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PASCOAES E A ALMA DA EUROPA (III)
«A palavra Europa sempre designou um conceito de geografia (um espaço) isto é, dos modos de gravar os nomes das partes da terra. Durante todos estes séculos, e pelo menos até à diplomacia de Metternich, a ressonância da Europa pouco ressoava»[1]. Certo que do ponto de vista da unidade religiosa, a Europa nasceu do ideário de S. Bento, e renovou-se na visão político-social de matriz cristã, de Roberto Schumann, que, todavia, preconizou a subordinação supranacional. Pascoaes teria menor ciência da pastoral beneditina e, quanto à União Europeia, tal ideia só deveio importante a partir da Comunidade Económica, criada quando Pascoaes era já de outro mundo.
Na Hispânia também Castela tentou a unificação e ainda hoje os castelhanos ostensivamente fazem de conta que não entendem, nem o catalão, nem o galego, e muito menos o português, apesar de os portugueses entenderem o castelhano. É um sinal de desencanto e, como Pascoaes escreveu, «Portugal resiste, há oito séculos, ao poder absorvente de Castela»[2]. Uma língua é uma pátria, mesmo que o número de falantes seja menor. Nada obsta a que, mesmo em nações aliadas num único Estado, as línguas regionais sejam acatadas, apesar de haver cidadãos que só aceitam que uma língua seja viva, quando falada por muita gente, considerando loucas as minorias que falam uma língua própria. De «loucos» um Ministro da Cultura Socialista rotulou os mirandeses[3], Ministro esse que devia ser culto e não considerar loucos os portugueses de Miranda que podem falar outra língua a par da portuguesa. Talvez os castelhanos achassem loucos os portugueses por terem criado outra língua? Será justo apelidar de loucos os galegos que, não obstante o centralismo castelhano, perseveraram nas suas falas arcaicas, das quais a língua portuguesa evoluiu, do galego se diferenciando depois de ter sido gerada no meio do galaico-portucalense? Com a Galiza, no quadrilátero hispânico, há exemplos a ter em conta, o catalão não sendo o menor. Castela produziu uma literatura, mas também a produziram a Galiza, Portugal, e Catalunha.
Pascoaes tinha em altíssima conta o factor linguístico, tendo exarado curiosos argumentos acerca da singularidade da nossa língua. Ela, de matriz europeia, deveio africana, americana e asiática. Considerando o número de falantes no âmbito do Catolicismo, o português é a segunda língua mais falada logo a seguir ao castelhano, sendo certo que para tanto muito contribuem as nações latino-americanas. Quanto ao mirandês é uma língua que, através dos séculos manteve o seu peculiar carisma: uma língua inteira, arcaica, formulada e mantida entre o galego, o leonês, o português, e o cantábrico. Há uma literatura mirandesa, e muito recentemente Os Lusíadas foram traduzidos por Amadeu Ferreira para essa língua.
A identidade nacional no quadro da internacionalidade, tem por norma a assunção de que só mediante uma esclarecida identidade pode afirmar-se na Europa e perante a Europa, e tal identidade é transversal a uma língua e a um pensamento próprio[4], pensamento esse que haja em mente a pluralidade do mundo que criámos.
A firmeza de Portugal na cena europeia não depende dos profissionais de europeísmo, pagos e sustentados por um povo que de há muito vive no limiar da pobreza, mas que é obrigado a exceder-se para honrar esses profissionais, que não sabemos se têm alguma ideia própria de Europa.
Entre a ambição da imperialidade e a vocação da fraternidade, o europeísmo actual, na forma política como ele se apresenta, é um exercício de coabitação, só alargado após o derrube do Muro de Berlim e a aproximação do Oeste e do Leste, cujas raízes são idênticas na diversidade dos seus ritos. Se alguma raiz é comum às nações envolvidas, essa raiz é o Cristianismo judaico-helénico-romano figurado, desfigurado e transfigurado na original ortodoxia, nas sequelas das heterodoxias e, por fim, nos fenómenos cismáticos. Na variedade das fronteiras, da cultura, das línguas, o comum da Europa apresenta-se como um valor do sagrado, um factor uniente, mesmo quando imerso nas variedades do secularismo – o economismo, o sociologismo, o politicismo, o temporalismo, o naturalismo, que, aos poucos tem içado o neopaganismo, ostensivo na vida quotidiana, a pontos de, em múltiplas circunstâncias, o Cristianismo parece reduzir-se a um vestígio do passado[5].
[1] A Béthouart, Metternich e a Europa. Trad. port.. Porto, Lello, 1985; P. Gomes, Meditações Lusíadas. Lx.ª, Fund. Lusíada, 2001, p. 131. Cf. todo o capítulo intitulado «Portugal, Possível e Impossível», pp. 129-142.
[2] Arte de ser Português, Rio de Janeiro, Ren. Port., 1920, p. 145.
[3] Cf. F. J. Viegas, in Correio da Manhã, Lx.ª, 20.5.2009.
[4] Cf. Maria das Graças Moreira de Sá, Entre Europa e o Atlântico. Estudos de Literatura e Cultura Portuguesa. Lx.ª, INCM, 1000, sobretudo o capítulo acerca do nacionalismo linguístico de Pascoaes.
[5] João Paulo II, Ecclesia in Europa, 2003, cap. 7. Cf. P. Gomes, A Alma Cristã da Europa, in Theologica, 2.ª série, Vol. 19, Braga, 2004, pp. 263-299.
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2 comentários:
É um luxo ter um Homem do calibre de Pinharanda Gomes a escrever para a Nova Águia.
Excelente artigo.
Obrigado, Renato por o teres dado a ler em primeira mão, aqui.
Falta ainda mais um...
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