Ortega y Gasset: a vida ao serviço de si mesma sob a forma de razão
ATCL/ MIL, 2024, 96 pp.
ISBN: 978-989-35154-6-4
Depois de lermos este livro de
Joaquim António Pinto, imediatamente ocorre-nos corrigir o conhecido dito: “De
Espanha, nem bom vento nem bom casamento – mas, por vezes, bom pensamento”. É
verdade que esse pensamento não tem sido devidamente conhecido e reconhecido –
tanto quanto merece. Historicamente, isso justificou-se por uma razão óbvia:
foi desde logo e sobretudo contra Espanha que Portugal conseguiu afirmar a sua
independência. Hoje, porém, não nos parece que essa “sombra” tenha ainda alguma
razão de ser. A Espanha não é já uma ameaça para Portugal. Podemos e devemos
pois, assim, conhecer e reconhecer, sem qualquer complexo, a grandeza da
cultura do nosso país vizinho.
Um dos vultos maiores da
cultura espanhola de século XX foi, inequivocamente, José Ortega y Gasset.
Apesar de ter chegado a residir em Portugal nos anos quarenta, o seu
conhecimento e reconhecimento entre nós ainda não faz jus à sua grandeza. Ainda
assim, Ortega y Gasset tem sido, provavelmente, o filósofo espanhol mais
conhecido e reconhecido em Portugal, por mais que, muitas vezes, apenas pelo
seu célebre dito: ”eu sou eu e minha circunstância”. Em geral, citado apenas
assim, de forma truncada, sem o seu (essencial) aditamento: “e se eu não a
salvo a ela [a circunstância] não me salvo a mim” (Meditaciones del Quijote, 1914).
Uma das pessoas que entre nós
mais, nas últimas décadas, conheceu e reconheceu a grandeza da cultura do nosso
país vizinho e, em particular, a grandeza filosófico-cultural de Ortega y
Gasset foi Manuel Ferreira Patrício. Falecido em 2021, ainda nos lembramos bem do
orgulho que tinha na sua biblioteca, em Montargil, onde salientava sempre as
edições que tinha da obra de Ortega, nas muitas visitas que lhe fizemos. Na
edição das suas Obras Escolhidas, que
organizámos com Samuel Dimas, ele recorda, aliás, com detalhe, a forma como foi
conhecendo e reconhecendo a grandeza da cultura do nosso país vizinho e, em
particular, a grandeza filosófico-cultural de Ortega y Gasset (nomeadamente, in “Nótulas sobre a recepção da
filosofia de Ortega y Gasset em Portugal e no espaço luso-brasileiro”, vol. VI,
2021).
Nesse texto, aliás, Ortega
surge com o vulto maior “do lado castelhanófono”: “…já publiquei na NOVA ÁGUIA
mais do que um ensaio defendendo a ideia de que é a hora de concebermos e
organizarmos um novo Tratado de Tordesilhas: orientado para a união e não para
a divisão. Ou seja: um Tratado que consagre a vontade estratégica dos Países
lusófonos aliada à dos Países castelhanófonos para o século XXI. Não para
negarmos ninguém. Apenas para nos afirmarmos a nós. Ouço com atenção Agostinho
da Silva do lado lusófono. Mas ouço com igual atenção José Ortega y Gasset do
lado castelhanófono. Nesta hora planetária perigosa, é bom ouvirmos o filósofo
da circunstância: Yo soy yo y mi
circunstancia y si no la salvo a ella no me salvo yo. Ortega é um mestre
indispensável para este projecto.”.
Na esteira de Manuel Ferreira Patrício, Joaquim António Pinto brinda-nos com este livro, onde, começando por nos falar sobre a vida de Ortega, se detém depois no seu pensamento, à luz dos seguintes tópicos, desenvolvidos na primeira parte da obra: realismo e idealismo; o conceito de vida como realidade radical; as categorias de vida na filosofia da razão-vital; a vida como perspectiva; razão vital e razão histórica. Já na segunda parte da obra, problematiza os seguintes itens: a filosofia e o problema da verdade; geração e tempo histórico; filosofia e ciência; a possibilidade do conhecimento do todo; evidência e intuição; a subjectividade; as crenças vitais; os dados radicais do universo; a análise da consciência; a fenomenologia; a consciência como intimidade; a vida; uma nova ideia de realidade; e, por fim, a realidade radical. Num tempo de crescente massificação (leia-se: abaixamento) filosófico-cultural, eis, em suma, um livro de relevo, por tudo aquilo que nos revela, com rara clareza e rigor.
Renato Epifânio