
Não há uma cultura oficial? O maniqueísmo do gosto: quem é de esquerda, quem é de direita, os bons e os maus? Não é doutrinário o actual regime? Não exclui e não promove por motivos políticos? A censura existe.
PREFA(S)CIO – I
Nada mais livre que um livro,
quando com ele não se lucra
senão um tiro
na nuca.
ARS POETICA – III
Há um anjo da guarda,
profíquo e profundo,
que aos poetas se agarra
e os guarda e resguarda
e não larga
um segundo.
Há, no vão-da-escada
de toda a palavra,
um anjo-da-guarda
com o qual me confundo;
e o olhar que ele crava
na clave rimada
de cada quadra
que aparo ou refundo,
não o troco por nada
deste mundo.
PREFA(S)CIO – II
De entre todos os motivos
porque sulco os loucos trilhos
de extermínio
em que me abismo,
sobressaem, sempre vivos:
os meus livros,
os meus filhos
e o fascínio
do fascismo.
EX-LIBRIS
Sem medo, procedo
à colheita do medo;
Sem medo,
procedo
à cobrança
da esperança.
Rodrigo Emílio (Lisboa, 18 de Fevereiro 1944 - 28 de Março de 2004)
Poemas de Braço ao Alto, Tipave Tipografia de Aveiro Lda, 1982
11 comentários:
Aqui, pelo menos, não há esse tipo de censura. Ainda que os poemas não sejam grande coisa...
Talvez ninguém no Portugal para cá do Pessoa tenha tido esta coisa que o Rodrigo Emílio tinha, pôr as palavras a brincar como se fossem alegres gnomos de um conto infantil, sem o mais pequeno esforço, sem a mais pequena disciplina.
"menino, pegue no lápis
e com a sua mão larápia
desenhe lá o Boi Ápis
a pastar na Via Ápia..."
E depois vinham as coisas do fundo, sempre ainda disfarçadas de céu azul e brisa ligeira.
Tel que le Petit Prince
de Saint Exupéry
permaneço ao alcance
da fé com que nasci:
on est de son enfance
comme on est d'un pays.
Agora, de certa forma não é o regime que é doutrinário, e com isto quero dizer que não são os políticos que mandam os poetas calar, pois os políticos já são escolhidos de entre os surdos. E isto vem de trás. Se o Dr. José Afonso fosse agora moço estudante, não sabemos se seria escutado enquanto alguém não decretasse "esse pode passar, que é o nosso Zeca; ponham-no lá na montra da Bertrand e na capa do Jornal de Letras. Mas arranjem antes uma entrevista onde ele 'confessa que' alguma coisa, onde ele 'se assume como' alguma coisa". E o Zeca não saberia o que dizer.
E esse alguém não tem rosto nem nome, ou não os tem que possam ser ditos.
Um belo post, Ariana.
Não me reconhecendo no que ele defende, reconheço a justiça de o não censurar. Este blogue deve ser um exemplo dessa ausência de censura.
Conheço a sua poesia e aprecio alguma dela.
São os "bem pensantes", a burguesia inútil que vive em Lisboa e no Porto, mas são essas pessoas que têm suportado quase todos os regismes, e depois podíamos falar das "clientelas", quem ocupa os ministérios, as faculdades, as editoras, as galerias, os teatros e os meios de comunicação. Por isso o país é o que é. Conheço algumas pessoas, "muito de esquerda" e "produtores de cultura", mais ricas que todos os "malditos fascistas". O resto é "Morangos com Açúcar", depilação que vem a praia, e tudo o resto que se passa "debaixo dos panos", e aquela ranhoca de esplanada "eu adoro o Zeca Afonso".
Não é de crer, todavia, que ele se recusasse a exercer sobre os outros a mesma censura que sobre ele é exercida...
Não será afinal tudo justo?
Porque é que não é de crer?
Porque ser de direita é estar sob suspeita, são os "maus". Mas a ditadura do proletariado foi a utopia da esquerda. Hoje não é, hoje é a intriga,sabida e aplicada ou lá se iam os "padrinhos" e a promoção da mediocridade.
O tempo depois salva, separa o trigo do joio sem ideologia, mas como um esquerdista disse eu também quero "o pão em vida, a justiça em vida".
Vou-me calar antes que despeje a mala com as "intelectais e poetisas" de esquerda, o talento de descruzar a perna onde dá jeito.
Uns descruzam para a esquerda, outros para a direita, outros abrem-se mais ao centro...
Parece conhecedora, "dona nascida para a blogosfera em Maio de 2009".
A minha simpatia para com o Rodrigo Emílio foi mais pelos artigos políticos que pela poesia (coisa que não compreendo, falta-se provavelmente a sensibilidade para entender a escrita poética).
Estive nas homenagens póstumas que lhe foram feitas e chocou-me em parte o modo burguês com que se homenageou alguém tão humilde e "do povo" como o Rodrigo, aliás não fui o único esquerdista presente, para incómodo de alguns.
"São os "bem pensantes", a burguesia inútil que vive em Lisboa e no Porto, mas são essas pessoas que têm suportado quase todos os regismes, e depois podíamos falar das "clientelas", quem ocupa os ministérios, as faculdades, as editoras, as galerias, os teatros e os meios de comunicação. Por isso o país é o que é."
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