CASA DOS ESTUDANTES DO IMPÉRIO
Para mais facilmente vigiar os africanos que estudam em Lisboa, a ditadura salazarista funda uma associação: Casa dos Estudantes do Império. Tiro pela culatra! Assim concentrados, para os africanos mais evidentes se tornam as diferenças entre colonizadores e colonizados. Intervenções culturais, debates sucessivos, o nacionalismo negro a levantar fervura. Diz Amílcar Cabral, o guineense estudante de Agronomia:
- Vivo intensamente a vida e dela extraí experiências que me deram uma direcção, uma via que devo seguir, sejam quais forem as perdas pessoais que isso me ocasione. É necessário o regresso a África. Eis a razão de ser da minha vida.
Avança Agostinho Neto:
- É mais triste que espantoso que uma grande parte de nós, os chamados assimilados, não sabe falar ou entender qualquer das nossas línguas! E isto é tanto mais dramático quanto é certo que pais há que proíbem os filhos de falar a língua dos seus avós. É claro, quem conhece o ambiente social em que estes fenómenos se produzem e vê no dia a dia o desenvolvimento impiedoso do processo de “coisificação” não se admirará de tanta falta de coragem. Este desconhecimento das línguas que impede a aproximação do intelectual junto do povo cava um fosso bem profundo entre os grupos chamados assimilados e indígena.
E afirma o Mário Pinto de Andrade:
Concentrados, os africanos agora querem “redescobrir” a África que era deles e deles deixou de ser...
In: http://www.vidaslusofonas.pt/mario_pinto_andrade.htm
A Casa dos Estudantes do Império, o Clube Marítimo Africano
e Repúblicas coimbrãs
Com sede na Avenida Duque d’ Ávila, n.º 23, em Lisboa e constituída por secções autónomas das diversas colónias – Cabo Verde e Guiné, S. Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Estado da Índia, Macau e Timor), cedo a Casa de Estudantes do Império se converteu num espaço de liberdade, tolerância, e fraternidade. Aí muitos estudantes das colónias descobriram raízes da sua cultura e identidade nacional em colóquios e debates aprofundados nos domínios antropológico, histórico e político por onde passaram reputados cientistas e intelectuais como Orlando Ribeiro, Henrique Abranches, Óscar Ribas e Humberto Fonseca.
Frequentaram a CEI nomes da música como o Ngola Ritmos e o Duo Ouro Negro, actores e artistas como Mário Barradas, Rogério Paulo, Rui Mingas, Luís Cília, Eleutério Sanches e Lili Tchiumba. Na revista »Mensagem» e outros boletins colaboraram valores das novas literaturas africanas como Alda Lara, Corsino Fortes, Ernesto Lara, Pepetela, Noémia de Sousa ou Manuel Rui.
Pela CEI passaram também líderes políticos e combatentes pelas novas pátrias como Óscar Monteiro, Vasco Cabral, Américo Boavida, Francisco Sousa Machado, Diógenes Boavida, Sampaio Nunes, Luís Cabral, Pedro Pires, Mário Machungo, Joaquim Chissano, Pinto da Costa, Lúcio Lara, Omar Kharim Amahd. O facto de a CEI reunir estudantes de diferentes países ajudou a caldear o cimento da luta contra o inimigo comum, materializado na CONCP – Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas – sob a égide de Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Gentil Viana, Miguel trovoada, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane e Marcelino dos Santos.
O Clube Marítimo Africano foi uma curiosa associação recreativa e cultural que uniu trabalhadores marítimos africanos e estudantes da CEI, fundindo a componente intelectual com uma base popular que estaria na base dos movimentos de libertação das colónias portuguesas.
Entre os impulsionadores do Clube Marítimo Africano destacou-se, nos anos 50, o estudante Humberto Machado, a par de Francisco Zara, João e Mário Van-Dunem, José Baconza Tomo, Manuel Soares Gomes, Abílio Rodrigues da Costa, Tiago Maria e João de Deus Tervino. Entre os que lhes sucederam, ainda nos anos 50, destacaram-se Lúcio Lara, Agostinho Neto e António Rodrigues Costa, que transportou clandestinamente de barco uma policopiadora para o MPLA – ou seja, garantia certa da vigilância e das intromissões constantes da PIDE na vida associativa do Marítimo.
Em Coimbra destacara-se duas repúblicas de estudantes africanos: a dos “1000-y-onários”, onde pontificaram António Jacinto, do MPLA, Manuel Balonas, Presidente da AAC durante a crise de 1962 e Óscar Monteiro, da FRELIMO; e a república do “Kimbo dos Sobas”, fundada pelos estudantes angolanos Aníbal Espírito Santo, Manuel Rui Monteiro, José Luís Cardoso, António Segadães, Jaime Martinho, Álvaro Fernandes, António Faria, José Machado Lopes, José e Carlos Marvão, Mário e Henrique Fonseca Santos.
Por estas e outras instituições congéneres passou muita da actividade política, cultural e conspirativa que esteve na base e serviu de retaguarda aos movimentos de libertação africanos em Portugal.
In: “Chaimite, o último ciclo do Império”, Museu da República e Resistência, 19 Janeiro 1999
Houve várias reuniões, e até se chegou a aprovar os estatutos de uma associação que fosse alicerce da fundação.
Depois de muita pedra partida, surgiram dois apoios oficiais que recordo:
o do então Secretário de Estado, Durão Barroso, prometendo que facilitaria os trâmites jurídicos e diplomáticos;
o de Krus Abecassis, à época presidente da Câmara de Lisboa, que classificou o imóvel da velha sede, impedindo que fosse destruído pela voragem da especulação imobiliária.
Também do governo angolano chegou a promessa de financiamento.
Até hoje!
Na altura escolhemos Agostinho da Silva como figura tutelar e patrono. O que o Professor de bom grado aceitou, após uma reunião de trabalho em minha casa.
Recordo tudo isto a propósito do lançamento da revista “Nova Águia” e do “Movimento Internacional Lusófono”, na esperança que esta resenha contribua para relançar a ideia.
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