sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

8 OU 9, EIS A QUESTÃO



DA MEMÓRIA … JOSÉ LANÇA-COELHO

O homem fazia do número nove, o algarismo da sua vida.
Nascera no dia nove de um mês qualquer. Também a nove de outro mês conhecera a mulher da sua vida, ou pelo menos assim a classificara, enquanto vivera com ela. A nove dum outro mês nascera o seu primeiro filho. Ainda a nove de qualquer mês tivera o seu primeiro e grande êxito da sua vida profissional que, afirmando-se na música, também se relacionava com a poesia.
Ao longo da sua vida, preenchida com inúmeros êxitos, fizera do nove, um talismã em que acreditava piamente, o que o levou a escrever uma canção que se chamava precisamente “Número Nove”.
O seu êxito foi tão retumbante que, se tornou num dos homens mais conhecidos do universo. Em qualquer latitude da Terra, a sua cara era identificada pelo cidadão mais comesinho de qualquer país, inclusive, nas muitas ditaduras que grassavam no planeta, que, embora o tivessem banido, não conseguiam ofuscar-lhe o seu fulgor, apagar-lhe a sua imagem.
Houve até uma revista norte-americana que, nos idos anos sessenta do século XX, o considerou uma das três personalidades mundiais, ao lado de dois presidentes de nações.
O número nove era como a poção mágica em que Obélix caíra quando era criança, e lhe dera uma força sobrenatural para se opor aos Romanos.
Numa palavra, quando o nove estava envolvido em qualquer assunto, o homem acreditava que nada lhe podia acontecer, porque ele tinha a convicção da estreita relação, metafísica e mágica, existente entre os números e as pessoas, ou melhor dizendo, entre os algarismos e as almas dos mortais.
Todos os dias nove de cada mês, o homem comia e bebia tudo o que sabia que lhe podia fazer mal à saúde, metia-se no carro e acelerava que nem um louco, numa palavra, fazia tudo o que humanamente lhe era interdito, pois sabia que estava protegido pelo espírito do número em que se escudava.
O homem em questão era oriundo do velho mundo, da Europa, onde vivera os seus primeiros trinta anos, depois mudara-se para o novo mundo, a América dos sonhos dourados, não que precisasse de dinheiro, mas, porque Nova Iorque se tornava cada vez mais o umbigo do mundo moderno.
Após uma paragem de alguns anos, o músico e poeta voltara a gravar as canções que tão bem compunha e regressara à crista da onda. Estava, de novo, no auge. Amado pelos seus inúmeros fãs em todo o mundo.
Um dia, ao sair do seu apartamento nova-iorquino para gravar um novo disco, foi abordado por um fã que, lhe pediu um autógrafo. Deu-o e foi para o estúdio.
Ao princípio da noite, quando regressou a casa, deparou-se com o mesmo fã que o esperava, de novo, junto à porta do seu apartamento de luxo.
Instado para dar um novo autógrafo, preparou-se para o fazer, só que, desta vez, não o conseguiu, pois o fã disparou um revólver contra o seu peito.
Levado para o hospital, acabou por morrer.
Mas, era dia nove! Como é que o seu número da sorte falhara?
A explicação era bem simples. Na verdade, já era dia nove na Europa, onde ele nascera, só que na América era ainda a noite do dia oito.
O feitiço do nove só funcionava no continente onde o homem nascera, desde que ele lá estivesse…

Escrito a 8 de Dezembro de 2010, em homenagem a John Lennon, no trigéssimo aniversário do seu brutal assassínio.