Estando a acompanhar desde o início – porque, na verdade, este problema não é de agora – a polémica sobre o novo Acordo Ortográfico, tanto neste espaço da Nova Águia como na sociedade portuguesa em geral, decidi participar para tentar recontextualizar o debate; para chamar a atenção de que… existem outras ameaças ao português, talvez até mais graves! Refiro-me, especificamente, à (mais ou menos) recente – e fortíssima – «praga» de estrangeirismos (mais concretamente, anglicismos) que tem afectado a língua portuguesa.
Não quero com isto desvalorizar a importância do (Des)Acordo, cujas propostas de alteração da ortografia que lhe são inerentes me parecem excessivas e desajustadas da realidade, tanto do presente como do passado – é por isso que, para que conste, eu também sou um firme opositor do AO. Porém, acredito que a progressiva «invasão», ou aceitação, sem critério e sem tradução, de inúmeras palavras e expressões inglesas, constitui um risco maior para o nosso idioma a médio e longo prazo.
Neste sentido, transcrevo em baixo excertos de um artigo meu intitulado «e-Português?», publicado na revista Comunicações de Junho de 2002. Será igualmente oportuno referir que, cinco anos depois, a Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação promoveu e organizou a elaboração de um «Glossário da Sociedade da Informação» (no sítio da APDSI, à esquerda, clicar em «Publicações», e depois, de novo, em «Publicações»), que constitui uma tentativa válida para esclarecer, de uma forma coerente e sistematizada, as várias questões que se colocam quanto à transposição para português (ou não) de inúmeros termos técnicos em inglês.
Estrangeirismos - em especial galicismos e anglicismos - na língua portuguesa não são novidade. É aliás perfeitamente normal que qualquer idioma sofra influências de outros, e que os seus falantes adaptem e incorporem termos estrangeiros, dos quais uns acabarão por ser abandonados e outros chegarão inclusive a serem «institucionalizados» nos dicionários.
Trata-se de um processo que, habitualmente, é lento e não causa «perturbações» de maior à língua «receptora». Até agora, o «rácio» de palavras estrangeiras por palavras portuguesas usadas correntemente não podia considerar-se muito elevado. Porém, desde há pelo menos uma década, este panorama alterou-se significativamente. À medida que as tecnologias associadas ao audiovisual, às telecomunicações, à informática, à «sociedade da informação», à «economia digital» foram adquirindo uma preponderância cada vez maior, os termos e expressões a elas associados, invariavelmente inglesas, foram-se generalizando. É verdade que esta tendência não se verifica apenas ao nível do mercado das TMT. Na nossa vida quotidiana, doméstica, que não está directamente relacionada com as nossas profissões, encontramos constantemente exemplos de «défice de tradução»: grupos musicais com nomes ingleses e que cantam em inglês; filmes e programas de televisão - «Big Brother», «Masterplan» e não só; anúncios publicitários em todos os formatos; quase todo os géneros de produtos à venda em qualquer tipo de estabelecimento comercial.
Face a esta realidade diferentes atitudes são possíveis: damos ou não importância ao assunto; concordamos ou não com a «mudança»; tentamos ou não impedi-la e/ou condicioná-la. As minhas respostas a estas questões são, respectivamente, «sim», «não» e «sim». Fazer a diferença deve começar onde estamos, onde trabalhamos, naquilo que conhecemos melhor.
Enquanto jornalista especializado nesta área tenho, nos últimos anos, lido muitos textos e ouvido muitas declarações em que abundam palavras e expressões «tecn(ológ)icas» em inglês. E, na maioria esmagadora dos casos, a tradução para português é possível e - relativamente - fácil.
Desde logo, porquê dizer site (na Internet) e não sítio - e homepage e não página principal? Dizer online e não em linha? Link e não ligação? Net (ou Web) em vez de rede? E-mail e mailing list em vez de (lista de) correio electrónico? Call/contact center em vez de centro de contacto? Porquê insistir em e-commerce («e-comércio», comércio electrónico), killer application (aplicação principal), systems integrator (integrador de sistemas), bundle (conjunto, pacote), pay-per-view (pagamento por visionamento), screen saver (protector de ecrã) e upgrade (actualização, modernização) se existem expressões correspondentes e adequadas em português? Não custa falar em planeamento de recursos empresariais (PRE) no lugar de enterprise resource planning (ERP), gestão de relacionamento com os clientes (GRC) no lugar de customer relationship management (CRM) e em fornecedor de serviços de aplicações (FSA) no lugar de application service provider (ASP).
É verdade que subsistem casos de difícil resolução - é complicado, reconheça-se, traduzir termos como banner (faixa?) benchmarking (ponto de excelência?), browser (navegador?), carrier (carregador, transportador?), data mining (análise de dados?), developer (desenvolvedor não soa bem, admitamos…), download (descarga?), e-learning (educação por via electrónica é um pouco complicado…), firewall (muro de fogo??), outsourcing (fornecimento externo?) set-top-box (caixa negra, descodificador?) ou start up (nova e-mpresa?) No entanto, são sem dúvida poucos, excepções, quando comparados com os que constituem, infelizmente, quase uma «regra», e que são utilizados, ressalve-se, não só no âmbito das TMT mas também no «economês corrente»: ele é o brand em vez de marca, ele é o budget em vez de orçamento, ele é o business plan em vez de plano de negócio, é o break even em vez de equilíbrio de contas, é o core business em vez de actividade/negócio principal/central, follow up em vez de acompanhamento, performance em vez de desempenho.
E porque é que tantos continuam a dizer, e a escrever, press release - em attachment - e não… comunicado de imprensa - em anexo?
É certo que para «clássicos» como feedback (reacção, repercussão), hardware/software (?/?), know how (conhecimento, experiência, saber fazer), newsletter (boletim), password (palavra passe) e standard (padrão) já é muito difícil - mas não impossível - impor as «versões nacionais». Mas ainda se está a tempo de debelar «surtos» emergentes - e risíveis - como approach (abordagem, perspectiva), «customização» (personalização), driver (impulsionador, líder, motor) highlight (destaque), player (actor, concorrente, interveniente), partner e «partneriado» (parceiro e parceria), e, claro, report (relatório). (…)
Sejamos sinceros: o motivo principal desta «anglicite aguda» é a procura de uma imagem de qualidade, de fiabilidade, de credibilidade, que nos habituámos a associar a tudo o que tem um nome em inglês - e, por oposição, a considerar potencialmente inferior e mesmo «chunga» tudo o que é apresentado na nossa língua. Afinal, ainda «fica bem» comprar estrangeiro e falar estrangeiro, não é verdade? (…)
É urgente começar por trabalhar a nossa auto-estima do ponto de vista linguístico e cultural. Se não utilizarmos de uma maneira coerente e consistente o nosso idioma cá dentro, poucas ou nenhumas hipóteses teremos de verdadeiramente competir e ganhar lá fora. Ou então assumamos definitivamente que temos vergonha de sermos portugueses, e mudemos todos de nacionalidade! (...)
Não quero com isto desvalorizar a importância do (Des)Acordo, cujas propostas de alteração da ortografia que lhe são inerentes me parecem excessivas e desajustadas da realidade, tanto do presente como do passado – é por isso que, para que conste, eu também sou um firme opositor do AO. Porém, acredito que a progressiva «invasão», ou aceitação, sem critério e sem tradução, de inúmeras palavras e expressões inglesas, constitui um risco maior para o nosso idioma a médio e longo prazo.
Neste sentido, transcrevo em baixo excertos de um artigo meu intitulado «e-Português?», publicado na revista Comunicações de Junho de 2002. Será igualmente oportuno referir que, cinco anos depois, a Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação promoveu e organizou a elaboração de um «Glossário da Sociedade da Informação» (no sítio da APDSI, à esquerda, clicar em «Publicações», e depois, de novo, em «Publicações»), que constitui uma tentativa válida para esclarecer, de uma forma coerente e sistematizada, as várias questões que se colocam quanto à transposição para português (ou não) de inúmeros termos técnicos em inglês.
Estrangeirismos - em especial galicismos e anglicismos - na língua portuguesa não são novidade. É aliás perfeitamente normal que qualquer idioma sofra influências de outros, e que os seus falantes adaptem e incorporem termos estrangeiros, dos quais uns acabarão por ser abandonados e outros chegarão inclusive a serem «institucionalizados» nos dicionários.
Trata-se de um processo que, habitualmente, é lento e não causa «perturbações» de maior à língua «receptora». Até agora, o «rácio» de palavras estrangeiras por palavras portuguesas usadas correntemente não podia considerar-se muito elevado. Porém, desde há pelo menos uma década, este panorama alterou-se significativamente. À medida que as tecnologias associadas ao audiovisual, às telecomunicações, à informática, à «sociedade da informação», à «economia digital» foram adquirindo uma preponderância cada vez maior, os termos e expressões a elas associados, invariavelmente inglesas, foram-se generalizando. É verdade que esta tendência não se verifica apenas ao nível do mercado das TMT. Na nossa vida quotidiana, doméstica, que não está directamente relacionada com as nossas profissões, encontramos constantemente exemplos de «défice de tradução»: grupos musicais com nomes ingleses e que cantam em inglês; filmes e programas de televisão - «Big Brother», «Masterplan» e não só; anúncios publicitários em todos os formatos; quase todo os géneros de produtos à venda em qualquer tipo de estabelecimento comercial.
Face a esta realidade diferentes atitudes são possíveis: damos ou não importância ao assunto; concordamos ou não com a «mudança»; tentamos ou não impedi-la e/ou condicioná-la. As minhas respostas a estas questões são, respectivamente, «sim», «não» e «sim». Fazer a diferença deve começar onde estamos, onde trabalhamos, naquilo que conhecemos melhor.
Enquanto jornalista especializado nesta área tenho, nos últimos anos, lido muitos textos e ouvido muitas declarações em que abundam palavras e expressões «tecn(ológ)icas» em inglês. E, na maioria esmagadora dos casos, a tradução para português é possível e - relativamente - fácil.
Desde logo, porquê dizer site (na Internet) e não sítio - e homepage e não página principal? Dizer online e não em linha? Link e não ligação? Net (ou Web) em vez de rede? E-mail e mailing list em vez de (lista de) correio electrónico? Call/contact center em vez de centro de contacto? Porquê insistir em e-commerce («e-comércio», comércio electrónico), killer application (aplicação principal), systems integrator (integrador de sistemas), bundle (conjunto, pacote), pay-per-view (pagamento por visionamento), screen saver (protector de ecrã) e upgrade (actualização, modernização) se existem expressões correspondentes e adequadas em português? Não custa falar em planeamento de recursos empresariais (PRE) no lugar de enterprise resource planning (ERP), gestão de relacionamento com os clientes (GRC) no lugar de customer relationship management (CRM) e em fornecedor de serviços de aplicações (FSA) no lugar de application service provider (ASP).
É verdade que subsistem casos de difícil resolução - é complicado, reconheça-se, traduzir termos como banner (faixa?) benchmarking (ponto de excelência?), browser (navegador?), carrier (carregador, transportador?), data mining (análise de dados?), developer (desenvolvedor não soa bem, admitamos…), download (descarga?), e-learning (educação por via electrónica é um pouco complicado…), firewall (muro de fogo??), outsourcing (fornecimento externo?) set-top-box (caixa negra, descodificador?) ou start up (nova e-mpresa?) No entanto, são sem dúvida poucos, excepções, quando comparados com os que constituem, infelizmente, quase uma «regra», e que são utilizados, ressalve-se, não só no âmbito das TMT mas também no «economês corrente»: ele é o brand em vez de marca, ele é o budget em vez de orçamento, ele é o business plan em vez de plano de negócio, é o break even em vez de equilíbrio de contas, é o core business em vez de actividade/negócio principal/central, follow up em vez de acompanhamento, performance em vez de desempenho.
E porque é que tantos continuam a dizer, e a escrever, press release - em attachment - e não… comunicado de imprensa - em anexo?
É certo que para «clássicos» como feedback (reacção, repercussão), hardware/software (?/?), know how (conhecimento, experiência, saber fazer), newsletter (boletim), password (palavra passe) e standard (padrão) já é muito difícil - mas não impossível - impor as «versões nacionais». Mas ainda se está a tempo de debelar «surtos» emergentes - e risíveis - como approach (abordagem, perspectiva), «customização» (personalização), driver (impulsionador, líder, motor) highlight (destaque), player (actor, concorrente, interveniente), partner e «partneriado» (parceiro e parceria), e, claro, report (relatório). (…)
Sejamos sinceros: o motivo principal desta «anglicite aguda» é a procura de uma imagem de qualidade, de fiabilidade, de credibilidade, que nos habituámos a associar a tudo o que tem um nome em inglês - e, por oposição, a considerar potencialmente inferior e mesmo «chunga» tudo o que é apresentado na nossa língua. Afinal, ainda «fica bem» comprar estrangeiro e falar estrangeiro, não é verdade? (…)
É urgente começar por trabalhar a nossa auto-estima do ponto de vista linguístico e cultural. Se não utilizarmos de uma maneira coerente e consistente o nosso idioma cá dentro, poucas ou nenhumas hipóteses teremos de verdadeiramente competir e ganhar lá fora. Ou então assumamos definitivamente que temos vergonha de sermos portugueses, e mudemos todos de nacionalidade! (...)
3 comentários:
Caro Octávio , parabéns e obrigado por colocar a sua posição aqui na Nova Águia . Não podia estar mais de acordo consigo e só espero que haja mais Portugueses como o Octávio .
Um grande Abraço Lusitano e continue!
Rogério Maciel
Adenda : Como o Octávio tenho vindo a lutar contra essa invasão do inglês na nossa Língua ...e é como diz , parece "bem" dizer uma ou outra inglesada metida á força no nossso Maravilhoso e Vastíssimo idioma .
Rogério
Senhores,
Cá no Brasil se dizia que o melhor falar português estava no Maranhão e Pará. Digo estava, pois à força de televisão e grandes jornais do Rio de Janeiro e São Paulo, estamos todos de norte a sul a ser recolonizados... Desta feita em anglo-brasileiro, ou seja lá o que for, Portanto, concordo acima do desacordo do AO, que o inimigo comum é a invasão da nova língua (me refiro ao big brother de Orwell, no profético "1984".
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