L.B.T. : O
Pascoaes diz qualquer coisa crítica relativamente à questão poética no
Pessoa...
E.L. : Uma das primeiras coisas que me aconteceram foi ficar muito
indignado com uma frase numa entrevista ao Pascoaes, onde a dada altura lhe
perguntaram: "o que é que pensa do poeta Fernando Pessoa?" E ele
respondeu: "mas ele não é poeta." Não é poeta? Eu fiquei muito
indignadíssimo. Mas sei o que ele queria dizer com aquilo.
L.B.T. : O
professor estava lá?
E.L. : Não, li num
texto. Acho que foi n’O Primeiro de
Janeiro[1].
Não sei se já o tinha conhecido naquela altura. Porque uma das coisas mais
bonitas que aconteceram em Coimbra quando lá estive foi uma homenagem que nós
fizemos ao Teixeira de Pascoaes. E eu pensava que ele já tinha morrido há muito
tempo, se não, não mandavam livros, não é [risos]. Então, nós estudantes,
fizemos uma festa muito bonita. Então ele apareceu e eu pensava que já tinha
morrido há muito tempo [de novo risos]. Eu tinha lido uns versos dele quando
tinha, para aí, catorze anos, nuns papéis arrancados numa revista qualquer. Era
um poema de um livro famoso chamado As Sombras... "Ah se não fosse a névoa (...) // Eu não era
o que sou" [do poema "Canção duma sombra" do livro As
Sombras de 1907].
Há muitas coisas que são de dois poetas imensos, ele e o Pessoa. Mas
dois poetas completamente diferentes. A poética do Pascoaes é uma poética
romântica e mesmo hiper-romântica. A inspiração não é ele, não é? E o Fernando
Pessoa trocou isso por miúdos. Faz uma análise sobre essa própria inspiração. E
ele [Pascoaes] não, ele considera que tudo o que não sai da inspiração no
sentido clássico do termo - propriamente do termo - não é propriamente poesia,
é outra coisa. Logo que a inteligência começa a controlar isso, a coisa que é
dada pelos deuses, pela musa, etc., já não é realmente a poesia. E é isso que
ele queria dizer. Mas eu naquela altura não li isso assim [relativamente ao seu
comentário sobre Pessoa]: Mas afinal o que é que o homem quer dizer? Fiquei-lhe
com uma raiva [risos]. Só mais tarde é que eu recuperei para mim o Pascoaes,
que considero um dos maiores poetas portugueses de sempre.
(excerto)
[1] “O que
nós vemos das cousas são as cousas”, verso do poema XXIV de O Guardador de Rebanhos (Alberto Caeiro).
Este verso citado por Pascoaes na sua última entrevista teve o seguinte
comentário: “veja o poema (o poema?!) que
começa ‘O que nós vemos das coisas são as coisas’… isto não é poesia nem
filosofia, nem nada.” (n’ O Primeiro de
Janeiro, 25 de Maio de 1950, republicada in Teixeira de Pascoaes, Ensaios
de Exegese Literária e vária escrita: opúsculos e dispersos, Lisboa,
Assírio & Alvim, 2004, pp. 249-253). Contextualizando e analisando várias
perspectivas, favoráveis e desfavoráveis, de Pascoaes sobre Pessoa, leia-se,
por exemplo, o artigo de Renato Epifânio
intitulado «Entre “Orpheu” e a “Águia”, entre Fernando Pessoa e Teixeira de
Pascoaes» (Nova Águia 15). Também: Luís
Tavares, “Escrever, descrever e sensações em Álvaro de Campos”, in Revista
Nova Águia, nº14, 2º semestre, Zéfiro, 2014, pp. 152-159.