“(…) só restaria ao português construir um sistema propriamente político que não fosse contrário à sua essência. Como alicerce indispensável, uma descentralização da autoridade, num regresso ao direito de foral; sem descentralização administrativa, sem autonomia o mais ampla possível das Juntas de Paróquia e das Câmaras, tudo o resto seria pura retórica; tudo o restoseria pura reforma de títulos e de papel timbrado. Logo a seguir, deveria ter o liberalismo assegurado a um governo eleito por cortes ou escolhido pelo rei, mas sujeito em qualquer caso a periódico exame, pelas cortes, de directivas económicas, políticas e educacionais, amplos períodos de administração, de modo a garantir continuidade administrativa tanto mais necessária à medida que se iam desenvolvendo técnicas e levantando problemas que exigiam planejamento e tempo largo de experiência. Além de tudo, o só se reunirem cortes a períodos largos teria ainda a vantagem de diminuir a um mínimo o parasitismo de pares e de deputados que se criou com o sistema liberal substituindo o parasitismo dos fidalgos do antigo regime.”
página 70
Agostinho da Silva: “Ensaios sobre Cultura e Literatura Portuguesa e Brasileira I; Âncora Editora
1. Este é um dos mais expressivos, claros e sintéticos parágrafos que Agostinho da Silva jamais dedicou ao assunto da “reorganização de Portugal” e à refundação de um sistema político verdadeiramente português. Agostinho começa por descartar aqui, e em parágrafos anteriores, a utilidade que o “parlamentarismo liberal” pode ter para o Espírito Português e explica por essa inadequação o fracasso de sucessivos governos e formas de governação que se têm sucedido em Portugal depois do período aúreo da Expansão e dos Descobrimentos.
2. O sistema político “essencialmente português” de Agostinho assenta fundamentalmente no princípio da Descentralização. Uma redução profundo dos Poder e dos poderes reservados actualmente ao Centro e uma refundação de Portugal a partir das suas Regiões (menos) e dos seus Munícipios (mais), verdaeeiro pilar da Democracia em todos os aspectos em que se pode exercer o Poder, desde o meramente Político, à Justiça, à Educação, à Saúde e até ao aspecto monetário e financeiro, com a criação de “Moedas Locais” e “Bancos Locais de Investimento” bem segundo os modelos propostos pela Sociedade E. F. Schumacher.
3. Para além destes Governos Locais, sediados nos Munícipios Autónomos e reunidos numa Federação, haveria no modelo de Agostinho, um Governo Central, destituído de muitas funções administrativas, económicas e judiciais, mas detendo ainda a parte maior das competências militares e diplomáticas, para além de todos os demais domínios que pela sua própria natureza extravazem a natureza local das administrações municipais. Este Governo seria eleito em Cortes, isto é, no Conselho reunindo os representantes eleitos localmente por cada Conselho da Federação e respondendo apenas perante ele. Agostinho considera noutros textos, a possibilidade de se constituir um “Chefe de Estado” num rei eleito, à maneira suévica e visigótica, detendo um poder pouco mais que simbólico e recusando assentar Paço numa ou noutra “Capital”, mas vivendo em todos os Munícipios federados, uma de cada vez.
4. O governo central, assim como as administrações locais seriam sujeitas a períodicas avaliações, mas teria períodos de governação mais amplos que o concedidos pelo actual sistema Parlamentar, desta forma se garantiria “continuidade administrativa” e dispensaria a necessidade de manter uma classe parasitária de Deputados, Pares ou Fidalgos que vivem de e para a conflitualidade política e para o estéril debate verbal, nada conhecendo da Realidade para além dos limites do edifício onde reunem e vivem.
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