A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

O ENSEJO DE FALAR SEM NADA DIZER,

Convidaram-me amavelmente a participar neste blog, preferimos dizer numa espécie de conversa com as cadeiras vazias de interlocutores invisíveis, mas por demais virtualmente eloquentes. Apesar do descalabro que a civilização técnica está a operar nos meios básicos e alternativos da cultura logóica (que corresponde ao modernismo de há, quando muito, cinco mil anos… - aliás, pouco tempo, se comparado com a era longeva das mentalidades mítica e pré-mítica...), continua, e por via desta mesma tecnologia da informação, a proliferar até ao excesso da palavra, da expressão opiniosa generalizada, numa imparável conversa (Maurice Blanchot…), embora já diagnosticada antecipadamente nesse seu uso como uma verborreia (Gerede, bavardage…) típica da inautenticidade da condição humana (M. Heidegger, Sein und Zeit…).
Indo directo ao essencial e à límpida visão do símile platónico, poder-se-ia dizer que essa condição é de tal forma assustadora e no geral propulsora de alienações e fugas, até espirituais, que o que acontece é um tagarelar na obscuridade do fundo dessa caverna, como se gerindo de um ou outro modo tal uso da mente mais não se fizesse do que efabular diversamente a caverna, sem contribuir no mínimo que seja para a libertação da ilusão. E, se calhar, a mor ilusão é supô-la, onde está apenas o não a haver…
Todavia e segundo a pedagogia que todo o estudante de filosofia é levado a aprender, julga-se que por se pensar sobretudo neste falar amedrontado já se estará a dar um passo naquele sentido…; grave dispêndio de emocionalidades e razões sem a mathesis de um efectivo poder sobre a situação. É que a questão até de um blog terá de ser política, e sobretudo científica, por um lado pelo poder e força pública da palavra, por outro, e mais ainda, pela descoberta de que certas relações e equações da inteligência têm não só aplicação mas são eficazes na construção de uma realidade possível.
Já não é a conversa à mesa do café em que se vertem opiniões, por sugestivas que sejam, mas a experiência mental cujo cálculo permite construir pontes ou computadores, e também na ordem ideológica mover indignações e concitar consensos de comunidade…
Dir-se-ia que também para isso é esta mesma conversa sob a forma célere do blog e, no entanto, este tempo assim, como se fosse possível, desejável, estimável… o muito, o vário, o total… Sentimo-lo como reflexo ainda, e possível cedência de estilo ao capitalismo mental que actualmente se vive nestes meios, como um acicate à produtividade, à criatividade… e coisas assim não só abstractas, mas em si estúpidas, para justificarem este engordamento imenso, esta proliferação doentia da referida pan-informação, ou da ‘utopia da comunicação total’ (Philippe Breton…), que não faz mais do que constituir uma perca de energias para o essencial.
Alguém já disse, até antes desta tecnologia informática, que ‘abunda o cálculo, mas de verdade escasseia, ou é mesmo rara, a experiência do pensar’ (M. Heidegger), o que se traduz numa tremenda perca da sapiência e também da mencionada eficácia até da parcimónia (de Occam) da equação científica e de um pensar lúcido e politicamente virtuoso. A virtude, se assim se pode dizer, não depende de outro discurso moralista, mas desse sentido de adequação de meios e da consciência do que transcenda o dizível.
Porém, mais do que asceses presumidas ou sapiências supostas, não deixaria de ser, outrossim, motivo de reflexão o regime da palavra, não de obrigatório diálogo mas de simplificação extrema, tornando-se pobre como a filosofia, tão só interrogativa como ao pensador importa na hora de ser humano assim e lúcido. Se, como costumamos dizer não é a filosofia uma cultura livresca ou outra quejanda erudição, e em vez de tal pensar a vida um viver lúcido, passa-se o mesmo que com a alimentação que não é útil quando demais, nem de menos, mas tem o acerto de um ritmo vital. É nesta métrica do quanto aqui baste que acedemos, apesar de todas as reservas pelo já dito, a participar com esta fala, em parte solilóquio, em parte provocação, também justificação mas sobretudo inconformidade e no fundo interrogação.
Pois, afinal o que escrevemos (e o por demais que a tal somos como que circunstancialmente condicionados…) e o que de viva voz interpelamos na verdade maior que transcende pedagogismos ou ofícios intelectuais, não deixa de ser ‘um diálogo interior (e menos silencioso do que talvez devesse ser) da alma (mesmo que ignota…) consigo mesma’ (Platão, Soph.). Mas se o solilóquio tem as vantagens confessionais (Stº. Agostinho…) e depois românticas de um interiorismo defensivo, afinal o que de mais autêntico aí se experimenta é justamente a emergência da verdade ausente, a falta dessa “alma” ou de quem verdadeiramente se presumia lá, e lá não estava. E essa experiência como cartesianamente praticada é modelo universal do passo racional da humanidade, ou constitui a responsabilidade universal do aceder, individual e aqui e agora, a algo que não dependa nem do subjectivo, nem do opinioso (dóxa), mas é ordem de razões e de porte universal (epistéme).
É certo que ao aceder-se a essa inteligibilidade, essa ordem cósmica ou “angélica” de tal luz, não se deixa de perspectivar a mesma filtrada pela linguagem social e condicionada, pela cultura e pelas condicionantes idiossincrásicas da mesma. Donde que longe do “angelismo” das ideias puras, muito embora seja a linguagem a falar em nós e não a nossa apropriação mental a comandá-la, o que se diz traz consigo o signo típico deste império indo-europeu das línguas de representação e de simbolização analítica do mundo e da vida, sempre na tentação de legislarem, de determinarem o que é ou o que assim deva ser (tal o de jure kantiano). E, por este carácter deôntico da linguagem com que desse modo se pensa, tende-se com facilidade para um intento pedagógico, geralmente apenas didáctico de transmissão (translatio studii) e repetição de certos saberes ou de outros “lugares comuns” de dada identificação cultural. Por isso, dizemos também o carácter provocatório que, ao mesmo tempo, que tem este pendor interpelativo e até alternativamente didáctico, possui uma virulenta intenção socratizante, de des-instalar de tais lugares preconceituados da vida.
Porém, aparte este também gosto em que o drama ‘pessoal’ ainda o seja de outros por este contágio desculpado de pedagógico, há muito de justificativo no mais que normalmente se vai dizendo, como que a pedir desculpa, a satisfazer antigas dívidas por omissão da palavra certa, ou a sublimar medos do imenso de indizível que fará parte da vida. Do muito que temos dito e escrito assim também, como dos muitos outros igualmente, se poderia diagnosticar essas razões justificativas, desde a presunção pedante até ao discurso retórico como projecção traumática e psicanalisável, passando por ambições da “fábula mística” (M. de Certeau) ou de outras heroicidades mentais, fugas e alienações ao mundo, quiçá mesmo a loucura habitual dos que, como eu, descobrem o sem sentido de tal normalidade idiota (como adverte Heraclito…) e ainda se justificam pela ironia, pelo riso sardónico… pela falta de coragem com que a gargalhada franca desponte um outro arrepio de vida. Até mesmo este final de frase é tão pouco sincero, tão retoricamente deliberado no prazer reflexo de uma ainda hiper-justificação do assim dizer, que não há paciência para esta doença de sempre tudo querer justificar, explicar e explicar a explicação!...
Barroquismos também da bloguística pós-moderna…, quando outro será o escorreito metro clássico e até do acesso ao vedado íntimo de isso de que se fala sem se ver. Tudo se passa como se.
O que é sincero neste cônscio fingimento, como salientava o poeta, é a “dor deveras” (F.P. em «Autopsicografia»), a inconformidade pura, o menino nú que nos fala na alma quase como o Espírito em “gemidos inenarráveis” (Rom 8, 26) e nos faz sentir o ridículo de tanta literatura, de tanta filosofia palavrosa, de tantas “sensatezes” das ciências humanas, de tão grande chateza deste mundo em que ninguém ousa dizer que ‘o rei vai nú’. O zum-zum da verborreia dos intelectuais avulta em honrarias e cultivo passadista do que já é conhecido, que a inteligência do novo (contraste que J. Krishnamurti salienta entre knowledge e intelligence…) e único tem aquela outra atenção às coisas por mais pequeninas, mas a demandarem um desvelo, um amoroso cuidado (notícia amorosa…em S. João da Cruz), um puro louvor… Esta a nossa sincera inconformidade, o nosso sem jeito neste mundo de gigantescos propósitos mas em que a palavra simples e oportuna, de bem, parece insignificante, como se não houvesse já na robótica global do sistema do pensar informativo, e da sua tradução técnica social, económica e até psicológica, lugar para um tal gesto de bondade, uma graça, a singularidade.
E singular é, de facto, aqui este nosso retorno à interrogação, ao carácter incómodo de quem, nem afirma, nem nega, mas suspende a mente e a sua mesma expressão, pondo assim em causa o muito que se construiu de forma mecânica, no adormecimento autómato, ainda quando aparentemente inteligentíssimo ao nível dos mecanismos do associacionismo mental e verbal. Interrogarmo-nos, perante tanta coisa e tanto desperdício, até intelectual, se não seriam energias a convocar noutro sentido, numa tal conversão ao que interessa (que não seja interesseiro), mas que dê realmente que pensar.
Porém, longe de um também habitual diagnóstico maledicente e pessimista, ao estilo dos decadentes e daquela ironia ácida e sem luz, o que na interrogação sentimos como quase uma atitude orante, um inter-rogare ainda como rogatio em ordem a outra presença ignota de nós mesmos, é a obediência (também no sentido desse ob-audire…) a um vislumbre de consciência, um tão só ver claro, inclusive que não se vê. Por isso a nossa palavra aqui fala até este excesso de se calar (L. Wittgenstein…) e se interrogar de ser, que não já do ciclo cognoscitivo.
O que nos é dado ver é tremendo e por outro lado banal, tão banal que até já se pode tomar como ‘de trazer por casa’, uma cultura assim: máscara afivelada até se supor sendo já a pessoa, que tal personalidade supunha poder construir!... Trata-se desta mania de querer ‘salvar’ os outros, de os ‘ajudar’ ou ‘educar’, ou até de os dominar – para ser mais explícito (longe, bem longe, de um ser saudado ou salvo pela providência da mesma Vida…).
Claro que essa vontade longeva e quase instintiva de dominação (Nietzsche) reveste várias formas no contexto gregário da condição humana, e cristaliza-se em torno de pólos como a “posse”, o “prazer”, o “poder”, considerados também, desde há muito, alienações sistemáticas de outra possibilidade de desenvolvimento do homem (S. João da Cruz, a propósito dos “inimigos da alma”…). Porém, não deixa de ser paradoxal e constituir um verdadeiro ‘círculo vicioso’ que, para evitar, diz-se, alguns desses ímpetos e desvarios selváticos, e se estabelecerem os princípios da ordo civilizacional, se haja de fazer recurso à mesma posse, à mesma fruição e até à violência encapotada que, por via da cultura, da moral e, às vezes, da instituição do religioso, se defende.
Observa-se que, para salvar o homem da violência, se faz violência nesse outro sentido, que para – diz-se – o libertar da ignorância, se ensina o mesmo à acumulação não menos ignorante de conhecimentos (a polimatheía), como poderia ser análogo em relação à riqueza, ao prazer, à dominação… E, sobretudo, o que naquela visão mais interrogativa nos causa perplexidade é que a aparente ‘ajuda’ aos outros, trai em grande número de casos uma projecção de carências próprias e até de auto-piedade e vampirização dos outros, um precisar deles para ‘se sentir útil’; como também o querer ensinar em muitos casos não tem o sentido etimológico de um mero deixar em signos (en-signare), de um indicativo, mas traz a marca do medo de que os outros descubram diferentemente, que percam a lembrança de uma tradição, etc., como se a memória obrigatória fosse mais importante do que a Vida.
E, nem vale a pena multiplicar exemplos desta inversão dos meios que fossem de libertação, como fins, afinal escravizantes em todos os níveis, seja do que ainda por autómato até possa ser útil na base material da civilização, na herança de técnicas, etc., seja do que é a inutilidade hipócrita e a falsa moral dos bem pensantes de um culturalismo que só se interpela a si mesmo, e representa uma imensa alienação simbólica (C. Castoriadis…).
Estimaríamos aqui retomar uns versos de Pessoa, que já citámos noutro lugar, mas que são de uma radicalidade de observação correspondente ao que fica em suspenso pelo nosso interrogar:
“Falas de Civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!” (F. Pessoa, «Poemas Inconjuntos», in: Obra Poética, ed. Mª. Aliete Galhoz, Rio de Janeiro, ed. Aguilar, 1972, p. 231)

Tem este blog uma temática programática (no eco do “manifesto” da Nova Águia com a qual concordamos em boa medida…), oscilando entre a propedêutica de um pensar nacional e uma reflexão apologética, ou não, do que outros foram percorrendo em pensamento e escrita. E tanto, e tão de interesse, para os que tenham idade ou confundam na mesma outra energia, de interesse assim velado, um incentivo para blogarem. Útil será, quiçá mesmo necessário ou até urgente na hora mortífera que a comunidade de Portugal (ou dos Portugais vários…) assim suscita.
Está tudo explicado (e bem), a tecnocracia, a morte da alma, a derrota das ideias… e justificado pela denúncia da infidelidade ao Espírito, porque se haja de cumprir um Quinto Império, mesmo que na búdica e cristianíssima convicção de que há contemplativa esperança de um amanhã…
Sim, sim…, isso e o mais que nesta língua de marear agora convertida em lusofonia, como a telefonia dos nossos avós, faz sorrir de maroto sorriso o nosso Agostinho da Silva. Voos de águia já quase em extinção nos nossos montes, alados por energias alternativas e até em relação àquela fé ‘capaz de mover montanhas’… De permeio a tantos registos desde o bestiário literário até esta ‘fé de carvoeiro’ está o ‘nítido nulo’, o “zero infinito” da paradoxal mestria de desdizendo dizer, ou então da parrhesía do “sim, sim, não, não; o mais vindo do maligno!” (Mt 5, 37)
Já o dissemos noutros lugares: Portugal morreu, sobretudo enquanto alma ou nação, ainda que como país possa sobreviver (melhor se diria vegetar ou até prosperar mas de acordo com aquele critério de futuro e de utopia que assim o deslocaliza…na globalização do mesmo…).
Aqui talvez só haja, então, a dizer “paz” ao ciclo desta maré de gente e de destino, “paz à sua alma”, pois os outros Portugais, bastardos ou não, terão diversas suas crenças. A nós resta-nos a miragem ‘alquímica’ de um renascimento por via não sexuada, nem da prostituição europeia, antes de Fénix temperada de sereia e com rabo de peixe. Uma tal indolência de praia ou de mística paciência de que a hora virá (se tiver de vir…), ou que até já veio desde a consciência telúrica destas paragens de Santa Maria aos fogos fátuos de uma crença precipitada ainda nessa liquefacção em bagnum Mariae.
Mas seja por esta ‘dupla Maria’ (ao invés do símbolo de Marta…cf. Lc 10, 38…), seja pela dúplice maré da fala de embalar, não vale a pena por demais infantilizar o nosso dizer colectivo, quando afinal outra adulta e actual competência bloguística faz apenas o circuito da piscina elitista de um conversar de uns com outros à margem daquele fado, daquele futebol, daquela telenovela do falar comum e sem nada dizer.

E vem agora... aqui! o nosso verbo conjugar a descrença!, - que só o hoje há para nós e que o que é não precisa de ser ‘esperado’, ‘acreditado’ sequer, mas amado como tal! Amado com ferrugem e tudo, na ruína ou na flor do que na cloaca do mundo seja a loucura generalizada ou outra insânia mais bem composta em trajo retórico e persuasivo. A doação como consentimento, que alguns dirão ‘quieto’, mas que – sabemo-lo por experiência – muito inquieta, desassossego da alma (a lembrar Bernardo Soares…) que falta e do muito que se tenha de aprender sem cartilha, sem programa e… sem blog.
E, por que não conversar deste último modo, como uma espécie de amor virtual, a masturbação mental e distante dos que ruminam razões, que querem sempre ter, como se a loucura não possa sair à rua naquela outra sapiência que se diz não ser deste mundo?... De facto, se os eventuais leitores deste meu sem jeito de estar me entenderem, ou se lhes acaba a conversa, ou se torna esta mais abundante e peregrina de sempre uma dialéctica totalmente crescente, que não consciente da sua mesma totalidade. E que importa, se se tiver esta ou outra reacção, que seja isto ou aquilo, se já estivermos capazes do despojamento de razões e outras memórias?
O passo incerto em que nos des-encontramos leva-nos ao recolhimento da palavra como outro indicativo de vida e do pensamento numa mutação de consciência virada para o essencial desse ser diferente e até na descontinuidade disto mesmo. Por isso, inspirando-nos da búdica e cristã atitude de despojamento vai ser experiência este não saber, não poder, não querer, e nem sequer ser, desconstruindo a Esfinge e a sua pergunta obrigatoriamente letal, divergindo os caminhos da vida por várias vidas e universos diversos, num sentir assim, num pensar assado…, como quem respira ou faz música, cada vez com menos orquestra, com menos instrumentos, com menos do próprio menos, que moral ou monasticamente ainda aqui fosse tentação.
Deixemos em paz o espírito das coisas e saibamos morrer de outras moções para apenas ver sem memória visual, estar lúcido sem ter que relatar a narrativa lógica, amar sem pretender garantias disso. Um tão só viver. Só! …e sem sequer o luxo de um “eu” que turve aquele olhar lúcido.

Vedes como acabei por ‘meter o pé na argola’, ou melhor dizendo no círculo digitalizado, que felizmente é como um espelho de outra geometria de alma, em que, tal na fita de Möbius, se pode estar dentro e fora a um tempo. Afirmarmos, sem convicção, e rirmo-nos do nosso próprio fátuo cepticismo; ironias como passos de dança na inutilidade de tudo. Escutemos, outrossim, a graça de um silêncio que orienta para o ritmo certo de um acordo (harmonia) com o que houver de ser, sem o descalabro desta mesma moral.
Para terminar o que vai longo e, reconheço, “exercício de estilo” inútil, detecto que um cristianíssimo “anjinho” como ‘Espírito Santo de orelha’ me inspira a concluir com a beleza daquelas palavras do Evangelho:
«Reparai nos lírios, como crescem! Não trabalham, nem fiam. Pois Eu digo-vos: Nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como um deles. …» (Lc 12, 27)
Mas no outro ouvido, talvez oriental, oiço a voz do silêncio no mantra também apropriadamente conclusivo do Prajñapârâmita Hrdâya-sûtra (ou abreviadamente «Sutra do coração», § 8):
«Gate, gate, paragate, parasamgate, boddhi, svaha!» (“Para lá, para lá, transcendendo, totalmente para lá, saúdo à Luz (boddhi, ou iluminação).”
Porém, mais na poética portuguesa, vir-nos-ia à boca a saudosa névoa, nem se sabe bem de quê, porque a Mensagem não é clara: “Ó Portugal, hoje és nevoeiro! (in: F.P., «Mensagem», ed. cit., p. 89)
Nevoeiro!? Que bom! - exclama a criança que em mim não matei. E com o prosaico máximo de aqui simplesmente estar, saboreio um chocolate sem metafísica nenhuma. É gostosa a vida, mesmo quando dói.

Carlos H. do C. Silva

2 comentários:

Lord of Erewhon disse...

Meu caro filósofo, tenho uma teoria simples e curta: o retorno ao essencial, aos pensamentos que ainda funcionam, como quando Nietzsche afirma: «Wotan deu-me um coração duro.»
O pensamento ocidental tornou-se um imenso labirinto, igual às nossas cidades, igual ao nosso desconcerto.

Para mim tudo se tornou claro há muito: elegi como estandarte os pensamentos que me ajudam a sobreviver no mato, no deserto e no abismo. Tudo o mais é já um escombro, uma ruína pretérita, mesmo que a cubram de nova cal todos os dias.
Eu também sou inteligente, também devorei livros, mas de nada me servem, uma e outros, desarmado face a um tigre.

O tigre chama-se agora Decadência - e eu estou inteiramente disponível para recomeçar de novo, como na aurora dos dias, em que o sapiens sentia pura e espontânea alegria... com o simples odor do sangue!

Abraço.

José Pires F. disse...

Faltam-me o conhecimento e a capacidade intelectual, para avaliar completamente as suas palavras porque, no fim são poucas as palavras que nos doem, poucas as pessoas que tocam o nosso coração e menos ainda as que tocam a nossa alma.
Baudelaire, disse que devíamos andar sempre bêbados, bêbados com vinho, com poesia ou com a virtude, a nosso gosto, para que não nos sentíssemos escravos martirizados do tempo.
Quero entender esse tempo, como o tempo desperdiçado por negligência, o tempo onde nada tem realmente existência e que induz, como existência, o social particular do presente pontual, que é o pior de tudo.

Porque as ideias são a suprema mais valia dos que pensam e se esforçam, hoje saio daqui embriagado, não de vinho.

Um abraço.