A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
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Donde vimos, para onde vamos...

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Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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sábado, 29 de agosto de 2009

Pedro Unamet - filho do referendo

Dez anos depois de comover o mundo com o seu nascimento atribulado, Pedro Unamet Rodrigues quer uma PlayStation, emigrar para a Austrália e ser ministro da Saúde. Mas para já deseja dar uma prenda a Ian Martin, o chefe da missão da ONU em Timor na altura do referendo.



Um rapaz faz a continência ao seu pai, um agente da polícia filipina enviado para Timor-Leste, durante uma cerimónia em Manila a 14 de Outubro de 2006. (Reuters, Fotografia de Cheryl Ravelo).


A história de Pedro Unamet Rodrigues teve início antes de o menino nascer. Logo que Ian Martin, chefe da missão da ONU (Unamet) em Timor-Leste, anunciou a vitória da independência, cinco dias depois da consulta popular de 30 de Agosto de 1999, a orgia de violência arrancou. Entre a fúria das milícias timorenses integracionistas, enquadradas pelo exército indonésio, e a fuga do pessoal estrangeiro de Díli, uma mulher no fim da gravidez tentava sobreviver.

No dia em que Timor viu reconhecida a legitimidade de 24 anos de luta, Joana Sousa Freitas, então com 28 anos, assustou-se com duas mortes às mãos da milícia Aitarak (espinho), ocorridas no bairro em que vivia, Santa Cruz, um lugar dado a massacres.

Enquanto dezenas de milhar de conterrâneos eram deportados para várias latitudes do arquipélago indonésio, Joana procurou "o único lugar seguro de Díli". Mas na sede da Unamet não a deixaram entrar. Dormiu numa escola vizinha, com uma banda sonora de tiros, e, no dia seguinte, acometida pelo medo, fez como os outros: "Saltei a vedação de arame farpado, ajudada pelo meu marido."

Nesses dias, a situação de caos em Timor fazia manchetes na imprensa internacional, o conselho de segurança da ONU reunia de emergência, Portugal vestia de branco, Lisboa dava as mãos de ponta à outra da cidade. "Todos os dias, só ouvia tiros. De repente, o rapaz nasceu", lembra Joana.

O parto do menino nascido a 7 do "Setembro negro" correu mundo. Chamaram-lhe Pedro, como queriam os pais, Unamet por sugestão do pessoal médico da ONU. Os seis meses seguintes, passou-os em Darwin, Austrália, num acampamento para refugiados timorenses nos arredores da cidade. Os pais divorciaram-se logo a seguir.

Dez anos depois destes acontecimentos, encontramos Pedro Unamet no mesmo bairro de Santa Cruz de onde saiu na barriga da mãe. A casa antiga foi pilhada, como quase todas em Díli, e ardeu, como tantas. A nova é uma típica habitação indonésia, básica nas paredes levantadas com cimento num azul sumido, e uma cobertura elementar contra a inclemência do sol e estação das chuvas.

Desta criança disse Ian Martin que era "o testemunho do povo de Timor", recorda Joana Freitas Sousa e, agora que o ex-chefe da Unamet volta a Díli para os dez anos do referendo, é bem capaz de celebrar um outro aniversário: "Quero dar uma prenda ao Senhor Martin, um tais (pano tradicional timorense)", diz o rapaz numa das poucas frases que pronuncia.

De resto, a história é quase toda contada pela mãe. Pedro Unamet não é de muitas palavras e quase todas as que sabe são em tétum. Conhecê-lo é aliás uma forma de fazer o raio X de Timor nos últimos dez anos através de um dos seus primeiros filhos. Muitas crianças da sua idade também não conseguem ir além das saudações em português, mas Pedro teve azar.

Pedro estudava na escola portuguesa em Díli até que, em 2006, uma crise institucional generalizada, agravada pelo envolvimento das forças armadas e implosão da polícia, deixou a capital em estado de sítio e 150 mil deslocados.

"Fugimos para junto da minha família em Baucau", recorda Joana Sousa Freitas, e, no regresso, Pedro Unamet teve de ir estudar para outra escola, onda o português não é ensinado com o mesmo empenho.

Não fosse o olho direito, perdido numa pedrada que não era para ele numa brincadeira de crianças, Pedro tem o ar saudável das crianças de dez anos. "Come tudo o que pomos na mesa", diz a mãe.

http://dn.sapo.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1347467&seccao=CPLP

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Não vou aqui tomar posição sobre a actual situação político-institucional em Timor-Leste. É difícil ter uma visão clara sobre essa nebulosa da qual ainda está para sair um Estado verdadeiramente democrático. É preciso não esquecer as convulsões destes últimos 10 anos. A deposição dum Primeiro-Ministro democraticamente eleito, é uma das feridas, mas há mais, e mais profundas. O atentado contra o Presidente Ramos Horta e o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão, ocorrido como consequência duma insurreição na qual os alvos dos atentados tiveram uma intervenção, vista à distância, pouco clara. E na sequência destes acontecimentos, os julgamentos revanchistas de figuras como a companheira do major Reynado, acusada de cumplicidade nos atentados. Para não falar do jogo estratégico das duas potências regionais, a Austrália e a Indonésia.

É preciso também não esquecer a intervenção da ONU naquele que é o país lusófono mais recente. Aqui o papel do malogrado Sérgio Vieira de Mello deve ser devidamente reconhecido, porque muita da viabilidade institucional do Timor que se ergueu das cinzas da violência indonésia (e timorense, uma vez que as raízes da violência das milícias estavam bem cravadas no tecido social timorense) se deveu à capacidade de geração de consensos deste administrador brasileiro da ONU.

Por isto é com inquietação pelo futuro imediato de Timor-Leste que tomo conhecimento dos apelos do Presidente Ramos Horta ao fim da exigência da constituição dum tribunal penal internacional para julgar os crimes praticados pelos indonésios e as milícias, no período final da ocupação indonésia. Parece-me que um processo de reconciliação como o da África do Sul não é possível na actual conjuntura timorense. Mas penso que a barbárie não pode ficar impune nem incólume a um julgamento à luz dos valores fundamentais expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Neste sentido a Amnistia Internacional, nascida por causa dos crimes da ditadura em Portugal, nos deve merecer o máximo apoio na sua reivindicação por Justiça.

É compreensível que o Presidente Ramos Horta veja hoje na Indonésia um país muito diferente que busca o desenvolvimento e a democracia. É certo que a sociedade indonésia terá que se confrontar com o seu próprio passado recente e, certamente, irá encontrar formas de fazer Justiça que se coadunem com um futuro democrático e civilizacionalmente viável. O problema é que não é só a independência dos Estados que está aqui em causa: numa escala de valores fundada num integral respeito pelos direitos humanos (que desejavelmente deverá ser integrada numa estala de ordem superior assente na compaixão universal, englobante de todos os seres capazes de sofrer) a independência estará subordinada a uma ordem superior de soberania. Em situações como a timorense (e também a que se vive dentro das fronteiras indonésias) só uma solução internacional (da qual os Estados envolvidos não estarão excluídos) poderá garantir a verdadeira independência dos Estados. Esta deve assentar numa ordem constitucional que obrigue as instituições do Estado a promoverem a integralidade dos direitos e dos deveres dos cidadãos. No caso timorense, o estado democrático ainda está em construção e os ventos que sopram da Austália e da Indonésia têm ainda a força dum tufão. Penso que a lusofonia terá ali um papel que está longe de ser assumido, embora, por exemplo, a presença portuguesa seja ainda um factor de estabilização – convém, também, não esquecer que foram os militares da GNR que socorreram o Presidente Ramos Horta na sequência do atentado e, perante a referida passividade dos militares australianos, garantiram a sua sobrevivência.

Todos os países lusófonos podem ter um papel importante no que respeita ao desenvolvimento de Timor-Leste. E também há que lembrar que a luta pela independência de Timor-Leste foi liderada, desde o início da ocupação indonésia, por Moçambique, ainda mesmo quando meios políticos portugueses, com responsabilidades governativas, assumiam a inevitabilidade da invasão indonésia e o seu carácter irreversível. Coisas explicáveis, talvez, pelo recurso ao guarda-chuva kissingeriano para protecção contra as borrascas internas. O que é verdade é que parte dos quadros timorenses devem a sua formação a esse país lusófono, sendo essa uma das fontes das clivagens existentes dentro da classe dirigente timorense, o que terá levado à diabolização de Mari Alkatiri.

Em relação a esta amálgama de problema, lembro a conferência de Francisco Fadul de 4 de Julho de 2009, sobre a situação da Guiné-Bissau, organizada pelo MIL, e estas sábias palavras:

“O nosso entendimento, reforça-se a concepção da cidadania como o alargamento e aprofundamento dos direitos, garantias e liberdades fundamentais dos cidadãos, enquanto condição do surgimento e da consolidação de um espaço democrático que estimule à iniciativa, à criatividade e à responsabilidade sociopolítica dos cidadãos, logo, à participação social mais ampla e assídua e à correlativa delimitação e limitação dos poderes do Estado face ao indivíduo, que deve ser o centro e o fim de toda a acção política.

Numa outra acepção, cidadania é a salvaguarda ou garantia pelo Estado, desses aprofundados direitos, garantias e liberdades fundamentais dos cidadãos, do que decorre que a cidadania é, assim, o próprio aprofundamento do conceito de nacionalidade donde se torna possível ter nacionalidade e não gozar de cidadania, num Estado nacional, como, igualmente, num espaço multinacional – como, por exemplo, o da União Europeia – dispor de cidadania supranacional, que não ponha em causa a nacionalidade originária: por exemplo, um português, um francês, um alemão, gozam da cidadania europeia, conjunto de direitos fundamentais avançados reconhecidos aos cidadãos de cada um dos países membros da União Europeia, mas mantêm intacta a sua nacionalidade portuguesa, francesa e alemã.

O mesmo é dizer, se quisermos transpor esta noção para o espaço lusófono, que a comunidade de laços históricos, morais, culturais e consanguíneos que determinaram a constituição da CPLP é o substrato que propende para uma cidadania lusófona (uma como que protocidadania lusófona), que não agride nem tem de contender com as nacionalidades geradas em torno dos Estados nacionais que a enformam. Na realidade, não é a CPLP que cria a comunidade lusófona que, nesse caso, não passaria de uma associação de Estados (!), pois o conceito de comunidade é aplicável às realidades sócio-humanas de génese tácita, paulatina, crescente e irreversível, porquanto aculturadas, em oposição ao conceito de associação, cujo surgimento depende de um acto voluntário de criação ou adesão.

Quando os actores políticos não estão sujeitos às exigências dos actores sociais (Touraine, op. c.: 83-84), perdem a sua representatividade. “Eles podem, postos assim em desequilíbrio, oscilar para o lado do Estado e destruir a primeira condição da existência da democracia, a limitação do seu poder”. Mas pode também acontecer que, além de se subtrair às suas ligações e deveres para com a sociedade civil, o façam igualmente para com o Estado, passando a não perseguir outro fim que não seja o do aumento do seu próprio poder”, corrompendo assim o sistema político democrático”.

O caso de Pedro Unamet é, aqui paradigmático. Se se considera a Língua Portuguesa como um elemento identitário com uma importância fundamental na sociedade timorense, há que ter em atenção o percurso deste filho do referendo e da independência, se bem que o texto da notícia mostre que a realidade educacional do país deve ser muito heterogénea. Depois, o desejo de emigrar para a Austrália e de regressar Ministro. Isto pode ser um mero assomo da imaginação infantil, nessa idade pode querer-se ser astronauta, piloto-aviador, jogador de futebol, o que for que pareça fabuloso e mediaticamente eleito como acima da vida comum. Mas parece-me que temos aqui uma representação ingénua, mas límpida, do que se passa em Timor-Leste no que respeita à atitude perante o futuro. É claro que 8 anos (a contar da data da independência) não dão muito espaço para o desenvolvimento, quando se partiu abaixo do zero. E falar da Educação e da Cultura como a chave para um desenvolvimento humanamente sustentável pode parecer descabido perante a enormidade dos problemas ligados à satisfação das necessidades mais básicas da população timorense. Mas talvez por isto seja urgente uma presença lusófona, assídua e empenhada, e a mobilização de todos os meios para garantir que Timor-Leste possa por fim garantir para si um futuro de paz e de consolidação democrática.

Quais as consequências, para esse futuro, da actual relação da geração de Pedro Unamet com a Língua Portuguesa?

8 comentários:

Renato Epifânio disse...

Não é por acaso que o Ramos Horta e o Xanana são tão avessos à constituição desse dito Tribunal Internacional. No actual estado de coisas, eles sabem que ele levaria, inevitavelmente, ao reacender da guerra civil...

Paulo Borges disse...

Isto só mostra a infinita escravidão de quem se dedica à política institucional, de Estado.

Rasputine disse...

Quando for pequeno não quero ser como este menino...

Paulo Feitais disse...

O "perdão" só pode ser alcançado perante a verdade. Esconder os factos, ou atirá-los para baixo do tapete da história (com 'h') só vai dar mais força ao vulcão da violência que, quer queiramos, quer não, é latente e irá manifestar-se.
Esta atitude dos governantes no poder pode ser aproximável da fuga que Portugal protagonizou em 1975. A luta pela independência de Timor-Leste é, entre nós, relativamente recente.

Renato Epifânio disse...

Esse é um bom paralelo. De que serviria agora julgar os portugueses que fizeram tão exemplar descolonização?...

Paulo Feitais disse...

O pior é que os colonizadores não foram julgados. Mas a memória não pode ser apagada...

Renato Epifânio disse...

Bom, talvez então tenhamos que começar por julgar o D. Afonso Henriques...

Edson Pelé disse...

E todos os brasileiros vivos...