Dissertar sobre um determinado pensamento é, fatalmente, dissertar sobre a sua actualidade. Só nos é possível falar de um determinado pensador na exacta medida em que ele tem ainda algo para nos dizer. O mesmo se passa com António Vieira, com o seu pensamento, com o seu projecto: o Quinto Império. O mesmo se passa com Platão, Aristóteles, Nietzsche ou Hegel. Se eles já não têm nada para nos dizer, impossível, ou, se possível, inteiramente fútil, é falar sobre eles. Tão inteiramente fútil quanto avaliar a importância de um determinado pensamento no estrito horizonte da sua época – se um pensamento tem algum valor é na exacta medida em que transcende o estrito horizonte da sua época, em que consegue repercutir-se na actualidade... Nessa medida, ao dissertarmos sobre o projecto quinto-imperial de António Vieira, iremos procurar, sobretudo, dissertar sobre a sua “actualidade”.
III
Cumprindo-se o Quinto Império em todos os lugares, houve, contudo, um lugar que António Vieira expressamente destacou: o seu, o nosso próprio país, Portugal. Daí, aliás, a outra objecção que recorrentemente se levanta a propósito do projecto quinto-imperial de Vieira – o desproporcionado destaque dado a este país no trânsito de realização do Quinto Império, o aparentemente inusitado protagonismo que Vieira lhe confere.
De imediato, traça-se aqui uma intransponível fronteira. Enquanto que os mais nacionalistas se extasiam com tal destaque, todos os outros portugueses, e, sobretudo, todos os não portugueses, se insurgem. Uma vez mais, contudo, incorrem numa série de equívocos aqueles que assim imediatamente reagem – quer aqueles que se extasiam com tal destaque, quer aqueles que contra esse destaque protestam. Com efeito, longe está António Vieira de pretender fazer uma afirmação nacionalista, unilateral, do nosso país. Ao invés, Portugal simbolizava, a seus olhos, a futura transcensão de todas as afirmações unilaterais.
Porque o Quinto Império se cumpre na transcensão de todas as afirmações unilaterais, de todas as afirmações nacionalistas, havia, segundo António Vieira, que dar o exemplo. Daí o papel de Portugal. As razões de tal protagonismo, tão aparentemente inusitado, não se prendem, contudo, com a nossa grandeza – prendem-se antes, paradoxalmente, com a nossa pequenez. Porque Portugal era, na época, o mais pequeno de todos os países, o mais pequeno de todos os grandes países, ser-lhe-ia à partida mais fácil transcender a afirmação unilateral, a afirmação nacionalista, de si próprio.
Com efeito, a realização do projecto quinto-imperial afrontava directamente os interesses dos grandes países da época – desde logo porque os grandes países são, à partida, os mais ciosos das suas fronteiras. Portugal, ao invés, enquanto pequeno país, enquanto o mais pequeno de todos os grandes países da época, pouco ou nada tinha a perder a esse respeito – o seu território era ínfimo, só ele, mais do que nenhum outro, poderia aceitar que o verdadeiro império, o império que mais importa, não é um império terreno, antes espiritual. Ao invés, todos os outros países, todos os outros grandes países, porque em demasia ciosos das suas fronteiras, do seu território, só muito dificilmente poderiam aceitar tal ideia – ela punha em causa a sua suposta grandeza.
Efectivamente, só um pequeno país, só o mais pequeno de todos os grandes países, estaria, à partida, disposto a aceitar que o verdadeiro império, o império que mais importa, não é um império terreno, mas sim um império espiritual. Daí, em suma, a razão da escolha de Portugal. Portugal foi o país escolhido para dinamizar todo esse trânsito de realização do projecto quinto-imperial porque, aos olhos de Vieira, ele era, mais do que nenhum outro, aquele que, à partida, estaria mais disponível para realizar esse mesmo trânsito – na transcensão de todas as afirmações unilaterais, de todas as afirmações nacionalistas, de todas as ilusórias fronteiras, de todas as conquistas terrenas, em última instância vãs.
A afirmação vieirina de Portugal não se constitui pois, por isso, como uma afirmação unilateral ou nacionalista – tal seria completamente incompatível com a lógica do projecto quinto-imperial, não se cumprisse este na incessante, na infinita transcensão de toda as afirmações unilaterais ou nacionalistas, de todas as ilusórias fronteiras, de todas as vãs conquistas terrenas, no progressivo descentramento de todo o homem relativamente a si próprio enquanto tal, na sua gradual abertura ao absoluto ser divino, ao absoluto ser da verdade. Ao invés, a afirmação vieirina de Portugal constitui-se como uma forma de auto-negação, diríamos mesmo, como a forma da sua auto-negação extrema. Eis, aliás, o que intuiu Agostinho da Silva, de longe o maior de todos os seguidores de Vieira no século XX, quando escreveu: “Só então Portugal, por já não ser, será.”.
III
Cumprindo-se o Quinto Império em todos os lugares, houve, contudo, um lugar que António Vieira expressamente destacou: o seu, o nosso próprio país, Portugal. Daí, aliás, a outra objecção que recorrentemente se levanta a propósito do projecto quinto-imperial de Vieira – o desproporcionado destaque dado a este país no trânsito de realização do Quinto Império, o aparentemente inusitado protagonismo que Vieira lhe confere.
De imediato, traça-se aqui uma intransponível fronteira. Enquanto que os mais nacionalistas se extasiam com tal destaque, todos os outros portugueses, e, sobretudo, todos os não portugueses, se insurgem. Uma vez mais, contudo, incorrem numa série de equívocos aqueles que assim imediatamente reagem – quer aqueles que se extasiam com tal destaque, quer aqueles que contra esse destaque protestam. Com efeito, longe está António Vieira de pretender fazer uma afirmação nacionalista, unilateral, do nosso país. Ao invés, Portugal simbolizava, a seus olhos, a futura transcensão de todas as afirmações unilaterais.
Porque o Quinto Império se cumpre na transcensão de todas as afirmações unilaterais, de todas as afirmações nacionalistas, havia, segundo António Vieira, que dar o exemplo. Daí o papel de Portugal. As razões de tal protagonismo, tão aparentemente inusitado, não se prendem, contudo, com a nossa grandeza – prendem-se antes, paradoxalmente, com a nossa pequenez. Porque Portugal era, na época, o mais pequeno de todos os países, o mais pequeno de todos os grandes países, ser-lhe-ia à partida mais fácil transcender a afirmação unilateral, a afirmação nacionalista, de si próprio.
Com efeito, a realização do projecto quinto-imperial afrontava directamente os interesses dos grandes países da época – desde logo porque os grandes países são, à partida, os mais ciosos das suas fronteiras. Portugal, ao invés, enquanto pequeno país, enquanto o mais pequeno de todos os grandes países da época, pouco ou nada tinha a perder a esse respeito – o seu território era ínfimo, só ele, mais do que nenhum outro, poderia aceitar que o verdadeiro império, o império que mais importa, não é um império terreno, antes espiritual. Ao invés, todos os outros países, todos os outros grandes países, porque em demasia ciosos das suas fronteiras, do seu território, só muito dificilmente poderiam aceitar tal ideia – ela punha em causa a sua suposta grandeza.
Efectivamente, só um pequeno país, só o mais pequeno de todos os grandes países, estaria, à partida, disposto a aceitar que o verdadeiro império, o império que mais importa, não é um império terreno, mas sim um império espiritual. Daí, em suma, a razão da escolha de Portugal. Portugal foi o país escolhido para dinamizar todo esse trânsito de realização do projecto quinto-imperial porque, aos olhos de Vieira, ele era, mais do que nenhum outro, aquele que, à partida, estaria mais disponível para realizar esse mesmo trânsito – na transcensão de todas as afirmações unilaterais, de todas as afirmações nacionalistas, de todas as ilusórias fronteiras, de todas as conquistas terrenas, em última instância vãs.
A afirmação vieirina de Portugal não se constitui pois, por isso, como uma afirmação unilateral ou nacionalista – tal seria completamente incompatível com a lógica do projecto quinto-imperial, não se cumprisse este na incessante, na infinita transcensão de toda as afirmações unilaterais ou nacionalistas, de todas as ilusórias fronteiras, de todas as vãs conquistas terrenas, no progressivo descentramento de todo o homem relativamente a si próprio enquanto tal, na sua gradual abertura ao absoluto ser divino, ao absoluto ser da verdade. Ao invés, a afirmação vieirina de Portugal constitui-se como uma forma de auto-negação, diríamos mesmo, como a forma da sua auto-negação extrema. Eis, aliás, o que intuiu Agostinho da Silva, de longe o maior de todos os seguidores de Vieira no século XX, quando escreveu: “Só então Portugal, por já não ser, será.”.
Sem comentários:
Enviar um comentário