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Há muitos anos que trago no coração dois amores: a promoção da língua portuguesa e o apoio a Timor Leste, este datando já do tempo da ocupação indonésia, após a retirada de Portugal da Província Ultramarina em 1975. Durante a última década, após Timor Leste ter obtido a autodeterminação, esses meus amores foram submetidos a duros testes. É quase como se fosse pai de dois gêmeos siameses, amo a ambos da mesma forma, mas seria mais fácil para eles e para nós se não estivessem ligados pelas ancas. Durante muitos anos, apreciei com estupefação o súbito interesse demonstrado por alguns brasileiros em relação a Timor: a jornalista Rosely Forganes passou um ano lá e escreveu o livro " Queimado, Queimado, Mas Agora Nosso" e a estrela de telenovelas Lucélia Santos virou realizadora e dirigiu o filme "Timor Lorosae: O Massacre Que O Mundo Não Viu". Elas e outros tentaram evocar alguns laços históricos entre os dois países e os dois povos, quando na realidade a maior parte das pessoas no Brasil liga tanto a Timor Leste como as pessoas nos EUA sabem e se preocupam pelas Ilhas Salomão (na Papuásia).
Assim, o que é que os brasileiros sabem do sudeste asiático? Sem falar já de Timor...Embora saibam sobre o Japão devido à migração em ambos os sentidos, e saibam sobre a China devido ao aumento das trocas comerciais, o sudeste asiático é desconhecido, território virgem, por explorar, ou mesmo uma área fora dos limites. Conquanto tivesse feito algum ruído simpático sobre Timor na ONU, o Brasil manteve sempre relações diplomáticas com a Indonésia, embora por vezes com alguma fricção entre ambos.
Em 1987, José Ramos Horta, atual Presidente escreveu: "Uma delegação comercial brasileira à Indonésia foi cancelada abruptamente. Os empresários brasileiros ouviram a versão de que a posição oficial brasileira estava a prejudicar as relações comerciais entre os dois países. Claro que os empresários (que jamais tinham ouvido falar de Timor e mesmo que tivessem ouvido falar também não se importavam nada) levaram a mensagem ao Palácio de Itamaraty. Arqui-pragmáticos os brasileiros tentaram jogar para os dois lados agradando à comunidade lusófona ao apoiar a proposta da ONU e aplacando a ira indonésia declarando que o Brasil não pediria a outros países para apoiarem essa moção da ONU".
Contudo, estariam, então, os brasileiros realmente tão interessados nessas transações comerciais com a Indonésia nessa época como estavam em apoiar os direitos à autodeterminação de Timor? Duvido. Talvez os líderes mais conservadores e os líderes militares anticomunistas como Geisel e Figueiredo tivessem mais em comum com Suharto, mas teriam algum interesse em serem recebidos por ele e vice-versa?
Em Fevereiro deste ano visitei Timor ou 'Timor Leste' como é hoje comumente conhecido, mesmo por pessoas que não falam português e tive o prazer de me avistar com brasileiros que ali trabalhavam. O brasileiro mais sobejamente conhecido é o falecido Sérgio Vieira de Mello, chefe da administração transitória da ONU. Ele cuidadosamente lidou com o problema da política da língua oficial em Timor e ganhou enorme respeito da comunidade timorense pelos seus esforços em aprender Tétum, a principal língua do país, algo que nenhum governador português fez.
Decerto que ajuda o fato de o Tétum, que é também língua oficial no país, ser altamente influenciado pela língua portuguesa, sobretudo no seu vocabulário mais moderno o que torna mais fácil que os portugueses o aprendam. Apesar de a maioria dos timorenses não falar ainda português, vale a pena recordar que há oitenta anos, naquilo que é hoje a Indonésia, apenas cinco por cento da população falava o que se chama de língua indonésia. Essencialmente, uma derivada do Malaio, não era mais inteligível através do enorme arquipélago do que o Português para a maioria dos habitantes da Europa Ocidental.
Timor necessita de uma contrapeso para a Indonésia e Austrália, e ajuda que o país mais bem colocado na região para desempenhar tal papel, a China, veja a língua portuguesa como uma mais-valia mais do que uma desvantagem dado ter cultivado laços com o Brasil e Angola dada a sua necessidade de matérias-primas. Se ao menos o Brasil visse o problema da língua da mesma forma. É quase como se tivesse um complexo de inferioridade em relação à língua portuguesa, um sintoma de desejar ter sido colônia de qualquer outro país que não Portugal. Contudo, independentemente de jamais vir a ser a língua de Timor, o português é a língua oficial do Brasil e necessita de ser mais assertiva na sua promoção a nível mundial.
Infelizmente, quando escrevo (em Português) para os ministérios em Brasília ou para embaixadas brasileiras no estrangeiro para lhes perguntar quais os seus esforços na promoção da língua sempre os achei mais ineficientes do que os seus congêneres em Lisboa e apenas uma vez se dignaram responder-me. Conquanto o Instituto Camões de Portugal seja também ineficaz (e não faça nenhum favor à língua de Camões). Não existe equivalente seu no Brasil. Parafraseando uma velha anedota o Português do Brasil é a língua do país do futuro e será sempre assim. Por outras palavras, é a língua do país que não quer crescer.
O maior problema da língua portuguesa em Timor não é o de poucas pessoas serem incapazes ou de não quererem aprender mas que os brasileiros sejam inexperientes no seu ensino a falantes de outras línguas. Por exemplo, ainda não há dicionários de Indonésio-Português ou de Português-Indonésio. Isto significa que os professores brasileiros usam dois dicionários para decifrarem textos escolares indonésios que ainda são frequentemente usados. Por outro lado, existem muitos livros, incluindo dicionários, para falantes de indonésio que queiram aprender espanhol, muitos dos quais são bem utilizados pelos timorenses que foram para Cuba estudar medicina. Mais embaraçosa ainda é a existência de um dicionário Sueco - Indonésio. Que fez o Brasil para remediar esta falha? Nada.
Quando se trata de promover a língua portuguesa na Ásia o Brasil deveria ter enorme vantagem em relação a Portugal que é um país visto como apenas interessado em preservar as relíquias do seu passado imperial. Realmente, deve-se ao Brasil e não a Portugal que quase tantas pessoas na Ásia falem português hoje, há quase 300 000 falantes de Português no Japão, mais do que em Timor, Macau e Goa juntos. O Brasil necessita tanto da CPLP, a comunidade lusófona de nações, para promover a língua portuguesa como os EUA necessitam da Commonwealth, sucessora do Império Britânico para promover o Inglês A única coisa de valor que pode eventualmente vir a advir da CPLP, um canal internacional de TV, está bem longe de se tornar realidade, havendo mais hipóteses de ser a China a lançar esse canal de língua portuguesa. De qualquer forma, a Commonwealth está desacreditada como uma mera feira de falantes perante a qual o Reino Unido se sujeita a lições de moral de líderes despóticos e corruptos das suas ex-colônias ou de Moçambique uma ex-colónia de Portugal.
Aliás, o Brasil tem tanta necessidade de harmonizar a sua escrita com a de Portugal como os EUA têm de o fazer com o Reino Unido. No sudeste asiático ambas grafias são usadas (Inglês americano e britânico) muitas vezes interdependentes, mas isso nunca tornou a língua inglesa menos popular. Contudo o Brasil deveria escrever 'Singapura', e não 'Cingapura', o que parece tonto.
O Brasil não sofre nem acarreta essa bagagem colonial ou histórica e pode promover a língua portuguesa como devia ser feito, como a língua duma potência regional que quer ser levado a sério no palco internacional. Contudo, para o fazer, o Brasil deve levar a sério o resto do mundo e isso inclui o sudeste asiático.
É verdade que Brasília tem mais embaixadas na região do que Lisboa, mas como é que os diplomatas preenchem os seus dias? Tendo vivido em Singapura ri ao ver uma brochura intitulada "É tempo do Brasil em Singapura". Mas porquê só agora? Quando frequentei uma escola internacional em Singapura encontrei pessoas de todo o mundo mas nenhum Brasileiro, nem mesmo os filhos desses diplomatas. Muitos anos depois vim a descobrir a razão, o Itamaraty era demasiado sovina e não lhes pagava as propinas de inscrição.
Os brasileiros deverão aprender mais sobre a Indonésia, o gigante regional. Pode ter a maior população muçulmana do mundo mas não é uma Arábia Saudita. Bali, onde dois brasileiros morreram nos bombardeamentos da Jemaah Islamiyah em Outubro 2002, é predominantemente Hindu. Enquanto a Al Qaeda acusava Sérgio Vieira de Mello de ser um 'cruzador' a tentar "roubar parte do mundo islâmico" o arquiteto da invasão indonésia de Timor Leste em 1975, General Benny Murdani, era Católico Mari Alkatiri, o primeiro premiê de Timor era muçulmano. Assim, enquanto a língua indonésia continuar a ser vista com hostilidade por alguns timorenses educados em Portugal, como sendo a língua do opressor, muitas palavras em indonésio são de origem portuguesa *gereja, sepatu, garpu, roda, pesta, palsu, terigu, keju, mentega, lelang, meja, jendela, boneka* e inúmeras outras sem mencionar o nome dessa ilha indonésia, Flores.
Pode ser uma surpresa para muitos brasileiros saber que a Indonésia teve uma contribuição, mesmo que pequena, para um dos seus vizinhos, Suriname. Grande parte da sua população descende de trabalhadores emigrantes indonésios de Java trazidos pelos holandeses há mais de um século e que falam um dialeto javanês apesar de estarem em contato com a Indonésia há séculos. Durante muitos anos a única contribuição brasileira para a região foi através de telenovelas, na sua maioria dobradas/dubladas (Escrava Isaura em Chinês, *Sinhá Moça* em Malaio e *Terra Nostra* em Indonésio) pelo que poderiam ser desculpados por pensarem que os brasileiros não falavam português. Contudo, hoje existe a possibilidade de as audiências verem as telenovelas na língua original, dado que a TV Record está agora disponível em toda a Ásia via satélite. Oferece uma solução há muito esperada para substituir a pobre RTP Internacional de Portugal. Mas se os canais de língua inglesa podem ser legendados em línguas locais, então porque não os brasileiros? Ou mesmo a TVTL de Timor, a quem a TV Globo ofereceu gratuitamente programas?
No ano passado, Lula visitou a Indonesia, e o seu homólogo Indonésio, Susilo Bambang Yudhoyono (SBY) visitou o Brasil, mas quantos Brasileiros e Indonésios se seguirão? Não muitos, e a anunciada "cooperação sul-sul" nada mais é do que isso, um anúncio. Ao contrário da China que é uma economia sedenta de recursos a Indonésia é rica em recursos e encara como pouco vantajosa uma mais intensa ligação comercial ao Brasil. Contudo, agora é possível voar entre São Paulo e Jacarta via Dubai, pelo que as viagens entre os dois países ficam bem mais baratas do que viajando através da Europa.
A ignorância e o esquecimento de outras regiões do mundo é um sinal clássico de países de terceiro mundo e de todos os países pertencentes ao grupo BRIC, o Brasil é o que mais está voltado para seu próprio umbigo. Conquanto a sua decisão de se envolver com Timor há dez anos atrás possa ter sido ingênua os brasileiros que conheço e ali trabalham mostram grande afeto e dedicação ao país e não encaram o seu papel como limpando a trampa de outros países, sejam eles Portugal ou a Indonésia. Mais importante ainda é que retiram o Brasil da sua contemplação ao umbigo para uma região do mundo que tem sido tradicionalmente ignorada, e devem acordar para novas possibilidades quer nos campos econômicos como nos culturais.
Ken Westmoreland (tradutor de Português e Tétum sediado no Reino Unido que viajou pela Indonésia e Timor)
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domingo, 7 de junho de 2009
TIMOR: Para vos conhecermos melhor: Brasil e Sudeste Asiático
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