
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Mário de Sá-Carneiro
Apontamento Biográfico
Filho e neto de militares, Mário de Sá-Carneiro nasceu, na cidade de Lisboa, no dia 19 de Maio de 1890. Aos dois anos de idade ficou órfão de mãe e foi entregue aos cuidados dos avós. Passou a residir, então, em Camarate, na Quinta da Vitória.
Aos dez anos entra para o Liceu do Carmo e, logo depois, começa a escrever poesia. Em 1909 é transferido para o Liceu Camões. Em 1911 matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra mas não termina sequer o primeiro ano de licenciatura. Por esta altura, torna-se amigo de Fernando Pessoa (1888-1935). Ruma a Paris com o objectivo de estudar Direito na Sorbonne, no entanto, ao invés disso, experiencia uma vida de boémia. Na cidade parisiense, convive, sobretudo, com Santa-Rita Pintor (1889-1918). Regressará a Lisboa, em 1914, e, ao lado do seu amigo Pessoa, preparará o 1.º número da revista Orpheu (editada em Março de 1915). Três meses depois é lançado o 2.º número e, pouco tempo a seguir, Sá-Carneiro encaminha-se novamente para Paris. De lá, escreve a Pessoa noticiando o cancelamento do patrocínio que o seu pai concedia à revista Orpheu. Cheio de angústias, passará a comentar com o autor de A Mensagem a vontade de se suicidar.
Por motivos de ordem sentimental e também financeira, Mário de Sá-Carneiro, no auge dos seus quase 26 anos, põe termo à sua vida no dia 26 de Abril de 1916, no Hotel de Nice, na capital francesa, com vários frascos de estricnina.
Apontamento Crítico
Ao lado de Fernando Pessoa e de José de Almada Negreiros (1893-1970), Mário de Sá-Carneiro é um dos fundadores do primeiro modernismo português, congeminado entre os anos de 1912 e 1917. As edições da revista Orpheu e, posteriormente, já depois da morte de Sá-Carneiro, da revista Portugal Futurista, foram fundamentais para a implementação de tal movimento no país. Como sabemos, as suas principais características resumiam-se, entre outras, na defesa da esperança no futuro, do tema da solidão e do solipsismo, da dialéctica do ser e do não-ser, do dilema entre sonho e realidade, da experiência vária e variada do eu, do apelo do paradoxo, do sensacionismo. Para além disto, o modernismo também se interrogava quanto à crise do homem perante a modernidade e quanto ao confronto entre mundo interior e mundo exterior.
Nesta perspectiva, e antes da sua obra se ter voltado mais para o futurismo (movimento criado pelo italiano Filippo Marinetti (1876-1944), que teve uma adesão estrondosa em autores como Almada e Pessoa), para o interseccionismo e para o paulismo pessoanos, o nosso autor foi influenciado pelo decandentismo português e italiano, pelo simbolismo e ainda pelo saudosismo. Este último, por outro lado, acompanha-lo-á até ao fim da sua vida e até aos seus últimos escritos.
Poeta desde os seus doze anos de idade e membro activo do Grupo d’ Orpheu, Mário de Sá-Carneiro revela na letra e no espírito da sua escrita um homem atormentado e, por vezes até, alucinado. Ao preocupar-se demasiadamente com a exposição do seu eu interior, o poeta acabará por cair numa egolatria e num narcisismo exagerados. Na realidade, os seus estados emocionais e as sua frustrações, muitos deles motivados pela orfandade que, desde cedo, o acometeu, e por um sentimento infindo de solidão ("Olho em volta de mim. Todos possuem - / Um afecto, um sorriso ou um abraço. / Só para mim as ânsias se diluem / E não possuo mesmo quando enlaço”), vão levá-lo a percorrer duas vias: a primeira diz respeito ao sentimento de aniquilação do seu próprio eu (que, como sabemos, será experienciado ao limite pelo autor: o suicídio); a segunda é relativa a um auto-sarcasmo. Em muitas das suas poesias, Sá-Carneiro desdenha de si próprio, apresenta-se como um homem inútil (“A minha vida sentou-se / E não há quem a levante, / Que desde o Poente ao Levante / A minha vida fartou-se. § E ei-la, a mona, lá está, / Estendida, a perna traçada, / No infindável sofá / Da minha Alma estofada”), inapto, desajeitado, enfastiado (“Nada me expira já, nada me vive - / Nem a tristeza nem as horas belas. / De as não ter e de nunca vir a tê-las, / Fartam-me até as coisas que não tive”), enfim, alguém que sempre esteve inconformado com a sua própria personalidade e com a sua própria vida. Por esse motivo, talvez só a dissolução total, só a morte, o possam salvar da desgraça e da miséria em que se constitui a vivência humana. Ainda assim, num dos seus poemas mais emblemáticos – Fim -, Mário de Sá-Carneiro ridiculariza a sua própria morte: “Quando eu morrer batam em latas, / Rompam aos saltos e aos pinotes, / Façam estalar no ar chicotes, / Chamem palhaços e acrobatas! § Que o meu caixão vá sobre um burro / Ajaezado à andaluza... / A um morto nada se recusa, / Eu quero por força ir de burro.”
De todo o modo, Mário de Sá-Carneiro é um dos grandes escritores da literatura moderna portuguesa que, devido ao reconhecimento que Fernando Pessoa alcançou – como expoente desta mesma literatura moderna, em Portugal -, começou a ser mais estudado e apreciado.
Bibliografia Indicativa
Amizade (1912)
Princípio (1912)
A Confissão de Lúcio (1913)
Dispersão (1914)
Céu em Fogo (1915)
Indícios de Oiro (1937)
Cartas a Fernando Pessoa (1958/1959)
Filho e neto de militares, Mário de Sá-Carneiro nasceu, na cidade de Lisboa, no dia 19 de Maio de 1890. Aos dois anos de idade ficou órfão de mãe e foi entregue aos cuidados dos avós. Passou a residir, então, em Camarate, na Quinta da Vitória.
Aos dez anos entra para o Liceu do Carmo e, logo depois, começa a escrever poesia. Em 1909 é transferido para o Liceu Camões. Em 1911 matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra mas não termina sequer o primeiro ano de licenciatura. Por esta altura, torna-se amigo de Fernando Pessoa (1888-1935). Ruma a Paris com o objectivo de estudar Direito na Sorbonne, no entanto, ao invés disso, experiencia uma vida de boémia. Na cidade parisiense, convive, sobretudo, com Santa-Rita Pintor (1889-1918). Regressará a Lisboa, em 1914, e, ao lado do seu amigo Pessoa, preparará o 1.º número da revista Orpheu (editada em Março de 1915). Três meses depois é lançado o 2.º número e, pouco tempo a seguir, Sá-Carneiro encaminha-se novamente para Paris. De lá, escreve a Pessoa noticiando o cancelamento do patrocínio que o seu pai concedia à revista Orpheu. Cheio de angústias, passará a comentar com o autor de A Mensagem a vontade de se suicidar.
Por motivos de ordem sentimental e também financeira, Mário de Sá-Carneiro, no auge dos seus quase 26 anos, põe termo à sua vida no dia 26 de Abril de 1916, no Hotel de Nice, na capital francesa, com vários frascos de estricnina.
Apontamento Crítico
Ao lado de Fernando Pessoa e de José de Almada Negreiros (1893-1970), Mário de Sá-Carneiro é um dos fundadores do primeiro modernismo português, congeminado entre os anos de 1912 e 1917. As edições da revista Orpheu e, posteriormente, já depois da morte de Sá-Carneiro, da revista Portugal Futurista, foram fundamentais para a implementação de tal movimento no país. Como sabemos, as suas principais características resumiam-se, entre outras, na defesa da esperança no futuro, do tema da solidão e do solipsismo, da dialéctica do ser e do não-ser, do dilema entre sonho e realidade, da experiência vária e variada do eu, do apelo do paradoxo, do sensacionismo. Para além disto, o modernismo também se interrogava quanto à crise do homem perante a modernidade e quanto ao confronto entre mundo interior e mundo exterior.
Nesta perspectiva, e antes da sua obra se ter voltado mais para o futurismo (movimento criado pelo italiano Filippo Marinetti (1876-1944), que teve uma adesão estrondosa em autores como Almada e Pessoa), para o interseccionismo e para o paulismo pessoanos, o nosso autor foi influenciado pelo decandentismo português e italiano, pelo simbolismo e ainda pelo saudosismo. Este último, por outro lado, acompanha-lo-á até ao fim da sua vida e até aos seus últimos escritos.
Poeta desde os seus doze anos de idade e membro activo do Grupo d’ Orpheu, Mário de Sá-Carneiro revela na letra e no espírito da sua escrita um homem atormentado e, por vezes até, alucinado. Ao preocupar-se demasiadamente com a exposição do seu eu interior, o poeta acabará por cair numa egolatria e num narcisismo exagerados. Na realidade, os seus estados emocionais e as sua frustrações, muitos deles motivados pela orfandade que, desde cedo, o acometeu, e por um sentimento infindo de solidão ("Olho em volta de mim. Todos possuem - / Um afecto, um sorriso ou um abraço. / Só para mim as ânsias se diluem / E não possuo mesmo quando enlaço”), vão levá-lo a percorrer duas vias: a primeira diz respeito ao sentimento de aniquilação do seu próprio eu (que, como sabemos, será experienciado ao limite pelo autor: o suicídio); a segunda é relativa a um auto-sarcasmo. Em muitas das suas poesias, Sá-Carneiro desdenha de si próprio, apresenta-se como um homem inútil (“A minha vida sentou-se / E não há quem a levante, / Que desde o Poente ao Levante / A minha vida fartou-se. § E ei-la, a mona, lá está, / Estendida, a perna traçada, / No infindável sofá / Da minha Alma estofada”), inapto, desajeitado, enfastiado (“Nada me expira já, nada me vive - / Nem a tristeza nem as horas belas. / De as não ter e de nunca vir a tê-las, / Fartam-me até as coisas que não tive”), enfim, alguém que sempre esteve inconformado com a sua própria personalidade e com a sua própria vida. Por esse motivo, talvez só a dissolução total, só a morte, o possam salvar da desgraça e da miséria em que se constitui a vivência humana. Ainda assim, num dos seus poemas mais emblemáticos – Fim -, Mário de Sá-Carneiro ridiculariza a sua própria morte: “Quando eu morrer batam em latas, / Rompam aos saltos e aos pinotes, / Façam estalar no ar chicotes, / Chamem palhaços e acrobatas! § Que o meu caixão vá sobre um burro / Ajaezado à andaluza... / A um morto nada se recusa, / Eu quero por força ir de burro.”
De todo o modo, Mário de Sá-Carneiro é um dos grandes escritores da literatura moderna portuguesa que, devido ao reconhecimento que Fernando Pessoa alcançou – como expoente desta mesma literatura moderna, em Portugal -, começou a ser mais estudado e apreciado.
Bibliografia Indicativa
Amizade (1912)
Princípio (1912)
A Confissão de Lúcio (1913)
Dispersão (1914)
Céu em Fogo (1915)
Indícios de Oiro (1937)
Cartas a Fernando Pessoa (1958/1959)
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