A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
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terça-feira, 27 de maio de 2008
Um português chamado António Vieira: Vieira e o Mau Andamento da Guerra Holandesa no Pernambuco
Embora fosse um homem da sua época, formatado pelos padrões de normalidade e conceitos da sua época, Vieira não tinha a mesma concepção de “império” que a maioria dos seus contemporâneos defendia e aplicava. A dado ponto escreve o jesuíta: “Perde-se o Brasil, Senhor (digamo-lo em boa palavra) porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar o nosso bem, vêm buscar os nossos bens”. Acrescentado depois: “Muito deu em seu tempo Pernambuco, muito deu e dá hoje a Baía, e nada se logra, porque o que se tira do Brasil tira-se do Brasil; o Brasil o dá, Portugal o leva.”
Desde logo, é curioso como neste lamento pela “perda do Brasil”; Vieira assume-se em primeiro lugar como “brasileiro”, (“nossos bens”), como um “outro” a quem o Reino europeu procura perder na ânsia daqueles que lhe envia para o governar de rápidamente enriquecerem… Vieira dá neste ponto mostras do primeiro momento da erupção do sentimento nacionalista brasileiro, com este desabafo perante a atitude predatória destes ministros do Reino perante a colónia brasílica e também exprime a sua desilusão perante a persistência do Pernambuco nas mãos holandesas e perante a transformação do Brasil em mero ponto de partido de riquezas para sustentar as élites dirigentes do Império, em Lisboa. Estas expressões, e muitas outras proferidas por Vieira a favor dos direitos dos índios e dos escravos negros haveriam de granjear-lhe uma viva animosidade por parte dos colonos portugueses no Brasil.
Ao descrever a novo governador do Brasil, Dom Jorge Mascarenhas, marquês de Montalvão, a situação da guerra com os holandeses no Pernambuco, Vieira diz sobre os quatro generais que comandaram a campanha antes da chegada do marquês que “nenhum governou a guerra que a não entregasse ao seu sucessor em pior estado do que a recebera”, e a propósito daqueles militares que regressavam a Portugal e pediam benesses em nome dos seus feitos no Brasil: “Se foram verdadeiras todas as certidões dos soldados do Brasil, se aquelas rimas de façanhas em papel foram conformes a seu originais, que mais queríamos nós? Já não houvera Holanda, nem França, nem Turquia, todo o mundo fora nosso.” De novo, neste ponto, Vieira exprime a desilusão daqueles que além-Atlântico se começavam a sentir mais brasileiros que portugueses e que sentiam uma grande e crescente revolta perante a fraca qualidade dos generais que de Lisboa lhes íam enviando e que se revelavam incapazes de recuperar aos Países Baixos o terreno perdido em campanhas anteriores, e sobretudo, o rico e próspero Pernambuco.
De qualquer modo, é irónico que depois de ter consumido tanta energia e tempo a motivar os seus conterrâneos brasílicos animando-os na difícil “guerra holandesa” quando é forçado a abandonar o Brasil, pressionado pelo poderosos colonos que se reviram no famoso “Sermão de Santo António aos Peixes” (1654) e embarca num navio com destino a Lisboa quando este naufraga é recolhido precisamente por… um navio corsário holandês, que o salva e leva a bom porto, até à Graciosa, nos Açores. Ironias do destino, às quais nem Vieira estava imune…
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