A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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terça-feira, 24 de junho de 2008

Ariano Suassuna (1927)


“A Sentença já foi proferida. Saia de casa e cruze o Tabuleiro pedregoso. Só lhe pertence o que por você for decifrado. Beba o Fogo na taça de pedra dos Lajedos. Registre as malhas e o pêlo fulvo do Jaguar, o pêlo vermelho da Suçuarana, o Cacto com seus frutos estrelados. Anote o Pássaro com sua flecha aurinegra e a Tocha incendiada das Macambiras cor-de-sangue. Salve o que vai perecer: O Efêmero sagrado, as energias desperdiçadas, a luta sem grandeza, o Heróico assassinado em segredo, O que foi marcado de estrelas – tudo aquilo que, depois de salvo e assinalado, será para sempre e exclusivamente seu. Celebre a raça de Reis escusos, com a Coroa pingando sangue; o Cavaleiro em sua Busca errante, a Dama com as mãos ocultas, os Anjos com sua espada, e o Sol malhado do Divino com seu Gavião de ouro. Entre o Sol e os cardos, entre a pedra e a Estrela, você caminha no Inconcebível. Por isso, mesmo sem decifrá-lo, tem que cantar o enigma da Fronteira, a estranha região onde o sangue se queima aos olhos de fogo da Onça-Malhada do Divino. Faça isso, sob pena de morte! Mas sabendo, desde já que é inútil. Quebre as cordas de prata da Viola: a Prisão já foi decretada! Colocaram grossas barras e correntes ferrujosas na Cadeia. Ergueram o Patíbulo com madeira nova e afiaram o gume do Machado. O Estigma permanece. O silêncio queima o veneno das Serpentes e, no Campo de sono ensangüentado, arde em brasa o Sonho perdido, tentando em vão reedificar seus Dias, para sempre destroçados”.
Ariano Suassuna, Romance d’A Pedra do Reino, Folheto XLIV

Ariano Villar Suassuna nasceu em Nossa Senhora das Neves (actualmente João Pessoa - Brasil), no dia 16 de Junho de 1927. Fez, portanto, na semana passada, 81 anos. Filho do Deputado Federal João Suassuna (1886-1930), Ariano fica órfão logo aos 3 anos de idade já que o seu pai fora assassinado por motivos políticos relacionados à Revolução de 1930. Com a mãe e os seus irmãos, Ariano Suassuna passa a infância na fazenda Acauhan, no sertão da Paraíba, e depois no município de Taperoá (onde inicia os seus primeiros estudos). Só em 1942 é que a família se fixa na cidade do Recife. Depois de ter estudado nos colégios e ginásios mais renomados desta terra, Ariano frequenta a Faculdade de Direito do Recife e posteriormente a de Filosofia, nas quais se licencia, respectivamente em 1950 e 1964.
Começa a dedicar-se ao teatro logo na década de 40 e, no início dos anos 50, torna-se advogado. Contudo, a partir de 1956, Suassuna renuncia ao exercício da advocacia e inicia a sua carreira de professor de Estética na Universidade Federal de Pernambuco. No ano de 1969 é nomeado Director do Departamento de Extensão Cultural da mesma universidade e começa a engendrar o Movimento Armorial (que, em traços muito largos, consiste na criação de uma arte erudita a partir dos elementos que a arte popular do nordeste brasileiro disponibiliza). Em 1976, com a tese “A Onça Castanha e a Ilha Brasil: Uma Reflexão sobre a Cultura Brasileira”, torna-se professor agregado na sua Universidade.
Desde 1990, Ariano Suassuna ocupa a cadeira número 32 da Academia Brasileira de Letras e, anos depois, tomará posse também nas Academias de Letras de Pernambuco (1993) e da Paraíba (2000). Em 1994 reforma-se da universidade e, no ano seguinte, é nomeado Secretário Estadual de Cultura do Estado de Pernambuco. Em 2000, recebe o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Desde há alguns anos a esta parte, Ariano Suassuna ocupa-se da escritura de um novo romance que visa culminar a trilogia encetada com o Romance d’ A Pedra do Reino (escrito durante doze longos anos) e com A História d’O Rei Degolado.
É muito comum ouvir-se dizer que Ariano Suassuna é um dos maiores escritores vivos de língua portuguesa. Para além de ser um cliché, discutível como todos os outros, quando lemos o Romance d’A Pedra do Reino, ficamos convencidos, sem quaisquer dúvidas, que é isso mesmo que Ariano é, talvez até mais: o maior escritor vivo de língua portuguesa.
A sua escrita irrepreensível, embora hermética na maioria dos casos, conduz-nos para a vivência de um Brasil que, para além de ser o Brasil da sua infância - dos sertões paraíbanos a perder de vista, que estão replectos de imagens ibéricas (de Camões (1524?-1580) a Cervantes (1547-1616); de sebastianismos a Vieira (1608-1697)), de sincretismos luso-afro-brasileiros, de Canudos de Euclides da Cunha (1866-1909) e de António Conselheiro (1830-1897) -, é também o Brasil que um Jaime Cortesão (1884-1960) ou que um Agostinho da Silva (1906-1994) encontraram e exaltaram, na década de 40 do século passado, quando aí aportaram e ainda aquele com o qual temos contacto quando assistimos a uma cavalhada entre Cristãos e Mouros, no Domingo de Pentecostes, ou quando ouvimos, em pleno São João, as ladainhas das cantadeiras do Maranhão invocando o desembarque, nas águas de São Luís, da corte real portuguesa, em especial de El Rei Dom Sebastião (1554-1578).
Se o universo literário de Suassuna não deixa de ser mítico em certa medida, por outro lado tudo aquilo existe no nordeste brasileiro. Não só no imaginário de um homem que teve a sorte de, enquanto menino, ler, na biblioteca do seu pai, os maiores escritores, inclusive os ibéricos, mas também na imaginação popular e na manifestação que esse mesmo povo, herdeiro da guerra de Canudos, foi reinventando e recriando. A história, o tempo e o espaço do Romance d’A Pedra do Reino residem, então, no imaginário colectivo daqueles sertões infindáveis, não são apenas exclusivos da mente ou da vida de Ariano Suassuna. Aliás, a literatura oral e popular é uma das maiores fontes de inspiração do nosso autor que tão exemplar e felizmente a recria e transmuta. Dom Pedro Dinis Quaderna, personagem principal do Romance, e todas as outras figuras que povoam tal obra são, no fundo, vidas reais dos sertões como Suassuna, no mesmo livro, assume: “É por isso que eu digo que os fidalgos normandos eram cangaceiros e que tanto vale um Cangaceiro quanto um Cavaleiro medieval. Aliás, os Cantadores e fazedores de romances sertanejos sabem disso muito bem, porque, como me fez notar o Professor Clemente, nos folhetos que Lino Pedra-Verde me traz para eu corrigir e imprimir na tipografia da Gazeta de Taperoá, as Fazendas Sertanejas são Reinos, os fazendeiros são Reis, Condes ou Barões, e as histórias são cheias de Princesas, Cavaleiros, filhos de fazendeiros e Cangaceiros, tudo misturado”.
O Romance d'A Pedra do Reino, em particular, e a obra de Ariano Suassuna, em geral, são mais do que a denúncia do hiato que existe entre o Brasil rural e regional e o Brasil urbano ou entre o “país real” e o “país oficial” (como lhe chamava Machado de Assis (1839-1908)), são relatos do universal, são expressões do arcaico que existe em todos os cantos do mundo e que se expressam, circunstancialmente, de maneiras diversas. Dom Pedro Dinis Quaderna não passa do Cavaleiro da Triste Figura ou do Cavaleiro do Elmo de Papelão (tal como António Cândido Franco (1956) caracteriza Dom Sebastião na sua Saga do Rei Menino); Dom Pedro Dinis Quaderna é o reflexo da luta eterna que, no interior do ser humano, se dá entre o hemisfério Rei e o hemisfério Palhaço.
De características tanto regionais quanto universais, o Romance d’A Pedra do Reino consagrou o poeta e o dramaturgo Suassuna enquanto romancista exímio e exemplar; fez com que o “país oficial” olhasse, mesmo que de relance, para o “país real”, com que o Brasil urbano se lembrasse que ainda existe um Brasil rural, pleno de vida, símbolos e mitologias.

Bibliografia
Teatro
Uma mulher vestida de Sol (1947)
Cantam as harpas de Sião (1948)
Os homens de barro (1949)
Auto de João da Cruz (1950)
Torturas de um coração ou Em boca fechada não entra mosquito (1951)
O arco desolado (1952)
Auto da Compadecida (1955)
O Santo e a Porca - O Casamento Suspeitoso (1957)
A Pena e a Lei (1959)
A Farsa da Boa Preguiça (1960)
A Caseira e a Catarina (1962)
As conchambranças de Quaderna (1987)
Ficção
A história de amor de Fernando e Isaura (1956)
Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971) – Prémio Nacional do Livro, 1972
As infâncias de Quaderna (1976-1977)
História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: Ao Sol da Onça Caetana (1977)
Ensaio
O Movimento Armorial (1974)
Iniciação à Estética (1975)
A Onça Castanha e a Ilha Brasil: Uma Reflexão sobre a Cultura Brasileira (1976)
Olavo Bilac e Fernando Pessoa: Uma presença brasileira em Mensagem? (1998)

3 comentários:

Deusa Odoyá disse...

Oi meu amigo e estimado Olivier.
Obrigado por suas palvras em meu blog.
Adoro os seus comentários.
Pois sempre aprendemos um pouco mais.

obrigado por ter como amigo.
volte sempre e um lindo texto.
beijos da sua amiga.
Regina Coeli.

Klatuu o embuçado disse...

Minha cara senhora, equivocou-se, os Portugueses também conhecem Ariano Suassuna.

Oliver, que convidei para este blogue conjunto, que eu saiba ainda nada publicou aqui.

Os melhores cumprimentos.

Lord of Erewhon disse...

Este foi escrito com mais do que a pena... está vivo.