A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
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Donde vimos, para onde vamos...

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domingo, 31 de janeiro de 2010

Já começaram a chegar textos para o nº 6 da NOVA ÁGUIA...

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Rodrigo Sobral Cunha
TEÓFILO O JOVEM

(excerto)

Entre nós os da língua portuguesa, o provérbio Vox populi, vox Dei – que todos os Cristãos do Sacro Império Romano-Germânico conheceram, como aliás os antecessores da Christianitas do Império Romano – mantém de certo modo duas traduções, ou tradições, que enunciam duas leituras consoante queiramos escutá-lo do lado de Deus ou do lado do Povo. Digamos que uma versão do provérbio – Voz do povo, voz de Deus – é teocrática ou teológica, o que equivale a dizer conforme o desígnio do alto: posto que o povo escuta a Deus, escutando o povo escuta-se Deus, que é assim como a voz do povo; ou seja – a voz de Deus soa na voz do Povo. A outra versão do provérbio – A Voz do povo é a voz de Deus – permite já uma interpretação antropológica ou democrática, isto é, segundo o humano desígnio: escutar a voz do povo confunde-se de tal modo com escutar a voz de Deus, pois tanto fala Deus ao povo, como fala o povo a Deus, que se vai a ponto de se escutar Deus no falar do Povo; ou seja – a voz do Povo soa como voz de Deus. Claro que a interpretação maior do sábio provérbio é a que, colocando os dois como em um, não distingue versões, para melhor unir o que Deus e Povo não quiseram separado.
Procuramos assim, entretanto, aproximar-nos em obnubilada homenagem do sentido do nome próprio de Teófilo Braga (1843-1924) – o Amigo de Deus – cujo operoso amor ao Povo Português haveria de erigir pai da Pátria, “um dos últimos pais da Pátria”, segundo Álvaro Ribeiro, que em 1977 o exarava também “o último romântico”; especificando: “na exactidão histórica de quem defendeu o princípio cultural das nacionalidades, inspirado na tradição do medievalismo.” [1]
Segundo a caracterologia do exegeta da filosofia portuguesa, “Teófilo Braga pertenceu muito mais à família espiritual de Alexandre Herculano e de Almeida Garrett do que à de Antero de Quental, Oliveira Martins e Eça de Queiroz” [2] . Notou, com efeito, Álvaro Ribeiro que “em Portugal foram Teófilo Braga, Sampaio Bruno e Teixeira Rego os escritores que nos ensinaram a extrair da nossa história da literatura uma história de filosofia […]” [3]. Para Álvaro Ribeiro, é Teófilo Braga “o mais poderoso obreiro da literatura portuguesa na segunda metade do século XIX”, cujo pensamento “surge na configuração propícia de um precursor da filosofia portuguesa”, ensaiando a expressão inaugural de “uma visão filosófica da História da Literatura Portuguesa” [4]. Na assunção das raízes populares portuguesas, bem como das ramagens da verdadeira teoria, virá a propósito recordar ainda o comentário de Álvaro Ribeiro – até porque ajuda a elucidar a dualidade característica do pensamento português – de que “Agostinho da Silva concorda com Teófilo Braga em atribuir ao povo uma resistência de ordem maravilhosa e de sinal profético”, posto que “a diferença notável entre os dois historiadores da literatura está em que o doutrinador positivista procurou fundamento na lei dos três estados, formulada por Augusto Comte, enquanto o intérprete franciscanista considera por firmamento o dogma da Santíssima Trindade” [5].
A singularidade romântico-positivista do pensamento de Teófilo condu-lo a assertivas como esta: “No organismo social, a consciência é conhecida pelo nome de Nacionalidade; ela está ligada a impressões profundas, de uma persistência tenacíssima, até ao ponto de já não existir nenhuma forma material de nação, e ainda se conserva esse sentimento, como se vê com o Judeu. As impressões que perpetuam essa consciência nacional são o objecto das tradições, são o proselitismo religioso, são a dedicação altruísta do civismo, por onde se revela a vida histórica de um povo.” [6]
Uma ritmanálise do pensamento de Teófilo Braga mostra-o, porém, inconciliavelmente dividido, como ele mesmo confessa no mês dos seus quarenta e um anos, entre “a serenidade contemplativa da Arte” e “a crítica, a erudição, a ciência, a filosofia”. E se nesse mesmo texto acrescenta: “só muito tarde é que consegui conciliar em mim estas duas tendências do espírito”; na verdade, um passo de linhas aí à frente vai situar-se a si mesmo, com sinceridade maior, “neste dilema dos dois amores, em que ainda se debate o espírito, atraído para a arte e seduzido pela ciência.” [7] Ora, um tal dilema, como é sabido, reflectiu-se muito especialmente nas opções que Teófilo Braga tomou em relação ao pensamento de Giambattista Vico e em relação ao sistema de Auguste Comte. Ninguém ignora qual destes dois modos de compreensão do movimento histórico se tornaria vigente no tempo dos homens e sua mentalidade, até nós.
Escutemos o que em torno disto mesmo pensou Álvaro Ribeiro:
“Lamentamos hoje que Teófilo braga não tivesse permanecido fiel à inspiração de Vico para aplicar ao pensamento do seu tempo e ao estudo das coisas do nosso país. Vico era o representante de uma filosofia peninsular em reacção a uma filosofia continental que, no século XVII com o cartesianismo como no século XVIII com o enciclopedismo, sempre tem pretendido assumir hegemonia na cultura europeia. O anticartesianismo dos povos insulares e peninsulares, orientado segundo o pensamento de Vico, seria a libertação fecunda de um falso e abstracto universalismo.
“Correspondia o pensamento de Vico às tendências próprias do liberalismo romântico, quer pela sua predilecção teológica, quer pelo estudo das tradições, quer pelo sentido da liberdade humana. A obra de Michelet, muito lida pelos escritores portugueses, ainda mantém pura a inspiração do filósofo napolitano. Só mais tarde foi o humanismo de Vico interpretado num sentido pragmatista e ateu, por quem não soube ler o contexto das suas obras admiráveis.”
“A poesia é, para Aristóteles, mais verdadeira do que a história. Mas a filosofia da história, nas grandes linhas traçadas por Vico, é propícia à formação de grandes poemas e à epopeia da humanidade. A Visão dos Tempos, de Teófilo Braga, como audaciosa e original concepção deste tipo, tem o alto mérito de ser uma concepção nova, embora imperfeitamente realizada.” [8]
Assente, por conseguinte, que houve um Teófilo romântico e um Teófilo positivista e que essa dualidade atravessará a sua obra, na qual se há-de contar decerto a República Portuguesa, importa agora reparar bem que durante uma década permaneceu ele em linha directa da obra de Vico, onde, segundo conta na Autobiografia, “recebeu a primeira iniciação”, precisamente pelo verdadeiro sentido da poesia.


[1] Álvaro Ribeiro, Dispersos e Inéditos (Organização e apresentação de Joaquim Domingues), III, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005, p. 287. São ainda palavras de Álvaro Ribeiro acerca de Teófilo Braga: “Ninguém, como o último romântico, soube interpretar a História do Povo Português nos seus aspectos fonético, prosódico, versicular, ortográfico, literário, político, científico, filosófico e religioso como o Mestre admirado, venerado e respeitado do Curso Superior de Letras” (ibid., pp. 291-292). E na transição para a política, observa Álvaro Ribeiro: “Teófilo Braga viu que o problema social português consistia em doutrinar um amplo escol que estivesse apto a exercer as funções governativas logo que fosse proclamada a República” (ibid., p. 580). Num texto intitulado “Vicissitudes da filosofia portuguesa”, de 1952, Álvaro Ribeiro regista: “Como é sabido, foi Teófilo Braga quem conseguiu transformar a propaganda romântica e messiânica de um regime político melhor, - melhor do que o regime da Carta Constitucional, - na severa doutrinação positivista que conduziu logicamente à proclamação da república” (Álvaro Ribeiro, Dispersos e Inéditos [Organização e apresentação de Joaquim Domingues], I, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2004, p. 472).
[2] Dispersos e Inéditos, III, ob. cit., p. 288.
[3] Álvaro Ribeiro (1957), in Dispersos e Inéditos (Organização e apresentação de Joaquim Domingues), II, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2004, p. 356.
[4] Álvaro Ribeiro, Os Positivistas – Subsídios para a história da filosofia em Portugal, Lisboa, s.e., 1951, pp. 58-59, 64. “Uma teoria das morfologias culturais talvez fosse a mais conveniente para o trabalho que Teófilo Braga se propôs fazer entre nós e que em grande parte realizou. […] Assim deixou-nos Teófilo Braga uma obra que podemos admirar com sinceridade, que podemos utilizar com proveito, mas que serve principalmente de modelo e exemplo para quem quiser reconstituir, à luz da filosofia especulativa, a teoria da cultura portuguesa” (ibid., p. 77).
[5] Ibid. (1958), p. 455.
[6] Teófilo Braga, Traços Gerais de Filosofia Positiva, Lisboa, 1877, p. 8 (citado por Álvaro Ribeiro, Os Positivistas, ob. cit., p. 72).
[7] Preliminar dos Contos Phantasticos (2ª edição), em Fevereiro de 1894. Nos Contos tradicionais do Povo Português, cita Teófilo, sintomaticamente, o poemeto de Filinto Elísio “Defeitos da Filosofia”: “Que cousa há nas matas espinhosas / Dessa magra e subtil Filosofia / Que emparelhar se atreva c’um bom Conto / De Fadas, c’o condão de uma varinha? […] Oh ricas Fadas, rico encantamento, / Enleio dos sentidos agradável, / Com que saudade crua, e com que pena / Vos choro, de entre nós afugentadas / Por esses maus Filósofos esquivos / De todo o bom saber […]!”
[8] Álvaro Ribeiro, Os Positivistas – Subsídios para a história da filosofia em Portugal, ob. cit., pp. 59, 60, 163. Dedicámos há mais de uma década um estudo ao pensamento de Giambattista Vico e à sua recepção na Europa e em Portugal, sob o título “Giambattista Vico e Europa: Ciência da Lira e das Nações”, publicado em Gepolis - Revista de Filosofia e Cidadania, nº 6, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 1999 (pp. 50-61).