XII - LEOPARDI
Giacomo Leopardi (1789-1837) foi um dos poetas maiores da lírica italiana. Mais do que os méritos da sua obra, Agostinho da Silva salienta, contudo, as fragilidades da sua personalidade, fazendo mesmo destas a fonte daquelas: “o caminho da arte que se abre a Leopardi não lhe estava marcado desde início, e apenas o toma porque falhou como homem, porque não pode ser nem erudito nem político; escrever será, porque ele é fraco, um substituto da acção; mas pensa que há ainda algum valor em afrontar os destinos, em arrancar da vida tudo o que ela ainda lhe poderá dar; bater-se-á, pois, e, vendo claramente toda a crueldade dos fados, superará a cegueira do mundo, cantando, com orgulho e desprezo, a grandeza e a miséria dos homens”.
É porque “falhou como homem” que Leopardi vingou como artista – eis, pois, a grande tese desta Biografia. Esse “falhanço como homem” teve também decerto a ver, desde logo, com o ambiente familiar[1], mas era, sobretudo, bem mais fundo, mais intrínseco. Tinha a ver com a própria pessoa de Leopardi, como se depreende bem destas palavras: “passadas as horas muito breves de optimismo e de satisfação consigo mesmo, inclinava-se para a inferioridade da sua natureza, para a radical impossibilidade de ser melhor do que era: só havia que ter resignação e paciência e que levar os outros a terem também, perante as suas falhas, resignação e paciência; o herói desaparecia para sempre: e naquele triste Inverno bolonhês, longe de casa, sem esperança e sem glória, Leopardi escrevia que nada mais era que um sepulcro, que levava dentro em si um homem morto”.
Havia, de resto, em si, uma atracção, senão mesmo uma obsessão, com a dor: “Fugir à dor é, apenas, para Leopardi, a pior das covardias, a única que verdadeiramente pode retirar dignidade humana; saber que a vida é trágica, que a vida não tem solução, que a vida é um engano, e proceder como se o não fosse é a marca definitiva de coragem, a afirmação plena de valor, a arte suprema do heroísmo.”. Daí, em suma, o seu destino, por si próprio traçado: “Se tivesse de renovar o seu destino, não o escolheria diferente; preferia sofrer a não estar inquieto; e se às vezes havia um momento de calma, se não sentia o mundo como oposto, já temia que se tivesse afastado o cálice doloroso, que a própria criação o tivesse marcado com o selo da covardia e da derrota; para ele, o sofrimento era a marca de que o espírito o não repelira de si”.
Como lapidarmente escreveu ainda Agostinho, para Leopardi, “a vida em si própria é sofrimento”[2].
[1] “tudo à sua volta o entristecia e magoava; ninguém da família parecia compreender o que se passava dentro dele”.
[2] “O problema principal é talvez o das relações entre o homem e a natureza, embora outros surjam, por vezes, na mesma altura de plano; é a natureza a amiga, a inimiga do homem, ou simplesmente uma indiferente espectadora, até apenas o fundo sobre o qual se desenrola a tragédia humana? Leopardi inclina-se a vê-la ou indiferente ou hostil, e então não existe para o homem nenhum consolo senão aquele que pode tirar do seu próprio espírito ou a contemplação, com o desejo de que chegue depressa, do fim que a natureza pôs para todos os seres, da morte que nos traz o esquecimento e o repouso; é possível ainda outro caminho de evasão: o homem pode agir e pela própria acção esquecer-se de todos os problemas que o atormentam, não propriamente porque sejam problemas, mas porque sente que não têm solução; há na vida uma contradição íntima que talvez mesmo seja sua condição essencial; o mais que podemos fazer é esquecer por momentos essa contradição: quem não age, pelos corpos, sobre os corpos, tem ainda ao seu dispor a capacidade de amar ou, como directo substituto da acção, a ciência, a poesia, a arte, talvez mesmo a filosofia; tudo será, porém, ilusão de um instante: a vida em si própria é sofrimento”.
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