da Silva defendia que o que era preciso para encarrilar o mundo era que houvesse mais geómetras - não no sentido matemático da coisa, mas apenas na atitude crítica, objectiva, límpida, com que passam da teoria (que é tão bonita, mas que vale de muito pouco face) à prática. Infelizmente, o que menos vejo aqui são geómetras. Coitado do Agostinho...

Ariana Lusitana disse...

A ética não é a política. Se é ético ou não o aborto não é uma questão política, a questão política é quais as vantagens sociais de aceitar ou não o aborto e isto tem um contexto. Numa sociedade onde o número de abortos seja diminuto, seja ou não proibido abortar, a questão não se coloca. Numa sociedade superpopulosa ou com baixa natalidade a questão do aborto coloca-se de um modo mais forte, tal como numa sociedade em que um elevado número de abortos aconteça e seja proibido. São tudo questões práticas.
A ética é uma falácia. Matar não é bom nem mau, é parte do bem comum consoante as necessidades, executar um criminoso, matar milhões numa guerra, tudo é justificável segundo os contextos. Depende muito se fazê-lo é entendido por uma sociedade como necessário à sua sobrevivência.
Do mesmo modo a existência de Deus é uma questão filosófica, não é política. A questão política é banir Deus da civilização e não discutir a sua existência. Deus tem sido banido da civilização no movimento do progresso porque a ideia de Deus não permite nenhuma sobrevivência prática, não resolve problemas económicos, não faz pontes e tudo o mais, é a ideia de algo invisível, que remete para o campo individual da crença, sob o ponto de vista do estado é igual à preferência por lingerie ousada, algo do domínio íntimo.
As ilusões que vêm dos gregos levam à ideia do domínio da filosofia sobre a política, mas isto é falso. A política existe desde que os primeiros hominídeos criaram hierarquias, de reprodução, de alimentação, sociais. A política nasce com a ordem, com o estabelecimento de um poder que reforça os modos de gregarismo.
Deus envenena a sociedade com a utopia de uma ordem ética, de verdadeiro e falso, bem e mal, de boas vontades, tiranizando o indivíduo com a estupidez dos preconceitos de cada um. O estado enquanto forma suprema da ordem não é ético, é apenas o produto de um acordo que revela a consertação possível entre as diferenças dos indivíduos, aplicando de um modo colectivo e igual a tirania individual que todos querem exercer sobre todos.
Deus e a ética são duas das ideias mais despropositadamente tirânicas e estúpidas que a humanidade inventou.