A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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terça-feira, 11 de março de 2008

EM ROMA, SÊ ROMANO


Ilustração de António Tapadinhas
Mercado Jemaã El Fna Tinta da China sobre papel 20x25cm

Sempre que visito um país, tiro apontamentos sobre os aspectos que mais me impressionam. Na minha terceira visita a Marrocos, fui finalmente a Marraquexe, a porta do deserto, e à praça que é o centro do mundo.

Em Roma, sê romano!
Parecia estar a atender o chamamento do muezim para a oração da noite: nesse momento estava a fechar a porta do quarto, onde deixara as malas, ansioso por sair dos portões do Club Med, que me isolava do mundo fervilhante de Marraquexe apenas entrevisto na pequena viagem de autocarro.
Antes de chegar à rua, já a cidade nos impõe o seu sortilégio: o barulho denso dos automóveis e motorizadas, e o bater ritmado dos cascos dos cavalos no asfalto martelam-nos os ouvidos; os cheiros dos gases de óleo e gasolina queimados, misturados com o odor mais consistente dos animais invadem-nos as narinas.
Na rua, a visão é do caos com uma só ordem: a desordem. Na avenida, larga como um campo de futebol sem marcações, circulam carruagens puxadas por parelhas de cavalos, carroças puxadas por burros, táxis, autocarros, motorizadas, bicicletas, todos a tentar fazer a ultrapassagem do vizinho da frente. Nesta competição, nem sempre ganha o mais forte: o automóvel mais moderno, arrisca-se a todo o momento a ser ultrapassado por um burro esperto, que consegue passar a carroça entre o intervalo dos carros. Nos poucos sinais que existem, quando cai o vermelho, os que estão na frente param - é esse o seu mal. Os que vêm atrás aproveitam e vão-se colocando sucessivamente à frente do que já parou. Os que estão junto ao sinal vêem aparecer o verde e reagem primeiro: ganham assim uns lugares na partida, ficando a corrida relançada, com hipóteses de vitória para todos.
Depois de andar algumas dezenas de metros, a confusão parece aumentar. Nós, peões, já não temos passeios e os motoristas parecem ter enlouquecido: não há rua, nem sentido de trânsito. Estamos na praça Jemaã El Fna, com superfície semelhante ao Terreiro do Paço, onde desaguam Tejos de ruas estreitas, de carros e pessoas.
Num dos lados, há uma muralha de tendas de comida, autêntica paleta de cores quentes: açafrão, caril, malaguetas, pimentos. Mais para o centro, a multidão ornamenta a praça em canteiros circulares de homens, que apreciam o trabalho dos ginastas em jogos de forças combinadas; alguns ouvem grupos musicais que tocam música tradicional, constituidos por um violino e dois ou três tambores; outros preferem rir-se das habilidades dos macacos amestrados a imitar pessoas; outros escutam, atentamente, alguém que diz não sei o quê, com grande convicção e energia; outros, ainda, gostam do terror atávico causado pelas serpentes que parecem dançar ao som do pífaro do seu encantador. Por entre os grupos andam homens de fatos encarnados e verdes, com pratos de metal amarelo, grandes chapéus na cabeça, a tocar em pequenos tambores, que oferecem a sua beleza para figurar numa fotografia, a troco de algumas moedas. Outros arranjaram uma estratégia mais simples para ganhar dinheiro: tocam um tamborzito, fazem uma careta e, se nem sempre provocam um sorriso, quase sempre arrancam uma moeda.
Metade da praça é disputada, a palmo, por peões, que tentam passar na terra de ninguém que a qualquer momento pode ser atravessada por um veículo vindo de qualquer ponto cardeal.
Estranhamente, não se ouve buzinar os automóveis: talvez o barulho dos motores, o bruá da multidão, os guinchos dos animais, o toque dos tambores, o silvar das serpentes, não o deixem ouvir, ou, com maior probalidade, o nosso cérebro se recuse a registar esse som, por mais habitual, dando prioridade a tudo o que é novo: cheiros, línguas, cores, gente, animais.
É difícil (impossível, direi), ser apenas espectador: logo que olhamos para alguma coisa, o vendedor atento, pergunta-nos a nacionalidade, e oferece o objecto, por um determinado preço. Ser português, neste caso, é uma vantagem, porque acham que nós somos pobres como eles. Conversamos, discutimos, num linguajar franco-anglo-luso-espanhol; quase nos insultamos, porque é assim nas grandes famílias. Depois de consumado o negócio, é assinado o tratado de paz. Por mim, apetece-me sempre abraçar o meu novo amigo, que teve a gentileza de vender um objecto por um preço tão acessível.
Ainda estava a fazer as contas com a minha esferográfica e já ele me estava a propor a sua troca por um espelhinho, com um aro de metal…
E tem sido assim todos os dias… mesmo no dia 11 de Setembro de 2001, nesta terra, não muito longe daquela que viu nascer três grandes religiões.
Nos escombros e trevas que a televisão teima em mostrar, há uma luz que ilumina e elimina o nosso terror: do outro lado, afinal, estão homens como nós.
Eu, agora, vou para o meu quarto e juro que vou pensar numa estratégia, para comprar pelo melhor preço um casaco de cabedal que vi numa loja.
Guerra, qual guerra?

4 comentários:

Anónimo disse...

Gostei muiiiito de tudo.

A.Tapadinhas disse...

Sempre atento... e sempre amigo!
Abraço.
António

Ana Margarida Esteves disse...

E essa uma das grandes vantagens de se ser Portugues: O facto de o nosso aspecto fisico nos permitir passar por varias nacionalidades e grupos etnicos e o facto de sermos um pais dito "pobre" permite-nos ter acesso a ambientes onde visitantes de outros povos seriam facilmente explorados, mal-tratados ou ate excluidos. Da minha parte, o facto de ser Portuguesa ja me deu acesso a Sinagogas, Mesquitas, Templos Hindus, as ruas mais reconditas dos bairros negros e hispanicos de Nova Yorque, Miami e Sao Francisco, acampamentos ciganos na Europa de Leste, favelas, "cidades satelite" e "villas miseria" no Brasil, Argentina e Paraguai, etc.

A.Tapadinhas disse...

Ana: A nossa Cultura, entendida como um conjunto que engloba língua, história, costumes, valores, imprime nos portugueses um modo específico de ser e pensar, que busca mais do que conhecer, integrar as diversas culturas, possibilitando uma convivência harmoniosa e sem discriminações de qualquer espécie.
Somos muito tolerantes e temos uma capacidade de adaptação extraordinária. Inata?!
António