“Em respeito pois e suposição destes quatro impérios, chamamos Império Quinto ao novo e futuro que mostrará o discurso desta nossa História; o qual se há-de seguir ao império Romano na mesma forma de sucessão em que o Romano se seguiu ao Grego, o Grego ao Persa e o Persa ao Assírio. E assim como o Império dos Persas se chama o segundo Império, porque sucedeu ao dos Assírios, que foi o primeiro do Mundo, e o dos Gregos se chama o terceiro, porque sucedeu ao dos Assírios e dos Persas, e o dos Romanos se chama o quarto, porque sucedeu ao dos Assírios, ao dos Persas e ao dos Gregos, assim este nosso Império, porque há-de suceder aos dos Assírios, Persas, Gregos e Romanos (como logo veremos) se deve chamar com a mesma razão e propriedade o Quinto Império do Mundo; (...) que começou no primeiro e há-de acabar no Quinto (que será também o último)”.
Padre António Vieira, História do Futuro –
Esperanças de Portugal
Apontamento Biográfico
O Padre António Vieira nasceu, em Lisboa, no dia 6 de Fevereiro de 1608, perto da Sé de Lisboa. Comemoram-se hoje os 400 anos do seu nascimento.
Filho de um funcionário da Marinha que, mais tarde se tornou escrivão da Inquisição, António Vieira vai viver para Salvador da Bahia quando tinha apenas seis anos de idade. Estudou no Colégio dos Jesuítas, em Salvador, e, em 1623, aí fez os votos de noviço. Fez mestrado em Artes e foi professor de Humanidades. Foi ordenado sacerdote em 1634. No entrementes, aquando da Invasão Holandesa a Salvador, em 1624, refugiou-se no interior, iniciando aí a sua vocação missionária, no entanto, não abraçou imediatamente o espírito de missão. Continuou a estudar e fez os votos de obediência, pobreza e castidade. Foi professor de Retórica na cidade de Olinda (1634) e, quatro anos depois, já era professor de Teologia.
Depois da Restauração da Independência, no ano de 1640, António Vieira inicia a sua carreira diplomática. Visita Portugal e, devido à sua agilidade de oratória e à sua viveza de espírito, é convidado pelo Rei para ser pregador régio. Visita a Holanda (onde tem contactos com Menasseh Ben Israel, por exemplo) e a França. É nessa época que começa a ter problemas com a Inquisição por causa da sua proximidade com as comunidades judias e cristãs-novas.
Voltou ao Brasil em 1652. Instalou-se sobretudo no Maranhão e agiu como missionário nas comunidades indígenas.
Regressa à Europa em 1661 e torna-se confessor da D. Luísa de Gusmão. Por essa altura, passa a dedicar-se mais enfaticamente à causa do sebastianismo e à explanação da temática do Quinto-Império. A Inquisição persegue-o por esses motivos e expulsa-o de Lisboa, enviando-o primeiro para o Porto e depois para Coimbra. No ano de 1667 é condenado à pena de perda de voz activa e passiva, é proibido de pregar. Desgostoso com Portugal viaja para Roma e encanta a Cúria com a fineza da sua oratória e com a inteligência das suas pregações. Regressa a Lisboa, em 1675, já absolvido pelo Tribunal do Santo Ofício mas, passados seis anos, volta ao Brasil. Nesta sua segunda pátria dedica-se, essencialmente, à reunião dos seus escritos, dos seus sermões e à conclusão de Clavis Prophetarum que, infelizmente, nunca terminou.
Morre no dia 17 de Julho de 1697, na Bahia, na cidade do Salvador.
Apontamento Crítico
Mais do que um pensamento político e sócio-económico, o pensamento de Vieira é de ordem essencialmente metafísica. Para o jesuíta, o que está em causa é discutir a divisão, quase à maneira dos filósofos medievais, entre poder-domínio temporal e poder-domínio espiritual. Na sua perspectiva, embora o Homem viva no Mundo, subordinado à cíclica roda do tempo, o seu objectivo é aperfeiçoar-se ética e espiritualmente. António Vieira acentua essa divisão colocando a tónica na espiritualidade: embora o mundo dos homens (e o Reino de Cristo) seja de cariz temporal, a sua meta é a bem-aventurança espiritual. A divisão dos domínios temporal e espiritual coloca-se em forma de transmutação, isto é, o problema apresenta-se não enquanto cisão mas sim enquanto reunião ou fusão. Trata-se, ao fim e ao cabo, de fundir poderes ou domínios, para que no limiar entre o tempo e o espírito se funde um Império que, unindo os dois conceitos, ao mesmo tempo os supere e transcenda. Vieira chama-lo-á de Quinto.
Inspirado pelas profecias de Daniel e de Zacarias, António Vieira preconiza um Império Futuro que terá assento, simultaneamente, nas esferas terrestre e celeste. A partir do momento em que estão derrubados os quatro Impérios passados (Assírio, Persa, Grego e Romano), as Escrituras Sagradas e também as trovas do Bandarra (a quem o Jesuíta denomina de profeta) vaticinam um Quinto Império, também chamado Último (já que é definitivo e inultrapassável). Esse Reino Futuro caracterizar-se-á essencialmente pela dimensão espiritual que comporta, ou seja, é-lhe concedida uma matriz messiânica e missionária, de tal modo que o povo eleito por Bandarra e Vieira (a saber, o português), terá como tarefa expandir a fé de Cristo a todos cantos do Mundo, derramando por toda a Terra o ideal cristão. Influenciado pela demanda dos Descobrimentos, António Vieira prevê um Futuro ainda mais auspicioso para os lusitanos. Na realidade, segundo o jesuíta, não cabe a Portugal somente difundir a cultura ocidental pelo Mundo e negociar riquezas raras mas, acima de tudo, servir a Cristo, levando a sua mensagem a todos os homens, civilizados e indígenas, cristãos e não-cristãos.
Devido à compreensão que tinha, em geral, para com o judaísmo e à edição do seu livro História do Futuro - Esperanças de Portugal, Vieira é acusado de herege e judeu por parte do Tribunal do Santo Ofício. De facto, História do Futuro é um documento de natureza político-religiosa. A sua vertente política acentua-se essencialmente quando o autor propõe a criação de um Império díspar, que se afirma, ao mesmo tempo, temporal e atemporal, terreno e aespacial, humano e divino, corpóreo e espiritual, nacional e ecuménico. Sendo, desse modo, governado por um Rei ou Imperador Temporal (D. João IV de Portugal) e por um Rei ou Imperador Espiritual (Jesus Cristo). Se a Inquisição não tem dificuldades em aceitar a existência de um Rei Espiritual - Jesus Cristo -, por outro lado, é deveras complicado assegurar, mesmo profeticamente que seja, a inevitabilidade da ressurreição de D. João IV, já que, segundo Vieira, ele é o Rei Temporal deste Império. No campo da temporalidade-eternidade, os dilemas colocados pela Inquisição centram-se no problema da Ressurreição. E se, de início, Vieira se mostra inexorável quanto à ressurreição de D. João IV, na preparação da Clavis Prophetarum já se mostra mais reticente. Quando é acusado de ser judeu, mesmo que o jesuíta se defenda usando os argumentos da conversão de todos os credos à religião cristã e da extinção da heresia, ele não consegue escapar da pressão inquisitorial, já que continua a defender o regresso dos Judeus à sua Terra (embora convertidos ao catolicismo) e, pessoalmente, mantém amizades com alguns judeus (destaque-se a amizade com Menasseh Ben Israel) e cristãos-novos. Por esses motivos, Vieira acaba por ser preso pelo Tribunal do Santo Ofício.
Devido à doença que o vai minando dia após dia, António Vieira tem a possibilidade de se defender perante a Inquisição, não só presencial e oralmente, como por escrito. O jesuíta defende, então, a profecia que expusera em História do Futuro reenviando-a para as suas fontes (Livros de Daniel e Zacarias), bem como se defende das acusações de herege e de judeu. O Padre relembra, no entanto, que embora profetize a repatriação do povo judaico, prevê antes a conversão deste povo ao Cristianismo, assim como nega a vinda de um novo Messias. A defesa perante o Tribunal do Santo Ofício é, porém, morosa e árdua para António Vieira. Afinal, para os inquisidores todos os pormenores que Vieira disse, escreveu e fez de Lisboa ao Brasil, do Brasil ao Centro da Europa, eram motivo para arguição. E Vieira vai respondendo, contra-argumentando, cansando-se, até que, por fim, já sem forças, é obrigado a ceder e a concordar com o Tribunal. Essa cedência valer-lhe-á a pena de perda da voz activa e passiva e a proibição de pregar. Tal situação provocar-lhe-á o ganho de uma amargura a Portugal. Em Roma, para onde parte logo que é libertado pela Inquisição, é aplaudido pelos seus dons oratórios. Até ao fim da sua vida, não deixará, no entanto, de continuar a explorar os temas que mais lhe interessam e pelos quais, curiosamente, fora condenado: sebastianismo, universalismo cristão, profetismo e messianismo.
Bibliografia Indicativa
Sermões
História do Futuro – Esperanças de Portugal
Defesa perante o tribunal do Santo Ofício
Clavis Prophetarum
A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".
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4 comentários:
e era neto (incerto) de uma escrava africana e... pela via materna teria também sangue judaico...
um excelente veículo - portanto - daquilo que será o 5º Império: o reino do homem miscigenado por excelência que tão bem representado está hoje no Brasil, o país que no mundo melhor representa essa fusão de raças tão patente no seu caboclo...
Noto que Vieira combateu o sebastianismo em nome de um messianismo voltado para o futuro e que na "Clavis Prophetarum" o seu lusocentrismo esbate-se totalmente... Num manuscrito de mais de setecentas páginas, há apenas muito discretas referências ao papel de Portugal e da Espanha na missionação... Se bem que nunca tenha desistido da dimensão política da sua visão, o centro dela, no final da vida, é a questão da realização terrena e universal do Reino de Deus, entendido como consumação do crescimento histórico-temporal do Corpo Místico de Cristo.
Qualquer semelhança entre a inquietação expressa pelo Pe. António Vieira e figuras contemporâneas como Marcelo D2 e "O Rappa" é mais do que mera coincidência. Talvez seja por isso que estes músicos estão sempre em riscos de serem condenados á fogueira da "baixa cultura" pela Inquisição que é o elitismo cultural.
Quaisquer semelhanças entre o Pe António Vieira e intelectuais Portugueses contemporâneos que têm de adoptar uma voz postiça para serem reconhecidos "lá fora" e assim serem vistos como gente em Portugal também é mais do que mera coincidência.
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