LÍNGUA, CONFIANÇA E DESENVOLVIMENTO[1] - I
Gedião Vargas (*)
Desde sempre que o idioma de cada grupo social no mundo é sinónimo de afirmação como nação, factor de unidade nacional, símbolo de soberania, motivo de orgulho para os povos. Por outro lado, ao longo da história do mundo, a imposição da língua falada de um povo sobre a de outro representou sempre o corolário de alguma forma de imposição de mando ou de soberania, fôsse bélica, económica ou puramente política. E mesmo hoje, no limiar de um novo século, quando decantamos orgulhosamente avanços e vitórias em frentes tecnológicas, científicas e culturais, e enquanto propugnamos pela imposição da paz entre povos, decorre surda e persistente outra “guerra”: fria, subtil, que se origina, justamente, na permanente tentativa de imposição de valores de um povo sobre os de outros. É no fragor dessa guerra que vamos encontrar envolvida esta nossa “Última flor do Lácio, inculta e bela...”[2]
É claro que, dir-me-ão, seguindo esta imagem bélica, haverá povos que, cedo ou tarde, ver-se-ão desprovidos de identidade lingüística, soterrados pela força idiomática de outros povos, mais numerosos... Pense-se nos chineses, que são cada vez mais! No entanto, aquela tentativa de imposição de idioma não sobrevem apenas da aritmética simples da comparação de número de habitantes de cada país. Ao contrário, a subtileza reside na vitalidade criativa de cada povo e na sua capacidade de disseminar seus avanços, seus gostos, seus jeitos, suas modas e, afinal, seus valores. Que muitos das centenas de idiomas e dialectos hoje em uso no mundo se vejam a prazo confinados a minúsculos territórios onde a linguagem própria se veja reduzida à comunicação local, coloquial, mantida exclusivamente como orgulho e símbolo nacional, poderia ser hipótese académica altamente provável: a crescente disseminação tecnológica, a globalização imparável da economia, a tendência à “harmonização do consumo” trazem no seu bojo, feito um Cavalo de Tróia, a “escravatura da linguagem”: vá se lá ver como é que povos, para nós aqui na Europa, tão remotos quanto o tibetano ou o equatoriano ou, para não ir tão longe, o croata ou o estoniano, hão de traduzir para sua própria língua a hoje vulgar palavra “chip”? Nós, lusófonos, talvez recorrêssemos à nossa reconhecida riqueza vocabular, ou simplesmente prolixidade..., para definir tão minúsculo objecto e então disséssemos: “dispositivo electro-electrónico constituído de partes metálica, plástica, cerâmica e vidro, compondo circuitos eléctricos integrados, apto a armazenar em sua estrutura determinada quantidade de informação cifrada que pode ser recuperada e utilizada mediante comandos exteriores que lhe são reconhecíveis...etc.”
“Nossa língua é o nosso estar no mundo” diz o eminente Poeta e membro da Academia Brasileira de Letras Lêdo Ivo. “Minha Pátria é minha língua” cantam os poetas Pessoa e Caetano. Nosso “estar no mundo”, nossa “Pátria”, no entanto, vê-se hoje em dia bastante permeável às tentativas de imposição de valores alheios. Com efeito, não basta a grandeza absoluta dos números ou a nossa posição entre as oito línguas mais faladas no mundo para nos garantir no futuro a genuinidade desta nossa comum Pátria lingüística: indispensável é concentrar a atenção sobre as “armas” utilizadas pelos outros principais intervenientes nesta guerra a que antes se aludiu, e aplicar-lhes antídotos. Se pensássemos no esforço notável desenvolvido por países detentores de línguas como o italiano, ou mesmo o alemão, para se manterem e disseminarem pelo mundo, talvez viéssemos a compreender melhor o enorme valor que a nós, lusófonos, cumpre preservar, desenvolver, aperfeiçoar e transmitir aos nossos descendentes; porque esta Pátria de que falam Pessoa, Caetano e outros constitui a súmula de nosso modo de estar no mundo e do conjunto dos nossos mais nobres valores.
Consta no anedotário brasileiro que “uma das avenidas mais norte-americanas” que existe actualmente está situada à beira mar na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, porque não há ali, ao que parece, um único estabelecimento comercial com nomes em português. Será isto um dos mais acabados exemplos de aculturação idiomática, resultado, vê-se logo, da presença do ‘Cavalo de Tróia’ económico: se formos falar então do científico ou do tecnológico, teremos motivo bastante para passarmos da posição de alerta para a de acção.
Não é aqui, por certo, o lugar para dissertar e expressar idéias sobre as potencialidades da Língua Portuguesa no mundo. Pode, no entanto, ser momento para reiterar a noção de que é hoje, mais do que nunca, necessário reunir os esforços dos povos dos países de Língua Portuguesa no sentido da acção concertada visando objectivos maiores de divulgação e aperfeiçoamento de nosso idioma comum. Serviria este comum e breve texto apenas como forma de expressar a opinião segundo a qual é através do desenvolvimento económico, social e cultural que a nossa língua poderá impor-se cada vez mais como veículo transmissor dos nossos valores no mundo; e que de “desconhecida e obscura”2, conforme a cantou então Bilac, dê a demonstrar o seu brilho de “ouro nativo”2.
(*) Economista. Consultor Independente.
[1] Texto originalmente escrito para a revista “Raízes, Laços e Língua”, nº 2, Nov/Dez2001/jan/2002
[2] Excerto do poema “Língua Portuguesa”, de Olavo Bilac.
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quarta-feira, 11 de junho de 2008
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1 comentário:
Excelente texto!
Ninguém nos vai soterrar, meu Amigo, não sem luta brava, e penso que é batalha que não perderemos!
Abraço.
P. S. Aqui fica, para quem não conheça:
LÍNGUA PORTUGUESA
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo, que, na ganga impura,
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço e o teu aroma
De virgens selvas e de oceanos largos!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: «meu filho!»
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
Olavo Bilac
(usou também pseudónimos, entre os quais, os mais conhecidos: Otávio Vilar, Belial, Fantásio, Tartarin-Le Songeur, Puck, Flamínio)
(1865-1918)
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